Folha de S. Paulo
Os números básicos para entender o que o
governo pode fazer para ajustar suas contas
Luiz Inácio Lula da Silva mandou o
Ministério da Fazenda refazer seu plano para gastos e dívida porque quer
aumentar a despesa em saúde e educação. Talvez tenha pedido outras mudanças.
A Fazenda não dá informações sobre o "novo
arcabouço fiscal", o novo método de conter gastos e dívida. A esse
respeito, o pouco que vaza de outros ministérios é confuso, irrelevante ou
errado.
O assunto é motivo de controvérsia grande e
raivosa. A discussão ficaria melhor se a gente tivesse noção de como andam as
contas do governo.
Nos anos de Lula 2, a receita do governo
federal foi em média de 19,2% do PIB. Ou seja, de toda a renda (ou produção) da
economia em um ano, o governo federal ficava com essa fatia para gastar.
Foi o período de melhor ritmo de
crescimento da economia e da maior arrecadação nas últimas quatro décadas. Sem
criar novos impostos, é difícil que a receita federal vá além da média de Lula
2.
Atualmente, a receita disponível é de 18,9% do PIB. Não é muito menor. A diferença relevante é que, nos anos de Lula 2, a despesa média foi bem menor, de 17,3% do PIB. Ou seja, depois de pagas todas as contas, ainda sobrava o equivalente a 1,9% por ano, em média ("para pagar juros"). É o que se chama de superávit primário. Essas contas todas não incluem as despesas juros da dívida pública.
Estima-se que, ao final deste ano, a
receita terá sido de 17,8% do PIB. Deve diminuir porque o crescimento será mais
fraco e porque não haverá a arrecadação excepcional devida ao preço de
commodities, em particular do petróleo. A despesa deve ser de 18,8%. Ou seja,
haverá um déficit primário equivalente a 1% do PIB. É mais ou menos R$ 100
bilhões.
Quais despesas aumentaram ou aumentarão, de
Lula 2 para o primeiro ano de Lula 3? O gasto com a Previdência (INSS) passou
de 6,6% para 8,2% do PIB, aumento de 1,6% do PIB. Sob Lula 2, gastava-se 0,35%
do PIB em Bolsa Família. Neste ano, deve ir a 1,65% do PIB. Mais 1,3% do PIB.
A segunda maior despesa do governo federal,
salários, Previdência e benefícios de servidores públicos, diminuiu, em
particular por causa do arrocho de Jair Bolsonaro: foi de 4,5% para 3,6% do
PIB. Nos anos seguintes, deve ter um pequeno aumento, por causa de reajustes e
contratações.
É possível aumentar a receita. O ministro
Fernando Haddad (Fazenda) insinua que gostaria de que o governo
tivesse ao menos o equivalente à receita do último ano de Bolsonaro: 18,9% do
PIB. Precisa de mais imposto.
Com essa receita e sem aumento de gasto, o
governo fica no zero a zero, sem déficit nem superávit. Mas: 1) o governo
precisa fazer superávit, a fim de conter a dívida pública; 2) Lula quer
aumentar o gasto.
Haddad passou a falar em
"recomposição" de despesas de saúde e educação. As mudanças embutidas
no teto de Michel Temer de fato diminuíram essas despesas. Suponha-se que a
despesa de saúde e educação seja levada aos picos do passado. Isto é, ao maior
valor de qualquer ano desde 2003. Implicaria um aumento de despesa de 0,6% do
PIB.
Lula quer aumentar também o investimento
público, ora na casa de 0,5% do PIB, uma ninharia e um problema sério. Também
relevante, quer aumentar o valor do salário mínimo além da inflação, o que
eleva o gasto com Previdência.
Em resumo, Lula precisa aumentar a receita
em 1% do PIB para apenas equilibrar as contas, mas precisa de mais, pois quer
mais despesas e precisa de algum superávit.
Onde cortar despesas? Previdência,
servidores, assistência social, saúde e educação são 86% dos gastos.
Uma alternativa óbvia é aumentar o tamanho
da economia, do PIB, acelerar o crescimento: haveria mais dinheiro sem aumentar
a despesa em relação ao PIB.
Esse é o resumo da ópera.
É isso aí.
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