O Globo
O GSI precisa redefinir suas atribuições,
limando as generalidades que permitiram sua expansão
Depois da lambança com os golpistas do 8 de
janeiro, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) virou um bode. Bem feito,
porque ele se tornou um exemplo do expansionismo burocrático, com os militares
palacianos se metendo onde não devem.
Lá atrás, a velha Casa Militar assessorava
o presidente nas questões das casernas, mas seu chefe era também o secretário
do Conselho de Segurança Nacional. A encrenca começou aí.
Como o governo não tinha um instrumento de
coordenação administrativa, além de questões militares, o chefe da Casa Militar
era um virtual ministro das Comunicações, com voz em questões de política
externa. Depois de 1964, esse poder se expandiu. Em 1969, quando o presidente
Costa e Silva perdeu a voz pela segunda vez, perguntou ao chefe do Serviço
Médico da Presidência depois de tê-la recuperado:
— Não é derrame o que estou sentindo?
— Não, senhor. Derrame não é. Mas vamos
apurar tudo direitinho.
Era. Mas àquela altura, nenhum neurologista
havia examinado o marechal. Só aquele médico, um major que obedecia ao general
que chefiava a Casa Militar, interessado em blindar o episódio.
Costa e Silva havia sofrido uma isquemia,
voltaria a emudecer, perderia os movimentos de um lado do corpo e nunca se
recuperaria.
Com o tempo, a Casa Militar se meteu em aventuras nucleares e acompanhou o extermínio dos guerrilheiros do Araguaia. Na redemocratização ela cresceu e virou Gabinete de Segurança Institucional e acabou anexando (de fato) a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), herdeira do Serviço Nacional de Informações.
O tempo passou, o governo tem outro tamanho
e outra estrutura. O GSI precisa redefinir suas atribuições, limando as
generalidades que permitiram sua expansão. Lula resolveu colocar no lugar do
general Gonçalves Dias outro militar, também da reserva. Ao contrário de seu
antecessor no governo Bolsonaro, ele trabalhou com Dilma Rousseff numa época em
que não havia renascido a figura dos generais palacianos.
As roupas que os chefes do GSI têm no
armário, importam pouco. A Casa Militar de Costa e Silva era comandada pelo
general Jayme Portella, patrono dos generais palacianos. Ele ajudou a arruinar
o regime com a edição do AI-5 e a saúde de Costa e Silva.
Curiosamente, o major médico de 1969 foi
antecedido e, mais tarde, sucedido no cuidado da saúde do presidente por um
coronel da reserva competente e sincero. Chamava-se Américo Mourão.
Maciel nas livrarias
Chegou às livrarias “Underground”, uma
coletânea de 72 textos de Luiz Carlos Maciel (1938-2017), um baiano nascido no
Rio Grande do Sul, grande figura da cultura nacional nos anos 60 do século passado.
Maciel foi um radical erudito. Como ele
mesmo conta na sua introdução, escrita em 2004: “Não é de admirar que, em tais
circunstâncias, tanta gente ficasse muito louca. Na verdade, simpatizavamos com
a loucura; para nós, era normal.”
Em setembro de 1968, Caetano Veloso, com
suas roupas amalucadas e sua música tropical, foi vaiado pelos jovens no teatro
Tuca, em São Paulo. A boa norma aplaudia sambões.
Dias depois, Maciel escreveu: “Ao artista
que questionava, com sua arte, o mundo burguês deles, acusaram quadradamente de
‘pederastia’. (....) O irracionalismo fascista não precisa de razões; basta-lhe
o pânico. A jeunesse dorée tem medo de Caetano Veloso; é mais fácil dançar
irresponsavelmente com um retrato do ‘Che’ Guevara do que enfrentar-lhe as
verdades. No fundo, sua política e sua estética —para tocar uma questão
levantada pelo próprio Caetano — são uma e a mesma coisa.”
Meses depois, Caetano e Gilberto Gil foram
presos e se exilaram em Londres. Quando Gil lançou seu album com “Aquele
abraço”, Maciel foi sintético: “Só posso aconselhar que o leitor saia correndo
para comprar o disco e ouvi-lo. Agora.”
No semanário Pasquim, do qual foi
sistemático colaborador, em 1971 Maciel escrevia, sobre a Cannabis sativa, Bob
Dylan, Bertrand Russell, Paulo Francis (”nosso melhor profeta”), sexo, cabelo
comprido e Martin Heidegger.
Maciel fez teatro, cinema, televisão e
jornalismo. Nos anos 60, ele foi uma voz radical e cosmopolita, com tudo o que
significava ser culturalmente radical naquele tempo. A coletâna organizada por
Claudio Leal expõe sua característica: no meio de muita alegria com algum
deboche, ele falava sério.
Novos tempos
O senador Eduardo Girão tomou um brilhante
contravapor do ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, ao querer encenar
uma palhaçada presenteando-o com um bonequinho de um feto.
No mesmo dia, o ministro Nunes Marques, do
Supremo Tribunal Federal, tomou um contravapor de sua colega Cármen Lúcia ao
tratar dos direitos das mulheres com um tom de coronelão paternal.
Os tempos mudam.
Lula e a China
Lula não tem sorte quado fala do passado da
China. Em 2003 ele disse por duas vezes que Napoleão Bonaparte esteve na Terra
do Meio. Isso nunca aconteceu.
Agora, no meio de suas falas sobre a guerra
da Ucrânia, ele disse que “faz muitos anos que a China não faz guerra.”
Fica a impressão de que, desde o fim da
Segunda Guerra, a China deixou os outros em paz. Em 1950, ela entrou na guerra
da Coreia; em 1959 anexou o Tibet.
Em 1979, a China invadiu o Vietnã com
centenas de milhares de soldados. Nas palavras de Deng Xiaoping, “a China
precisa ensinar uma lição ao Vietnã”. O ataque tentava dar uma solução de força
a disputas fronteiriças e não saiu como Deng esperava. As relações entre os
dois países só se normalizaram em 1991.
Monopólio sindical
Pelo andar da carruagem, o Supremo Tribunal
Federal recriará o imposto sindical, com o nome de contribuição, para remunerar
a atividade das guildas nas negociações com os patrões.
Antes da reforma de Michel Temer os
trabalhadores eram obrigados a dar um dia de serviço aos sindicatos. Com o fim
do imposto, as caixas secaram. A ideia da cobrança de uma contribuição aos
trabalhadores, sindicalizados ou não, está no Supremo.
O professor José Pastore disse tudo ao
tratar do assunto. A questão não está na contribuição em si, mas no monopólio
sindical:
“Na maioria dos países democráticos há
mecanismos para a viabilização das atividades ligadas às negociações coletivas
de trabalho.
Na organização sindical desses países, o
conceito de representatividade é crucial. Ele diz respeito à legitimidade e à
aceitação dos sindicatos por parte dos seus representados. (...)
Quando eles perdem a confiança dos
representados, estes podem se associar a outro sindicato ou criar um novo. É o
sistema de liberdade e pluralidade sindical. No Brasil, não existe a exigência
de representatividade. (...)
Na unicidade sindical, como praticada no
Brasil, o sistema é monopolista e garantido para o resto da vida. Os descontentes
não têm aonde ir.”
Apagão
Nos próximos quatro domingos, o signatário usufruirá um apagão pessoal.
Bom ''apagão pessoal'',rs.
ResponderExcluir