terça-feira, 4 de abril de 2023

Luiz Schymura - O frágil mercado de trabalho nordestino

Valor Econômico

Dada a perda relativa de tração do mercado de trabalho do Nordeste comparado ao brasileiro, alguma ação precisava ser adotada para mitigar esse desalinhamento socioeconômico

É notório que o mercado de trabalho do Nordeste apresenta há décadas características sistematicamente piores dos que as encontradas no Brasil como um todo, nas condições de empregabilidade, desemprego, participação, informalidade, rendimentos, escolaridade etc. Apesar de o quadro já ser desfavorável, ao avaliar as crises econômicas mais recentes, meus colegas Fernando Barbosa Filho e Fernando Veloso constatam - tomando por base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do IBGE -- que a recessão de 2015-16 agravou o desequilíbrio. A queda do PIB por dois anos consecutivos gerou perdas permanentes em indicadores do mercado de trabalho nordestino, diferentemente do que ocorreu no Brasil como um todo. Já a pandemia foi praticamente “neutra”, não causando estrago relativo no mercado de trabalho do Nordeste quando comparado ao resto do Brasil.

Vamos aos dados. O objetivo é focar, especificamente, na evolução da População Ocupada (PO). A comparação entre a trajetória da PO no Brasil como um todo e no Nordeste baliza a nossa análise do comportamento relativo do mercado de trabalho nordestino. O período escolhido cobre os dados da PnadC do quarto trimestre de 2014 até o último dado disponível, o quarto trimestre de 2022. Com isso, o período recessão/recuperação de 2015-16 e da pandemia pode ser examinado. Os números não deixam margem a dúvidas: o mercado de trabalho nordestino sofreu duramente nesse período. No Brasil como um todo, observamos um crescimento da PO de cerca de 7,5% (partindo de, aproximadamente, 93 milhões para 100 milhões de pessoas). Quanto à PO nordestina, por seu turno, um total em torno de 23 milhões de pessoas foi registrado tanto no início como no fim do período, com evolução quase estacionária. A vantagem do Brasil em relação ao Nordeste foi, portanto, de 7,5 pontos porcentuais (pp).

Diante dessa clara apatia no comportamento do mercado de trabalho do Nordeste, o próximo enfoque é identificar o papel de cada uma das crises na construção de cenário tão desolador para os nordestinos.

No que tange, especificamente, ao período da recessão 2015-16 - quarto trimestre de 2014 a primeiro trimestre de 2017 -, a PO brasileira recuou 4,4% e a nordestina retroagiu expressivos 9,6%. Do início da recessão de 2015-16 à a chegada da pandemia (entre os quartos trimestres de 2014 e 2019), os dados acusam uma assimetria gritante. Enquanto no Brasil como um todo a PO cresceu 2,8%, no Nordeste caiu 4,2%. Desse modo, o inquietante diferencial de crescimento foi de aproximadamente 7 pp.

Como se vê, dos cerca de 7,5 pp do desbalanceamento entre o crescimento da PO do Nordeste e do Brasil como um todo, registrados do início da crise de 2015-16 até hoje, quase tudo, ou aproximadamente 7 pp, guarda relação com a crise econômica de 2015-16. O restante 0,5 pp é atribuído à fase pandêmica.

Uma vez radiografado o trauma sofrido pelo mercado de trabalho do Nordeste em período coincidente à crise econômica 2015-16, e a forma mais alinhada com o restante do país na reação à pandemia, resta tentar explicar as razões para esse comportamento.

Não há ainda conclusões bem embasadas para esclarecer o descompasso do mercado de trabalho do Nordeste em anos recentes. Contudo, alguns de meus colegas trazem reflexões interessantes sobre possíveis explicações.

Fernando Holanda Barbosa Filho vê a possibilidade de que a forte contração do papel do Estado na crise de 2015-16 tenha sido particularmente prejudicial ao Nordeste. Houve na região uma onda de investimentos que subitamente foi abortada, deixando uma cicatriz permanente no mercado de trabalho nordestino.

Já Carlos Manso nota que o Nordeste sofreu uma seca de sete a oito anos, terminada em 2017, que foi a pior dos últimos cem anos, levando a efeitos muito duradouros sobre a dinâmica econômica e o mercado de trabalho.

Flávio Ataliba observa finalmente que, diferentemente da época da recessão de 2015-16, a economia nordestina na pandemia contou com o enorme volume de recursos do Auxílio Emergencial (além do Pronampe para micro e pequenas empresas), que beneficiou em especial uma região particularmente pobre como o Nordeste.

Todas essas interpretações, como já mencionado, são apenas possibilidades (complementares e não excludentes) ainda não pesquisadas para explicar a diferença da resposta do mercado de trabalho nordestino à crise de 2015-16 e à pandemia.

De qualquer forma, dada a perda relativa de tração do mercado de trabalho do Nordeste comparado ao brasileiro, alguma ação precisava ser adotada para mitigar esse desalinhamento socioeconômico.

Frente a isso, parece que a política pública que promoverá mudanças significativas na realidade socioeconômica nordestina é o novo Bolsa Família (BF), que surge com contornos de um programa social robustecido. Grosso modo, o novo programa concede aumento expressivo nos benefícios mensais de valores que giravam em torno de R$ 200 para quantias superiores a R$ 600. A região Nordeste é, sem dúvida, a mais favorecida, uma vez que praticamente metade das cerca de 21 milhões de famílias beneficiadas com o BF reside no Nordeste, segundo dados do governo federal de março de 2023. Por conseguinte, é uma ação de combate à pobreza que pode trazer bons frutos aos nordestinos.

No entanto, no que tange, especificamente, ao mercado de trabalho, um programa BF tão mais ambicioso não parece promissor. Segundo dados do governo federal, o benefício médio pago pelo BF turbinado é de R$ 670, cerca de metade do salário mínimo (R$ 1.320). Como se sabe, uma renda auferida de qualquer outra atividade pode inviabilizar a elegibilidade do cidadão ao benefício do BF. Desse modo, é possível que a motivação do público contemplado com o benefício majorado em disputar espaço no mercado de trabalho fique comprometida. Seja como for, um olhar atento ao desempenho do mercado de trabalho nordestino pode proporcionar relevante aprendizado sobre os desdobramentos de um programa de transferência de renda arrojado como é a nova configuração do BF.

 

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