O Globo
Uma pesquisa publicada no fim do ano
passado disparou um grande debate nos Estados Unidos sobre a relação
entre saúde mental e
política. O estudo, publicado na revista SSM Mental Health, apontou uma correlação intrigante
entre a identidade política dos adolescentes e uma escala que mede depressão.
Estudantes do último ano do ensino médio (17 e 18 anos) que se identificam como
“liberais” (na tradição americana, de esquerda) têm pontuação média
significativamente maior na escala que mede depressão do que aqueles que se
identificam como “conservadores”. A diferença aparece em toda a série histórica
e, mesmo quando a depressão entre todos os adolescentes dispara, no começo dos
anos 2010 (provavelmente pelo maior uso de mídias sociais), a pontuação é maior
para adolescentes de esquerda e maior ainda para meninas de esquerda.
A recepção da pesquisa ficou restrita aos círculos acadêmicos até o fim de fevereiro, quando foi descoberta e passou a ser discutida nas redes sociais e na imprensa americana. O debate produziu dois tipos de explicação.
A primeira acredita que os jovens de
esquerda adoecem mais porque são mais sensíveis e mais impactados pelas mazelas
do mundo. Essa é a hipótese dos próprios autores do artigo. Eles especulam que,
no período do estudo, “guerra, aquecimento global, tiroteios nas escolas,
racismo estrutural, violência policial contra negros, machismo generalizado e
desigualdade socioeconômica desenfreada” tomaram o discurso político e geraram
uma reação de movimentos juvenis. Assim, “adolescentes liberais [de esquerda]
podem ter se sentido alienados num clima político conservador, de modo que sua
saúde mental sofreu mais em comparação com a de seus pares conservadores cujas
visões hegemônicas floresciam”.
A colunista do jornal The New York Times Michelle Goldberg logo percebeu que a
hipótese dos autores do estudo não era muito consistente com os dados. Embora
fosse razoável supor que o misógino governo Trump deprimisse meninas
adolescentes, não era isso o que os dados mostravam. O maior índice de depressão
entre adolescentes de esquerda não pareceu ser afetado pela mudança de governo,
permanecendo mais elevado tanto no governo progressista de Barack Obama
(2013-2016) como no governo conservador de Donald Trump (a partir de 2017).
A tese dos autores também despreza que
seria igualmente razoável esperar descompasso entre valores e percepção do
mundo entre os adolescentes conservadores, já que, no entendimento desse grupo,
eles é que estão deslocados num mundo controlado por elites progressistas que destroem
a família convencional e os valores americanos tradicionais.
A segunda linha de interpretação,
capitaneada pelo psicólogo social Jonathan Haidt, tenta explicar o adoecimento dos jovens de
esquerda pela política progressista contemporânea, que, diz ele, estimula a
sensibilidade diante de pequenas agressões e enxerga simples ofensas como
grandes e insuportáveis violências. Essa política se difunde pelas mídias sociais.
Para Haidt, as meninas adoecem mais porque fazem mais uso delas. Ele compara
esse tipo de política a uma terapia reversa: enquanto na terapia se busca
contextualizar, criar distanciamento e aprender a lidar com os traumas, nessa
política há um esforço para ver ofensas como violências intoleráveis que não
devem ser esquecidas.
A explicação de Haidt faz sentido e, se for mesmo verdadeira, deveria servir como alerta — e não apenas para os progressistas mais jovens. Talvez devamos seguir nos esforçando para perceber e condenar as injustiças, mas discernindo o mais grave do menos grave e não deixando a existência no mundo se tornar uma provação insuportável.
Mais uma ótima coluna.
ResponderExcluirBem superficial, mas interessante.
ResponderExcluirLegal.
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