terça-feira, 28 de março de 2023

Rubens Barbosa* - A nova China e a visita de Lula

O Estado de S. Paulo

O que o Brasil quer da relação com a China na defesa dos interesses nacionais concretos, e não subordinados à ideologia ou à geopolítica? É hora de definir esses interesses

A viagem do presidente Lula à China foi adiada por motivo de saúde e ainda não tem data para ser concretizada. A China que vai receber o presidente brasileiro é muito diferente daquela que existia nos últimos anos. A partir da confirmação de um terceiro mandato do presidente Xi Jinping, a retórica cautelosa das lideranças de Beijing se alterou profundamente. Xi Jinping defendeu que a China deve “participar ativamente da reforma e construção do sistema de governança global e promover iniciativas de segurança globais” para a paz e o desenvolvimento mundiais. Essa nova atitude foi responsável pela bem-sucedida mediação entre a Arábia Saudita e o Irã que culminou num acordo para o restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países. Com isso, a China tornou-se um ator mais importante que os EUA no Oriente Médio.

Essa crescente atividade externa certamente foi ampliada na conversa com Putin e o prometido contato telefônico com Zelenski para tentar influir nos esforços para a suspensão das hostilidades na Ucrânia. Uma proposta de 12 pontos anunciada pelo Ministério do Exterior chinês, apoiada pela Rússia, foi prontamente rechaçada pelos EUA e pela Ucrânia.

Essa ofensiva diplomática da liderança chinesa e a escalada retórica quanto à possibilidade concreta de um conflito armado, caso não cessem as medidas de Washington contra Beijing, mostram uma atitude mais assertiva da China e a tentativa de oferecer uma alternativa ao modelo de relações internacionais liderado pelos EUA. O governo russo também acenou com uma conflagração nuclear, caso a Inglaterra forneça arma com urânio empobrecido a Ucrânia.

A agenda de Lula com Xi Jinping na área bilateral, segundo divulgado pelo governo, poderá incluir a ampliação da cooperação na questão ambiental e a participação da China no fundo amazônico ou outra forma de cooperação na preservação da Floresta Amazônica. A agenda comercial e de investimentos poderá incluir novos produtos no intercâmbio bilateral e cooperação tecnológica em semicondutores, 6G e Inteligência Artificial, na área de energia renovável e infraestrutura. A China poderá ser atraída para uma parceria no desenvolvimento do projeto de reindustrialização e poderá ser retomada a colaboração na área espacial, com novos satélites – inclusive para o monitoramento da Amazônia – sendo lançados dentro do Programa CBERS.

As discussões sobre o cenário internacional certamente incluirão a questão da governança global, em especial a ampliação dos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a próxima reunião do G-20 no Brasil, o futuro do Brics e a participação do Brasil no Novo Banco de Desenvolvimento. Como será recebida a proposta de Lula de promover um grupo da paz na Ucrânia, será atropelada pelas ações chinesas ou poderá ser vista como complementar à proposta de Beijing?

A China, quando propôs ao Brasil no governo FHC uma parceria estratégica, sabia muito bem o que queria na relação bilateral, como se comprovou nos últimos anos, quando Beijing passou a importar produtos agrícolas e minerais para sua economia. O Brasil passou a depender do mercado chinês para suas exportações do agro e a China tornou-se nosso maior parceiro comercial. Até aqui, essa parceria foi vantajosa, mas criou uma forte dependência dos interesses comerciais e econômicos brasileiros com a Ásia, em especial com a própria China. O Brasil mantém com o maior país da Ásia dois programas de cooperação de longo prazo: o Plano Estratégico 2022-2031, concentrado em três eixos – político, economia (investimento, comércio e cooperação) e ciência (tecnologia e inovação); e o Plano Executivo 2022-2026, que inclui infraestrutura, cooperação financeira, energia e mineração, agricultura, aquicultura e pesca, educação, esportes, cultura, turismo e saúde, cooperação na ciência, tecnologia e inovação, além da cooperação espacial.

O governo Lula tem o grande desafio de definir os interesses estratégicos do Brasil em relação à China, o que não foi feito por nenhum outro governo desde FHC. O que o Brasil quer da relação com a China na defesa dos interesses nacionais concretos, e não subordinados à ideologia ou à geopolítica? Chegou o momento de definir esses interesses.

Caso essa parceria estratégica se amplie, numa nova era, a visita à China vai estabelecer um forte contraste com a visita a Washington. Ao final do encontro com Biden, poucos foram os resultados concretos, além da ênfase na defesa da democracia e das instituições democráticas e menções genéricas à prioridade e cooperação no meio ambiente e mudança de clima, ao contrário do que se espera na visita a Xi Jinping.

Embora não claramente verbalizada, é crescente a preocupação dos EUA com a presença da China na América do Sul e com a importância do relacionamento do Brasil com Beijing, como evidenciado em recente reunião do Senado norte-americano, que chegou a ressuscitar a Doutrina Monroe e a acenar com pressões e mesmo sanções contra o Brasil pelas posições em relação à guerra e pela dependência da China.

Dependendo da evolução do cenário internacional, a política de equidistância em relação ao confronto EUA-China e à guerra na Ucrânia, coerente com o interesse nacional, será fortemente testada.

*Ex-embaixador em Washington e Londres, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

 

3 comentários:

  1. Em pouco tempo a China será mais importante que os EUA em nível global. Não podemos mais atrelar nossa política externa aos interesses estadunidenses como sempre fizeram o GENOCIDA e seu INCOMPETENTE "chanceler" Ernesto Araújo, lacaios e baba-ovos do mentiroso e maluco Donald Trump.

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    1. Chora PeTebento perebento

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    2. Política externa é pragmatismo, equidistância de tensões ideológicas e construção de relações comerciais e intercâmbios diversos no conceito de ganho eu, ganha meu parceiro de negócios.

      Mas há um condicionador nessa relação, um único condicionador:: os valores e cultura do seu povo.

      O Brasil, embora se encontre polarizado hoje por duas lideranças populistas que não são nenhum exemplo de democracia e possuam fortes ligações com ditaduras, com autocratas e com atores e ideólogos autoritários diversos, é um país em que o povo ainda afirma valores de liberdade e democracia.

      Neste momento político do mundo, mantidos ao máximo possível nosso relacionamento com todos, o Brasil deve evitar estreitar relações com governos que contrariem a vocação democrática de nosso povo

      Para ilustrar o que deve ser nosso compromisso político com o mundo livre, é de todo inadimissível que o Brasil não faça a condenação dos abusos da Rússia à soberania da Ucrânia e ao direito à autodeterminação do povo ucraniano.

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