domingo, 26 de março de 2023

Vinicius Torres Freire - Como é o orçamento de Lula

Folha de S. Paulo

Os números básicos para entender o que o governo pode fazer para ajustar suas contas

Luiz Inácio Lula da Silva mandou o Ministério da Fazenda refazer seu plano para gastos e dívida porque quer aumentar a despesa em saúde e educação. Talvez tenha pedido outras mudanças.

A Fazenda não dá informações sobre o "novo arcabouço fiscal", o novo método de conter gastos e dívida. A esse respeito, o pouco que vaza de outros ministérios é confuso, irrelevante ou errado.

O assunto é motivo de controvérsia grande e raivosa. A discussão ficaria melhor se a gente tivesse noção de como andam as contas do governo.

Nos anos de Lula 2, a receita do governo federal foi em média de 19,2% do PIB. Ou seja, de toda a renda (ou produção) da economia em um ano, o governo federal ficava com essa fatia para gastar.

Foi o período de melhor ritmo de crescimento da economia e da maior arrecadação nas últimas quatro décadas. Sem criar novos impostos, é difícil que a receita federal vá além da média de Lula 2.

Atualmente, a receita disponível é de 18,9% do PIB. Não é muito menor. A diferença relevante é que, nos anos de Lula 2, a despesa média foi bem menor, de 17,3% do PIB. Ou seja, depois de pagas todas as contas, ainda sobrava o equivalente a 1,9% por ano, em média ("para pagar juros"). É o que se chama de superávit primário. Essas contas todas não incluem as despesas juros da dívida pública.

Estima-se que, ao final deste ano, a receita terá sido de 17,8% do PIB. Deve diminuir porque o crescimento será mais fraco e porque não haverá a arrecadação excepcional devida ao preço de commodities, em particular do petróleo. A despesa deve ser de 18,8%. Ou seja, haverá um déficit primário equivalente a 1% do PIB. É mais ou menos R$ 100 bilhões.

Quais despesas aumentaram ou aumentarão, de Lula 2 para o primeiro ano de Lula 3? O gasto com a Previdência (INSS) passou de 6,6% para 8,2% do PIB, aumento de 1,6% do PIB. Sob Lula 2, gastava-se 0,35% do PIB em Bolsa Família. Neste ano, deve ir a 1,65% do PIB. Mais 1,3% do PIB.

A segunda maior despesa do governo federal, salários, Previdência e benefícios de servidores públicos, diminuiu, em particular por causa do arrocho de Jair Bolsonaro: foi de 4,5% para 3,6% do PIB. Nos anos seguintes, deve ter um pequeno aumento, por causa de reajustes e contratações.

É possível aumentar a receita. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) insinua que gostaria de que o governo tivesse ao menos o equivalente à receita do último ano de Bolsonaro: 18,9% do PIB. Precisa de mais imposto.

Com essa receita e sem aumento de gasto, o governo fica no zero a zero, sem déficit nem superávit. Mas: 1) o governo precisa fazer superávit, a fim de conter a dívida pública; 2) Lula quer aumentar o gasto.

Haddad passou a falar em "recomposição" de despesas de saúde e educação. As mudanças embutidas no teto de Michel Temer de fato diminuíram essas despesas. Suponha-se que a despesa de saúde e educação seja levada aos picos do passado. Isto é, ao maior valor de qualquer ano desde 2003. Implicaria um aumento de despesa de 0,6% do PIB.

Lula quer aumentar também o investimento público, ora na casa de 0,5% do PIB, uma ninharia e um problema sério. Também relevante, quer aumentar o valor do salário mínimo além da inflação, o que eleva o gasto com Previdência.

Em resumo, Lula precisa aumentar a receita em 1% do PIB para apenas equilibrar as contas, mas precisa de mais, pois quer mais despesas e precisa de algum superávit.

Onde cortar despesas? Previdência, servidores, assistência social, saúde e educação são 86% dos gastos.

Uma alternativa óbvia é aumentar o tamanho da economia, do PIB, acelerar o crescimento: haveria mais dinheiro sem aumentar a despesa em relação ao PIB.

Esse é o resumo da ópera.

 

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