quinta-feira, 13 de abril de 2023

Maria Cristina Fernandes - Os negócios da China

Valor Econômico

Visita de Macron, que precedeu a de Lula, vacinou reaproximação; e Brasil, além de investimentos, busca saída para a crise Argentina

Se a sorte conspirou contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no adiamento da viagem à China, veio agora em seu socorro ao fazê-lo suceder ao presidente da França, Emmanuel Macron.

Depois de uma visita de três dias à China, durante a qual permaneceu seis horas com o presidente Xi Jinping, Macron embarcou de volta à França na companhia de três jornalistas.

Disse-lhes que a Europa não pode se enredar em crises que não lhe pertencem sob pena de ferir sua autonomia e que a pior coisa que poderia acontecer seria tornar os europeus meros seguidores dos Estados Unidos em temas como Ucrânia e as relações entre China e Taiwan.

As declarações de Macron aconteceram em meio à escalada de tensões na ilha defendida pelos americanos e cuja soberania a China reclama. E não parou por aí. Também disse que a Europa deveria diminuir a dependência dos Estados Unidos em armas, energia e do que chamou de “extraterritorialidade” do dólar.

Macron foi além na aproximação com a China mas o “Político” suprimiu partes da entrevista a pedido da assessoria do presidente francês, não sem antes revelar o acordo, incomum na imprensa americana e firmado a contragosto.

Lula não poderia desejar melhor missão precursora. Macron tocou pelo mesmo diapasão da não ingerência e da multipolaridade que, historicamente, pautam a diplomacia brasileira. Até no escanteio do dólar nas transações comerciais com a China, que deve ser o principal resultado da visita de Lula, o presidente francês convergiu.

A convergência das duas chancelarias vem desde a campanha, quando Lula, candidato, teve recepção de chefe de Estado no Palácio do Eliseu. E continuou a se estreitar depois da eleição. O bate-volta do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, a Moscou, na semana passada, teve escala em Paris.

 

Depois do rolo compressor com o qual passou nova reforma da Previdência, Macron valeu-se dos holofotes da política externa para desviar-se das crises domésticas que enfrenta. Com uma fala dessas, a principal liderança da União Europeia ofuscaria qualquer um, mas o serviço prestado por Macron ao Brasil foi outro.

Ao tocar pelo mesmo diapasão, o presidente francês “normaliza” a reaproximação do Brasil com a China. Funciona como uma vacina contra a interpretação de que os resultados da visita de Lula a Xi Jinping sejam vistos como uma “capitulação” do Brasil à China.

O fôlego proporcionado pelo desalinhamento dos líderes europeu e sul-americano da rota das hostilidades sino-americanas pode baixar a guarda também nas relações comerciais. Um empresário brasileiro que tem negócios com a China há mais de duas décadas diz que a pandemia e a guerra da Ucrânia tornaram os chineses mais ressabiados com os ocidentais. Na relação com o Brasil acresça-se a esta equação o governo Jair Bolsonaro.

Além disso, o terceiro mandato de Xi Jinping tem coincidido com uma concentração de poderes inaudita no Partido Comunista. É a nova geração do partido, formada nas melhores universidades do mundo, que está dando as cartas nas empresas. Ao alijar o dólar dos negócios entre os dois países, o acordo a ser firmado aduba a confiança. Lula vai precisar dela para além dos negócios da China.

Do início de março, quando a visita se realizaria, para cá, Lula superou as desconfianças em torno do arcabouço fiscal - inclusive as suas. Viu ainda os 100 dias de seu governo coincidirem com um momento em que dólar, juro e inflação se curvam para baixo e o Centrão se dividir em dois blocos que disputam qual deles é o mais governista.

Na conjuntura, a maior ameaça ao Brasil hoje não parece vir do mercado ou do Congresso, mas da outra margem do rio da Prata. Ninguém aposta que a Argentina sobreviva sem novo socorro nos sete meses que a separam das eleições presidenciais.

Como o FMI já se transformou quase num “banco da Argentina”, pela sucessão de socorros que tem prestado, a avaliação é que o fundo já chegou no limite. Em sua visita à Argentina, a primeira de seu governo, Lula sugeriu que não vai assistir à agonia dos ‘hermanos’ de braços cruzados.

Por outro lado, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, já deixou claro que empréstimo para exportações brasileiras à Argentina só acontecerão com retaguarda do Fundo de Garantia à Exportação, cujos recursos são providos pelo Tesouro Nacional.

Tem canal aberto entre a Fazenda de Fernando Haddad e a de Sergio Massa, ministro argentino, só não tem dinheiro. Aí é que entra a China. Os chineses também aumentaram exponencialmente seus empréstimos à Argentina, com lastro em petróleo, e firmaram um acordo entre bancos centrais que permite trocas comercias sem que a Argentina tenha divisas em dólar para honrá-las.

Não está claro como a China pode expandir sua exposição na Argentina para tirar o país do atoleiro. Os chineses sinalizam que pretendem aumentar ainda mais a presença no continente, o que não significa que se movam pela benemerência.

O lítio, insumo das baterias de carros elétricos, que tem na Bolívia, no Chile e na Argentina suas maiores reservas mundiais é um exemplo disso. Apesar de ser seu maior comprador, a China também desenvolve uma alternativa ao minério, uma das razões pelas quais seu preço despencou e a Bolívia passasse a defender uma “Opep do lítio”.

O Brasil não tem lítio mas vive um eletrizante problema na sua fronteira. O governo não tem como pregar responsabilidade fiscal se despejar dinheiro no vizinho. Nem tem como escapar da contaminação de uma quebradeira. Até porque a extrema direita avança na sucessão de Alberto Fernandez.

Fernando Haddad e o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, já defenderam, em artigo, a criação de uma moeda sul-americana para impulsionar o comércio no continente. Mas hoje a solução parece convergir para o real como âncora da economia argentina. É tudo menos simples. Implicaria quase uma terceirização da política monetária argentina para o BC brasileiro que, na avaliação de Livio Ribeiro (FGV), exporia o real a ataques especulativos.

Nada disso consta dos memorandos a serem assinados pelo Brasil, mas a adesão da Argentina aos Brics pode constar da conversa entre Lula e Xi Jinping. Isso não significa que o banco do bloco, a ser comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff, poderia entrar na equação, mas atrai a China para a busca de uma solução. Ou, no limite, para evitar que o Brasil entre nas águas revoltas do Prata sem uma boia de salvação.

 

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