quinta-feira, 13 de abril de 2023

Vinicius Torres Freire - Lula e o fogo de palha no mercado

Folha de S. Paulo

Governo tira parte do rebanho de bodes da sala, exterior ajuda e dá para surfar mais esta onda

Animações e paniquitos em mercados financeiros não raro são fogo de palha. Faz dois dias, a palha que está queimando é de animação, embora as taxas de juros na praça já viessem caindo faz mês e meio. A dúvida é saber se dá para fazer uma fogueirinha mais duradoura com essa breve animação.

Dá, como teria sido possível fazê-lo desde o fim da eleição de 2022, se o governo não tivesse decidido dar murro em ponta de faca e tiro no pé a partir de novembro, deixando no ar a ideia de que poderia não fazer nada a respeito de déficits e dívida pública.

Como era previsível, o anúncio da "Nova Regra Fiscal" (NRF) ou "novo arcabouço fiscal" ajudou, assim como o fato de Luiz Inácio Lula da Silva ter feito um discurso de apoio a Fernando Haddad antes de ir para a China. Os preços estavam em níveis tão ruins no mercado financeiro que a mera retirada de um bode da sala contribuiu para valorizar ações, além de derrubar taxas de juros e, importante, o dólar. Estamos aproveitando uma onda de baixa da moeda americana e a entrada de dinheiro das exportações do agronegócio. Se a coisa ficar por aí ou até com dólar a R$ 4,90, seria um alívio grande para a inflação.

Mas ainda há um rebanho de bodes na sala. Além do mais, repita-se, a animação destes dias pega carona na queda quase geral do dólar pelo mundo, movimento instável e dependente de especulações voláteis sobre a inflação americana.

Por estes dias, voltou a se disseminar a crença de que a inflação americana vai ceder. O Fed, o Banco Central deles, pois, encerraria a campanha de alta de juros até a metade do ano. Pode ser. E se a queda da inflação estiver associada a uma recessão nos Estados Unidos, pequena que seja? Bom ou ruim?

Por aqui, temos o rebanho na sala para cuidar. A NRF tirou um dos bodes do aposento, mas um irmão dele ficou sentado no sofá, mastigando a almofada. Quer dizer, se aprovado o "novo arcabouço fiscal", a dívida não explode, afora em cenário azarado. Mas vai ficar alta por um tempão, em cenário moderadamente otimista, o que impede que expectativas fiquem mais positivas, mais rápido (juros e dólar mais baixos).

Ainda é preciso aprovar a NRF no Congresso. A turma por lá parece disposta a colaborar, mas ainda não houve nenhum teste da capacidade do governo de arrebanhar votos (e nem se tem medida do que Lula vai ter de dar em troca).

Continuamos a aprender o que significa essa configuração nova do Congresso (direita e extrema direita fortes, partidos negocistas médios do passado no comando etc.). Blocos e blocões se organizam à revelia do governo, que receia intervir e tomar rasteiras. PT e PL ficaram um tanto isolados. Uma geringonça com cara de "semiparlamentarismo" negocista está bem viva.

Depois de aprovar a NRF, é preciso arrumar o dinheiro, impostos, que vai colocá-la em funcionamento. Não é simples, como se pode notar pelo sururu causado pela tentativa do governo de limitar o contrabando no comércio eletrônico.

O governo tem um plano razoável para o ano. Diz que vai apresentar em breve medidas para melhorar as garantias de crédito, outras para facilitar PPPs e confia na aprovação da reforma tributária. Se conseguir tocar tudo isso, o panorama vai mudar, mesmo que os planos fiscais não sejam lá uma maravilha.

Esse é o Brasilzinho da melhor das hipóteses: não chega nem mesmo a ser devagar e sempre, mas devagar e de vez em quando.

Importante também que o governo não dê uma no cravo e outra na testa, com uma ferradura. Fazer bobagem com lei de estatais ou na Petrobras (perdendo receita, entre outros problemas) vai estragar os ganhos pequenos, mas importantes, que conseguiu nestas duas últimas semanas.

 

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