domingo, 5 de março de 2023

Vinicius Torres Freire – Jogo de Lula começa agora

Folha de S. Paulo

Lula terá discurso testado por Congresso de direita, inflação e emprego em baixa

O ano político parece por enquanto o ano do futebol brasileiro, que começa com esses campeonatos estaduais, em geral uma várzea. Até agora não houve partidas no Congresso, por exemplo.

Aconteceram apenas amistosos de distribuição de cargos, de resultado inconclusivo. O jogo duro da partilha de poder e dinheiros ainda está para começar. O esquema tático que Luiz Inácio Lula da Silva desenha ou improvisa não foi testado nos campos reais do emprego, da inflação ou do Congresso. Na arena dos juros, o governo está perdendo de muito.

Lula ainda não teve de jogar com (ou contra) Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, príncipe do centrão, sultão das emendas parlamentares, comandante dos tratores legislativos e ex-regente do governo das trevas de Jair Bolsonaro. A gente já se esqueceu do resultado da eleição de 2022, mas convém lembrar que Lula vai jogar no campo do adversário, com muitos jogadores a menos. A situação é tão difícil que o governo petista passou um paninho vermelho para a reeleição tranquila de Lira —foi sensato.

Pela primeira vez na República de 1988, o Congresso é dominado por partidos que mesclam extrema direita com uma direita que, de tão negocista, roubaria até o velho MDB.

O Congresso se acostumou a mandar mais e seus caciques se habituaram a ter mais dinheiros para repartir. A Lei das Estatais racionou o número de cargos para a barganha. Afora as despesas obrigatórias, os recursos que sobram do Orçamento são mínimos. Ficou mais difícil adquirir apoios.

Está para aparecer, em um futuro mítico, um Congresso que se oponha a aumento de gastos, o que em tese seria do gosto de Lula (que talvez seja impedido de fazê-lo, pela realidade). Mas parece claro que os parlamentares não vão bulir com as reformas liberais e similares.

Além da concessão de poder e recursos, o desempenho de Lula no Congresso depende também da popularidade. O presidente chegou ao terceiro mandato contra a vontade de quase metade do eleitorado. Tem pouca gordura para queimar. Em tempos normais, prestígio varia com inflação e emprego.

Seria muito difícil salvar a economia em 2023. Agora, há o risco de que 2024 vá para o vinagre. Lula escolheu o Banco Central como bode expiatório de um eventual fracasso. Até quando pode colar o discurso sobre juros e "rentistas" se não houver melhora em emprego e inflação, a diminuição da "taxa de sofrimento" econômico?

Por enquanto, Lula deve ter o apoio de seus adeptos mais fiéis, pois manteve o Bolsa Família em pelo menos R$ 600. No entanto, trata-se aqui de no máximo um quarto do eleitorado. Além do mais, o benefício tem sido comido pela inflação. Desde abril de 2020, quando apareceu o auxílio de R$ 600, a inflação dos alimentos foi de 40% ("alimentos no domicílio", na estatística do IBGE). A carestia da comida continua rodando a mais de 10% ao ano.

Para a população fora do Bolsa Família, em média três quartos da renda vêm do trabalho. O ritmo de criação de empregos foi forte em 2022, mas diminui rapidamente e assim deve continuar, dados o arrocho dos juros e a incerteza econômica. Desde novembro, o discurso de Lula provocou alta ainda maior de juros, disseminou incerteza e abafou o otimismo entre donos do dinheiro (para quem Lula 3 seria Lula 1, não Dilma 1).

Se Lula e PT deixarem Fernando Haddad e equipe trabalharem, é possível salvar 2024. É o que vai se ver a partir deste março, quando começam os jogos.

Por enquanto, a administração da economia está assombrada por zumbis do bestiário da esquerda velha, como manipulação de preços, favores para empresários, imposto sobre exportações ou pela ideia de que se possa gastar o quanto quiser e manter juros e dólar a preços camaradas.

 

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