quinta-feira, 6 de abril de 2023

Maria Cristina Fernandes - Devastação parlamentar

Valor Econômico

Acomodação da base parlamenta arrisca protagonismo climático do Brasil

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo não está comprometido com a sanção de projetos que agridam o meio ambiente. Referia-se à aprovação, pela Câmara, de uma emenda do PL à medida provisória que afrouxa os limites de desmatamento na Mata Atlântica e adia, pela sexta vez, o prazo para que proprietários rurais restaurem a vegetação nativa desmatada além dos limites estabelecidos pelo Código Florestal.

A MP ainda vai para o Senado, mas o enfrentamento do tema é mais difícil do que sugere o ministro. A derrota não decorreu apenas do rearranjo interno do Centrão com vistas ao pedágio para a tramitação do arcabouço fiscal e da reforma tributária.

Madeireiros e garimpeiros se assenhoraram do país com o aval não apenas do ex-presidente Jair Bolsonaro como do Congresso. Enraizaram-se tanto que invadiram o quintal do lulismo.

É uma gente rude, mas que age com sofisticação ímpar. Haja vista a armadilha que aprontaram para este governo na exportação de ipês. O comércio mundial da flora e da fauna selvagens é normatizado por uma convenção conhecida pela sigla Cites. A espécie que entra nesta lista precisa de uma licença para ser comercializada.

O pau-brasil e o mogno estão neste index desde sempre. No ano passado os servidores do Ibama enviados para a convenção votaram contra a entrada do ipê, uma das madeiras mais exploradas da Amazônia, no index. A Cites decidiu incluí-lo mas fixou em novembro de 2024 o prazo para a entrada em vigor. A inclusão no index não impede a comercialização mas a condiciona à concessão de uma licença rigorosa.

Apesar de ter votado contra, no apagar das luzes do governo portaria do Ibama determinou a inclusão do ipê no index em julho. Em 26 de janeiro, o Ibama lulista fez coincidir o prazo com o da convenção.

A decisão adia em um ano e meio a entrada em vigor das normas mais rígidas. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, diz que o governo fez coincidir os prazos porque a emissão da licença antes da convenção seria inócua.

O ex-ministro do Meio Ambiente e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Rubens Ricupero, diz que o Brasil perdeu uma oportunidade de assumir liderança no tema ao mudar o prazo e não vê impedimento no direito internacional para isso. Rodrigo Moraes, presidente da Comissão do Comércio de Carbono e Mudanças Climáticas do Instituto dos Advogados de São Paulo, discorda da ineficácia da medida e só vê ganhos numa norma mais protetiva.

Agostinho nega pressões, reconhece o desgaste da portaria mas diz que o erro foi não batalhar, em 2022, por um prazo mais curto na convenção. Os servidores que representaram o Brasil foram os mesmos que fizeram vista grossa nos embarques de madeira indocumentada que seria apreendida nos EUA.

Agiam em conluio com o ex-ministro Ricardo Salles. Respondem a inquéritos, perderam os cargos de direção, mas permanecem no Ibama. Não são os únicos. A delegacia de repressão a crimes contra o meio ambiente da Polícia Federal tem bolsonaristas em postos-chave.

Ao longo do governo Bolsonaro, quase todas as superintendências estaduais do Ibama foram ocupadas por policiais militares da reserva. Agora são funcionários de carreira que lá estão, mas esses cargos estão na mira do Centrão.

Se Codevasf e Dnocs nunca deixaram de integrar a lista de desejos, as superintendências do Ibama e do Incra passaram a disputar com esses órgãos a preferência dos partidos.

Com o primeiro bloco de cargos, os parlamentares movem as máquinas de licitações que enlouquecem os órgãos de controle. Com o segundo, o objetivo é inverso: ocupar para paralisar. Uma liderança focada na alocação dos cargos espera que Alexandre Padilha se inspire no outro Padilha, o Eliseu. Morto em março, sua atuação, sob Michel Temer, expandiu o domínio do Centrão, sedimentado pelo bolsonarismo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva despachou seu assessor especial, Celso Amorim, para a Rússia, com a ambição recalcitrante de mediar a paz mundial. É na questão climática, porém, e na possibilidade de liderar pelo exemplo, que estão as maiores chances de o Brasil fazer a diferença no planeta. É isso que está em risco na acomodação da base governista.

A conta que não fecha

Na visão de um dos mais experientes políticos brasileiros, o Congresso ruma para ser dominado por quatro blocos: um de esquerda, composto pela federação PT/PCdoB/PV, PDT e Psol, um de direita, liderado pelo PL bolsonarista, e dois que chama de “centristas”: um integrado por MDB, PSD e Republicanos, e o outro a ser formado por PP, União Brasil e PSB, o partido do vice Geraldo Alckmin e dos ministros Flávio Dino e Márcio França. Na Câmara, os pessebistas são dominados pelo presidente da Casa, Arthur Lira. Demais partidos, como PSDB, Cidadania ou Podemos serão satélites de um ou outro.

O segundo bloco “centrista” corre para ser formalizado para disputar com MDB/PSD/Republicanos as indicações ainda represadas. E não apenas. Protagonizam uma disputa sobre quem mais serve ao desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de aprovar o arcabouço fiscal e a reforma tributária este ano. O arranjo que possibilitou a PEC da Transição já se esgotou. Os próximos capítulos dependem dos cargos e de novo pacto para emendas no Orçamento de 2024.

Os parlamentares preferem usar as dotações de cada um a falar da soma. É uma maneira de minimizar o impacto sobre o Orçamento. Calculam a média de recursos de cada deputado no governo Bolsonaro em R$ 32 milhões, entre emendas individuais e de bancada. Contabilizam ainda um recurso extraordinário de R$ 30 a R$ 40 milhões por parlamentar a partir das chamadas emendas de relator. Com a decisão do Supremo, que redistribuiu os recursos do relator, o lote dos parlamentares subiu para uma média de R$ 43 milhões.

Há um lote de R$ 9 bi que voltou para o Executivo mas sobre os qual os parlamentares continuam a ter ingerência. Pois esta nova etapa de votações passa não apenas pelo aumento neste volume de recursos como pela reforma do que chamam de “metodologia de alocação”.

O que nenhuma liderança dos blocos centristas que cortejam Haddad explica é como fazer caber na mesma equação o aumento no volume de emendas e a redução do déficit.

 

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