Folha de S. Paulo
Lula terá discurso testado por Congresso de
direita, inflação e emprego em baixa
O ano político parece por enquanto o ano do
futebol brasileiro, que começa com esses campeonatos estaduais, em geral uma
várzea. Até agora não houve partidas no Congresso, por exemplo.
Aconteceram apenas amistosos de distribuição de cargos, de resultado inconclusivo. O jogo duro da partilha de poder e dinheiros ainda está para começar. O esquema tático que Luiz Inácio Lula da Silva desenha ou improvisa não foi testado nos campos reais do emprego, da inflação ou do Congresso. Na arena dos juros, o governo está perdendo de muito.
Lula ainda não teve de jogar com (ou contra) Arthur Lira
(PP-AL), presidente da Câmara, príncipe do centrão, sultão das
emendas parlamentares, comandante dos tratores legislativos e ex-regente do
governo das trevas de Jair Bolsonaro. A gente já se esqueceu do resultado da
eleição de 2022, mas convém lembrar que Lula vai jogar no campo do adversário,
com muitos jogadores a menos. A situação é tão difícil que o governo petista
passou um paninho
vermelho para a reeleição tranquila de Lira —foi sensato.
Pela primeira vez na República de 1988, o
Congresso é dominado por partidos que mesclam extrema direita com uma direita
que, de tão negocista, roubaria até o velho MDB.
O Congresso se acostumou a mandar mais e
seus caciques se habituaram a ter mais dinheiros para repartir. A Lei das
Estatais racionou o número de cargos para a barganha. Afora as
despesas obrigatórias, os recursos que sobram do Orçamento são mínimos. Ficou
mais difícil adquirir apoios.
Está para aparecer, em um futuro mítico, um
Congresso que se oponha a aumento de gastos, o que em tese seria do gosto de
Lula (que talvez seja impedido de fazê-lo, pela realidade). Mas parece claro
que os parlamentares não vão bulir com as reformas liberais e similares.
Além da concessão de poder e
recursos, o desempenho de Lula no Congresso depende também da
popularidade. O presidente chegou ao terceiro mandato contra a vontade de quase
metade do eleitorado. Tem pouca gordura para queimar. Em tempos normais,
prestígio varia com inflação e emprego.
Seria muito difícil salvar a economia em
2023. Agora, há o risco de que 2024 vá para o vinagre. Lula escolheu o Banco
Central como bode expiatório de um eventual fracasso. Até quando pode colar o
discurso sobre juros e "rentistas" se não houver melhora em emprego e
inflação, a diminuição da "taxa de sofrimento" econômico?
Por enquanto, Lula deve ter o apoio de seus
adeptos mais fiéis, pois manteve o Bolsa Família em
pelo menos R$ 600. No entanto, trata-se aqui de no máximo um quarto do
eleitorado. Além do mais, o benefício tem sido comido pela inflação.
Desde abril de 2020, quando apareceu o auxílio de R$ 600, a inflação dos
alimentos foi de 40% ("alimentos no domicílio", na estatística do
IBGE). A carestia da comida continua rodando a mais de 10% ao ano.
Para a população fora do Bolsa Família, em
média três quartos da renda vêm do trabalho. O ritmo de criação de empregos foi
forte em 2022, mas diminui rapidamente e assim deve continuar, dados o arrocho
dos juros e a incerteza econômica. Desde novembro, o discurso de Lula provocou
alta ainda maior de juros, disseminou incerteza e abafou o otimismo entre donos
do dinheiro (para quem Lula 3 seria Lula 1, não Dilma 1).
Se Lula e PT deixarem Fernando
Haddad e equipe trabalharem, é possível salvar 2024. É o que
vai se ver a partir deste março, quando começam os jogos.
Por enquanto, a administração da economia
está assombrada por zumbis do bestiário da esquerda velha, como manipulação de
preços, favores para empresários, imposto sobre
exportações ou pela ideia de que se possa gastar o quanto
quiser e manter juros e dólar a preços camaradas.
Quem sabe,sabe.
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