Correio Braziliense
O choque se dá entre a bancada do PT na Câmara
e a equipe econômica, liderada por três ex-candidatos à Presidência: Haddad,
Alckmin e Simone Tebet
O jacobinismo é uma invenção dos seus
adversários. Seu significado restrito refere-se ao período entre 1789 e 1799 da
Revolução Francesa, quando os mais ardorosos integrantes do Terceiro Estado, na
Assembleia Nacional, formaram o chamado “Club Breton”, que viria se transformar
na “Societè des amis de la Constituicion”. Como se reuniam no convento dos
dominicanos (ou “jacobins”) da rue Saint-Honoré, em Paris, passaram a ser
chamados pejorativamente de jacobinos. Com o tempo, os jacobinos se tornaram
paradigma de revolucionários, com uma missão nacional-patriótica, ética e
social.
Tornou-se um conceito político reconhecido, que envolve a estrutura partidária e suas relações com a nação, o Estado e a sociedade. Seu radicalismo político e social, principalmente no exercício do poder, coloca na ordem do dia a questão democracia versus ditadura. E nos remete à velha relação entre a ética da responsabilidade e a das convicções, ou seja, entre os fins e os meios usados na luta política. Ironicamente, após a Comuna de Paris (1971), Karl Marx questionaria o caráter revolucionário universal do jacobinismo, restringindo-o ao papel histórico que desempenhou ao completar a revolução burguesa, porém, sem impedir a restauração de Napoleão.
Na Revolução Russa de 1917, o jacobinismo
foi resgatado pelo líder comunista Vladimir Lênin, em contraposição à
social-democracia da II Internacional. Virou paradigma de chegada ao poder,
como na China, em 1949, e em Cuba, em 1959. Confundir a tomada do poder com a
revolução passou a ser o grande objetivo da esquerda revolucionária. A fórmula
básica era: a política começa onde estão as massas. Para ser bem-sucedida, a
insurreição deve se apoiar no proletariado; para inspirá-lo, sua vanguarda é um
partido revolucionário, cujos objetivos e interesses devem estar em sintonia
com o povo. Uma fórmula supostamente mágica.
No Brasil, houve dois momentos marcantes de
jacobinismo. O levante comunista de 1935, liderado por Luiz Carlos Prestes, que
nunca teve a menor chance dar certo, mas estava em sintonia com a política
insurrecional da chamada III Internacional; e a luta armada contra o regime
militar, na década de 1970, liderada pelo líder comunista Carlos Marighella,
que também não teve a menor possibilidade de êxito. Desde a crise de 1964, uma
parcela da esquerda acreditava que a tomada do poder tornaria o socialismo
inexorável. Não foi o que aconteceu, apesar da grande mobilização popular na
campanha das Diretas, Já. A derrocada dos militares veio mesmo foi com a
eleição de Tancredo Neves, um político moderado, no colégio eleitoral.
O PT é o último grande partido operário
criado no século XX, quando a grande indústria taylor-fordista já estava
superada pelo toyotismo e os sistemas de produção flexíveis estruturados em
cadeias globais de valor. As lideranças de esquerda que participaram da luta
armada, que estiveram presas ou no exílio, vertebraram sua organização, sob a
liderança do presidente Luiz Inácio lula da Silva, então líder sindical
metalúrgico. As outras vertentes são a sindical, cuja influência já não é a
mesma, e setores ligados às comunidades eclesiais de base, muito reprimidas
pelos papas João Paulo II e Bento XVI. Com o tempo, parlamentares, prefeitos e
a burocracia passaram a ter muito mais peso do que as bases sindicais e
populares, mas não a ponto de suplantar o prestígio eleitoral de Lula.
Coalizão ampla
O êxito político do PT é invejável. Por
cinco vezes, três com Lula e duas com a ex-presidente Dilma Rousseff, venceu as
eleições presidenciais. Desde 2002, é a principal força política democrática do
país, o que demonstrou durante o governo de Jair Bolsonaro, quando comeu o pão
que o diabo amassou. Com a chegada do PT ao poder, as forças com as quais
emulava no campo da esquerda, principalmente o PSDB, foram sendo abduzidas pelo
transformismo. Durante o governo Bolsonaro, as bases eleitorais da centro-esquerda
derivaram à direita, atraídas por narrativas reacionárias. A justa crítica ao
jacobinismo petista foi substituída pelo anticomunismo que põe no mesmo balaio
até mesmo os liberais.
No primeiro turno das eleições passadas, a
política de frente de esquerda deu ao PT a hegemonia no campo da oposição ao
governo Bolsonaro, mas não a vitória. Foi preciso ampliar as alianças ao
centro, principalmente com atual ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB),
que também havia disputado primeiro turno, para derrotar Jair Bolsonaro (PL),
por estreita margem. Mais ainda: para Lula tomar posse e articular a base
governista no Congresso. Por isso, a formação de um governo de ampla coalizão
democrática decorre mais da correlação de forças do que do programa eleitoral
de Lula. Esse é o busílis.
Para a cúpula petista, o governo Lula está
em disputa, entre seu principal partido, o PT, e seus aliados de
centro-esquerda. O choque principal se dá entre a bancada do PT na Câmara e a
equipe econômica do governo, liderada por três ex-candidatos a presidente da
República: Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Simone Tebet (MDB).
Essa disputa pode paralisar o governo e implodir suas alianças. Os setores
radicais do PT precisam se convencer de que o governo Lula não é jacobino. A
agenda do governo, para ser bem-sucedida, deve ser focada no programa que
unifica a coalizão e não numa disputa esquerda versus direita, que está
afastando lideranças que desejariam apoiar o governo, mas o próprio presidente
Lula, sob pressão de seu partido, não deixa.
Muito bom o artigo,análise correta.
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