quarta-feira, 12 de abril de 2023

Nilson Teixeira* - Alta de impostos é inescapável

Valor Econômico

Avaliação do governo tende a piorar; em geral, aumento de impostos é desfavorável para a popularidade

O arcabouço fiscal proposto exigirá uma expansão contínua da arrecadação para evitar a alta do déficit primário frente ao ano anterior. Sem considerar cenários de maior desequilíbrio econômico, o novo sistema requer crescimento do PIB acima da média dos últimos anos ou alta significativa da carga tributária para garantir o recuo da dívida pública no fim desta década. Não são pré-requisitos simples.

A eliminação do maior número possível de renúncias tributárias seria a forma mais eficiente de elevar a carga de impostos. Todavia, mesmo mencionando quase sempre a necessidade de redução dessas desonerações, os principais articuladores do Executivo e do Legislativo já afirmaram que não haverá revisão dos benefícios de diversos segmentos, entre os quais: Simples, Zona Franca de Manaus, organizações filantrópicas, saúde, educação, agricultura e transportes. Ou seja, o trâmite no Congresso para a aprovação da reforma tributária nem começou e vários setores já foram agraciados com a continuação de seus privilégios. Isso sem considerar que as renúncias do Simples aumentarão nos próximos anos, pois há propostas de ampliação dos valores de enquadramento por tipo de empresa.

As perspectivas são ainda mais perversas porque diversos setores influentes e organizados divulgarão narrativas convincentes durante o trâmite da reforma no Congresso para assegurar seus privilégios. Mesmo em segmentos associados às aplicações financeiras dos grupos mais favorecidos da sociedade, a retirada de vantagens tributárias será difícil. Por exemplo, a imposição do come-cotas para fundos hoje isentos, como os fundos imobiliários, seria combatida arduamente sob a argumentação de que a decisão desestimula investimentos em habitação e eleva bastante o desemprego. Do mesmo modo, o fim da isenção de IR sobre CRIs e CRAs seria atacada com alegações similares, sem mencionar ameaças de declínio das exportações agropecuárias, responsáveis pela maior parte do superávit comercial.

Uma alternativa seria reduzir abatimentos existentes no IRPF e no IRPJ. É uma tarefa ainda mais difícil. Por exemplo, a revisão dos abatimentos relativos à educação, à saúde, à contribuição para previdência privada, à alimentação do trabalhador e às doações na esfera da Lei Rouanet tende a ser rejeitada pelos contribuintes, bem como pelos setores beneficiados. Mesmo se o país estivesse enfrentando uma crise profunda, os congressistas dificilmente aprovariam essas medidas.

Uma outra opção seria a incorporação de novas alíquotas na tabela do IRPF, digamos, de 30% e de 35% sobre os maiores rendimentos do trabalho. A reação dos trabalhadores regidos pela CLT e dos funcionários públicos seria, porém, muito negativa. Os parlamentares, diretamente impactados, dificilmente apoiariam essas medidas, citando, inclusive, que o volume de recursos envolvidos seria pouco significativo frente à arrecadação.

Uma possibilidade seria o aumento do IR sobre empresas mais lucrativas e sobre a camada mais rica da sociedade. Essa argumentação seria mais palatável para os congressistas, apesar de questões associadas à penalização dos setores mais eficientes e da incerteza arrecadatória gerada por um crescente planejamento tributário mais sofisticado. Exemplos dessa ação seriam: a cobrança de impostos sobre lucros e dividendos - combatida sob argumentos de que essa decisão gera uma dupla incidência de impostos, com os investidores já sendo tributados no nível da empresa; e a criação de imposto sobre aumento real de patrimônio acima de determinado valor - rejeitada, dentre outras razões, sob alegações de que esses ganhos não seriam necessariamente líquidos.

Em suma, o debate nos últimos muitos anos consolidou o consenso de que a reforma tributária será capaz de reduzir a complexidade do atual sistema e de diminuir várias distorções fiscais, contribuindo para tornar as condições de negócios menos desfavoráveis. Não há como negar os amplos benefícios da reforma, muito embora os interesses em jogo não permitam a construção de um sistema equânime e eficiente. Nesse sentido, a reforma tributária desapontará em algumas frentes:

Calibração das alíquotas dos impostos será ineficiente: o início da tramitação pela parte relativa ao consumo para posteriormente apreciar a parcela referente à renda, embora possa facilitar a aprovação no Congresso, impede a calibração precisa da estrutura tributária.

Aprovação da reforma relativa ao consumo acontecerá apenas no 2º semestre.

Tramitação da reforma relativa à renda também será dividida: apesar da decisão sobre o escalonamento da discussão, o governo propôs medidas para elevar a arrecadação em R$ 115 bilhões para dar sustentação à proposta de arcabouço fiscal. Isso amplia a chance de maiores distorções na calibração das alíquotas.

Aprovação completa da reforma apenas no próximo ano: à medida que se aproximem as eleições municipais em outubro de 2024, aumenta a probabilidade de os parlamentares aprovarem uma versão muito benevolente para não atrair a ira dos eleitores. Nesse caso, o governo pode optar pela votação apenas a partir de novembro de 2024.

Poucas renúncias tributárias serão eliminadas: muitos privilégios que trazem pouco retorno em termos de aumento da produtividade ou de redução da pobreza serão mantidos.

Aumento da carga tributária é inescapável: a falta de corte ou otimização dos gastos públicos exigirá a elevação da alíquota média dos impostos para garantir o equilíbrio da dívida pública.

Distorções do sistema tributário serão mantidas: apesar da esperança de alguma redução do desequilíbrio existente, os mais ricos continuarão pagando menos impostos em termos relativos do que os mais pobres.

Nível geral de preços pode aumentar: a ampliação da alíquota média dos impostos pode elevar os preços de vários bens e serviços.

Avaliação do governo tende a piorar: em geral, o aumento de impostos é desfavorável para a popularidade, mas o governo pode atenuar esse desgaste se os mais pobres forem convencidos de que pagarão menos impostos e haverá mais empregos disponíveis.

*Nilson Teixeira. Foi economista-chefe do Credit Suisse e Chase Manhattan. Tem Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

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