domingo, 30 de abril de 2023

Elio Gaspari - Os militares no GSI

O Globo

O GSI precisa redefinir suas atribuições, limando as generalidades que permitiram sua expansão

Depois da lambança com os golpistas do 8 de janeiro, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) virou um bode. Bem feito, porque ele se tornou um exemplo do expansionismo burocrático, com os militares palacianos se metendo onde não devem.

Lá atrás, a velha Casa Militar assessorava o presidente nas questões das casernas, mas seu chefe era também o secretário do Conselho de Segurança Nacional. A encrenca começou aí.

Como o governo não tinha um instrumento de coordenação administrativa, além de questões militares, o chefe da Casa Militar era um virtual ministro das Comunicações, com voz em questões de política externa. Depois de 1964, esse poder se expandiu. Em 1969, quando o presidente Costa e Silva perdeu a voz pela segunda vez, perguntou ao chefe do Serviço Médico da Presidência depois de tê-la recuperado:

— Não é derrame o que estou sentindo?

— Não, senhor. Derrame não é. Mas vamos apurar tudo direitinho.

Era. Mas àquela altura, nenhum neurologista havia examinado o marechal. Só aquele médico, um major que obedecia ao general que chefiava a Casa Militar, interessado em blindar o episódio.

Costa e Silva havia sofrido uma isquemia, voltaria a emudecer, perderia os movimentos de um lado do corpo e nunca se recuperaria.

Com o tempo, a Casa Militar se meteu em aventuras nucleares e acompanhou o extermínio dos guerrilheiros do Araguaia. Na redemocratização ela cresceu e virou Gabinete de Segurança Institucional e acabou anexando (de fato) a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), herdeira do Serviço Nacional de Informações.

O tempo passou, o governo tem outro tamanho e outra estrutura. O GSI precisa redefinir suas atribuições, limando as generalidades que permitiram sua expansão. Lula resolveu colocar no lugar do general Gonçalves Dias outro militar, também da reserva. Ao contrário de seu antecessor no governo Bolsonaro, ele trabalhou com Dilma Rousseff numa época em que não havia renascido a figura dos generais palacianos.

As roupas que os chefes do GSI têm no armário, importam pouco. A Casa Militar de Costa e Silva era comandada pelo general Jayme Portella, patrono dos generais palacianos. Ele ajudou a arruinar o regime com a edição do AI-5 e a saúde de Costa e Silva.

Curiosamente, o major médico de 1969 foi antecedido e, mais tarde, sucedido no cuidado da saúde do presidente por um coronel da reserva competente e sincero. Chamava-se Américo Mourão.

Maciel nas livrarias

Chegou às livrarias “Underground”, uma coletânea de 72 textos de Luiz Carlos Maciel (1938-2017), um baiano nascido no Rio Grande do Sul, grande figura da cultura nacional nos anos 60 do século passado.

Maciel foi um radical erudito. Como ele mesmo conta na sua introdução, escrita em 2004: “Não é de admirar que, em tais circunstâncias, tanta gente ficasse muito louca. Na verdade, simpatizavamos com a loucura; para nós, era normal.”

Em setembro de 1968, Caetano Veloso, com suas roupas amalucadas e sua música tropical, foi vaiado pelos jovens no teatro Tuca, em São Paulo. A boa norma aplaudia sambões.

Dias depois, Maciel escreveu: “Ao artista que questionava, com sua arte, o mundo burguês deles, acusaram quadradamente de ‘pederastia’. (....) O irracionalismo fascista não precisa de razões; basta-lhe o pânico. A jeunesse dorée tem medo de Caetano Veloso; é mais fácil dançar irresponsavelmente com um retrato do ‘Che’ Guevara do que enfrentar-lhe as verdades. No fundo, sua política e sua estética —para tocar uma questão levantada pelo próprio Caetano — são uma e a mesma coisa.”

Meses depois, Caetano e Gilberto Gil foram presos e se exilaram em Londres. Quando Gil lançou seu album com “Aquele abraço”, Maciel foi sintético: “Só posso aconselhar que o leitor saia correndo para comprar o disco e ouvi-lo. Agora.”

No semanário Pasquim, do qual foi sistemático colaborador, em 1971 Maciel escrevia, sobre a Cannabis sativa, Bob Dylan, Bertrand Russell, Paulo Francis (”nosso melhor profeta”), sexo, cabelo comprido e Martin Heidegger.

Maciel fez teatro, cinema, televisão e jornalismo. Nos anos 60, ele foi uma voz radical e cosmopolita, com tudo o que significava ser culturalmente radical naquele tempo. A coletâna organizada por Claudio Leal expõe sua característica: no meio de muita alegria com algum deboche, ele falava sério.

Novos tempos

O senador Eduardo Girão tomou um brilhante contravapor do ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, ao querer encenar uma palhaçada presenteando-o com um bonequinho de um feto.

No mesmo dia, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, tomou um contravapor de sua colega Cármen Lúcia ao tratar dos direitos das mulheres com um tom de coronelão paternal.

Os tempos mudam.

Lula e a China

Lula não tem sorte quado fala do passado da China. Em 2003 ele disse por duas vezes que Napoleão Bonaparte esteve na Terra do Meio. Isso nunca aconteceu.

Agora, no meio de suas falas sobre a guerra da Ucrânia, ele disse que “faz muitos anos que a China não faz guerra.”

Fica a impressão de que, desde o fim da Segunda Guerra, a China deixou os outros em paz. Em 1950, ela entrou na guerra da Coreia; em 1959 anexou o Tibet.

Em 1979, a China invadiu o Vietnã com centenas de milhares de soldados. Nas palavras de Deng Xiaoping, “a China precisa ensinar uma lição ao Vietnã”. O ataque tentava dar uma solução de força a disputas fronteiriças e não saiu como Deng esperava. As relações entre os dois países só se normalizaram em 1991.

Monopólio sindical

Pelo andar da carruagem, o Supremo Tribunal Federal recriará o imposto sindical, com o nome de contribuição, para remunerar a atividade das guildas nas negociações com os patrões.

Antes da reforma de Michel Temer os trabalhadores eram obrigados a dar um dia de serviço aos sindicatos. Com o fim do imposto, as caixas secaram. A ideia da cobrança de uma contribuição aos trabalhadores, sindicalizados ou não, está no Supremo.

O professor José Pastore disse tudo ao tratar do assunto. A questão não está na contribuição em si, mas no monopólio sindical:

“Na maioria dos países democráticos há mecanismos para a viabilização das atividades ligadas às negociações coletivas de trabalho.

Na organização sindical desses países, o conceito de representatividade é crucial. Ele diz respeito à legitimidade e à aceitação dos sindicatos por parte dos seus representados. (...)

Quando eles perdem a confiança dos representados, estes podem se associar a outro sindicato ou criar um novo. É o sistema de liberdade e pluralidade sindical. No Brasil, não existe a exigência de representatividade. (...)

Na unicidade sindical, como praticada no Brasil, o sistema é monopolista e garantido para o resto da vida. Os descontentes não têm aonde ir.”

Apagão

Nos próximos quatro domingos, o signatário usufruirá um apagão pessoal.

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