quarta-feira, 12 de abril de 2023

Lu Aiko Otta - Como o Congresso discutirá o arcabouço

Valor Econômico

Com economia em desaceleração, despesa pode crescer pelo piso de 0,6% em 2024

Antes de embarcar para a China, onde acompanhará esta semana a agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou como “boa” a perspectiva de votação da proposta do novo arcabouço fiscal pela Câmara dos Deputados.

A um interlocutor ele disse não saber se a aprovação ocorrerá com rapidez ou se a base parlamentar do governo, ainda instável, será motivo de embaraço. Mas frisou que muitos estão otimistas com a aprovação, não só dessa proposta, como também a da reforma tributária.

O projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal deverá chegar ao Congresso Nacional na próxima segunda-feira.

No que depender do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a proposta terá análise rápida na casa. Sua intenção é concluir a tramitação em duas a três semanas. O que não quer dizer que a proposta passará incólume.

Autor de uma proposta alternativa de arcabouço fiscal (PLP 62/2023), o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) pretende apresentar emendas ao projeto do governo. Por exemplo, para estabelecer uma meta para a dívida pública, sozinha ou conjugada com um objetivo de resultado das contas públicas. Ou para estabelecer que, se o gestor público deixar de tomar providências necessárias ao alcance das metas fiscais, será enquadrado em crime de responsabilidade.

O projeto de Pedro Paulo traz mecanismos automáticos que reduzem despesas em caso de necessidade, os chamados “gatilhos”.

A dívida pública é também um ponto de atenção do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE). Ele avalia que a meta de resultado primário escolhida pelo governo para 2026, de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), será insuficiente para estabilizar o nível da dívida pública. Nas suas contas, seria necessário um saldo maior, da ordem de 1,5% do PIB.

Benevides Filho defende mecanismos que protejam os investimentos públicos de cortes orçamentários, nos anos em que for necessário conter despesas. O projeto do governo vai ao encontro dessa preocupação, ao prever um valor mínimo para investimentos.

O deputado cearense levanta ainda um ponto de dúvida. Ele lembra que as áreas de saúde e educação têm valores mínimos de gastos, em regras fixadas na Constituição. São 15% da receita corrente líquida para a primeira e 18% das receitas de impostos para a segunda.

Essas vinculações são pontos que o projeto do arcabouço, de lei complementar, não tem força para alterar. Assim, as duas áreas terão dinâmicas próprias para a elevação de seus orçamentos. Considerando que o arcabouço imporá um limite de crescimento para o conjunto das despesas, há risco de os outros ministérios ficarem com suas dotações reduzidas.

Gastos em áreas sociais certamente serão objeto de preocupação da massa dos deputados, avaliou um parlamentar. É de se esperar que haja emendas nesse campo.

Outro ponto que já movimenta os bastidores na Câmara dos Deputados é a possível revisão de incentivos fiscais. Há mais de 80 programas que reduzem ou isentam setores específicos de impostos federais, a um custo estimado de R$ 456 bilhões este ano. Um “rebanho de jabutis”, como disse Haddad.

É possível que o governo enfrente resistência nesse ponto.

Não é, porém, algo incontornável, avalia Benevides Filho. Ele faz as contas: se dos R$ 456 bilhões forem excluídos o Simples e a Zona Franca de Manaus, como já adiantou Haddad, restam perto de R$ 300 bilhões. Não é impossível cortar 10% dessa conta, acredita. Fez isso no Ceará, quando era secretário de Fazenda. Não é necessário acabar com nenhum programa, sugere. Apenas reduzi-los. Assim, as resistências tenderão a ser menores.

Teste de fogo

A menos que haja alguma válvula de escape, as despesas do governo caminham para crescer apenas 0,6% em 2024. É o mínimo previsto na proposta de arcabouço fiscal.

É um teste de fogo para a nova regra, logo na estreia? “É bastante baixo, mas não é o fim do mundo”, avalia Felipe Salto, da Warren Rena.

É, porém, um nível de ajuste não esperado por setores do governo. Se concretizado, a Esplanada dos Ministérios não deve gostar.

O avanço das despesas tende a ficar no piso em 2024 porque seu crescimento deverá ser determinado pela evolução das receitas nos 12 meses terminados em junho de 2023. Como a economia está desacelerando, a taxa de variação deve ser negativa, diz o economista.

Nesse caso, o arcabouço não prevê corte nas despesas, e sim crescimento pelo piso de 0,6%. É o mecanismo anticíclico da proposta.

O projeto de lei do arcabouço, que ainda não é conhecido, pode trazer algum mecanismo de atualização para o limite de gastos, avalia Salto. Algo que considere as receitas daqui até o fim do ano e os efeitos de medidas já anunciadas pelo Ministério da Fazenda, como a taxação de jogos.

Se não houvesse arcabouço, as despesas avançariam 1,45% em 2024, aponta cálculo preliminar de Salto. O número leva em conta decisões já anunciadas, como os reajustes para o funcionalismo e o aumento do salário mínimo.

A redução desse crescimento para 0,6% poderia ser feita, por exemplo, com a redução das despesas discricionárias (não obrigatórias), ao nível de 2022.

Salto fez outro cálculo que ajuda a qualificar o debate em torno do novo arcabouço fiscal. Se a regra tivesse sido aplicada em 2021 e 2022, o governo teria economizado R$ 64,6 bilhões. Assim, conclui, não é correto dizer que a regra é ineficaz. Nem que depende necessariamente de maior carga tributária para produzir efeitos relevantes.

A proposta do novo arcabouço fiscal dá base a um ajuste fiscal possível, no cenário político que aí está. Bom que Lula tenha demonstrado apoio à proposta, dizendo que renderá frutos, e colocado as críticas dos “radicais do PT” na condição de balizas que o ajudam a manter o caminho do meio.

Lu Aiko Otta 

 

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