domingo, 2 de abril de 2023

Míriam Leitão - As chances da nova regra fiscal

O Globo

Fortalecido, em três meses Haddad venceu a desconfiança do mercado, superou batalhas internas e convenceu o governo a ter um limite de gastos

A grande pergunta que ronda a economia agora neste começo de abril é se vai dar certo o arcabouço fiscal. É preciso esperar o desenho final que sairá do Congresso, mas certas críticas vêm com um travo de saudosismo em relação ao último modelo de disciplina fiscal, aquele que fracassou. O teto de gastos dizia que a despesa pública não iria crescer em termos reais e, portanto, cairia como proporção do PIB. O teto foi derrubado pelo governo que alegava ser liberal e querer um estado menor. O arcabouço diz que a despesa vai subir em termos reais, mas dentro de uma disciplina. Andará sempre um passo atrás das receitas e ficará dentro de um intervalo que limite a alta nos tempos de prosperidade, e amorteça a queda em momentos de dificuldade.

O ministro da Fazenda foi costurando apoio em círculos. Primeiro, o dos ministérios da área econômica. Depois, o da área política. Em seguida, os presidentes das duas Casas. Por fim, os líderes. Dar bem o passo da apresentação é importante, mas não suficiente. A vantagem é que o próprio ministro avisou que não é bala de prata, mas o começo da jornada.

Haddad sai fortalecido desses primeiros três meses. Superou a extrema desconfiança com que seu nome foi recebido pelo mercado. No dia 7 de novembro, quando circularam rumores de que ele seria o escolhido para a Fazenda, o dólar subiu 2,4% e a bolsa caiu 2,38%. No dia 18, novos rumores e novas quedas. No dia 25 de novembro, Haddad almoçou com banqueiros, a bolsa caiu 2,55% e o dólar subiu 1,86%. Depois de escolhido, ele travou a batalha da reoneração dos combustíveis, perdeu a primeira e venceu a segunda. Agora está travando a batalha do arcabouço. Não é trivial convencer o governo a colocar travas em suas despesas. Mas ele convenceu o presidente, venceu a ala política e aplainou o terreno no Congresso.

Ter um horizonte para a evolução do gasto público é fundamental, mas é difícil, principalmente porque as despesas são rebeldes, fogem dos modelos e contrariam projeções. Algumas despesas sobem sempre, como as da previdência, e comprimem outras. Foi o que se viu no teto. O primeiro risco do modelo de Haddad é ser vitimado pelo mesmo problema que atingiu o finado. Uma das despesas sempre crescente é a das pensões e aposentadorias. A reforma da Previdência reduziu um pouco seu ritmo, mas a mudança se limitou ao INSS e embutiu a contrarreforma dos militares. O país envelhece, o mercado de trabalho tem mudado muito, reduzindo o financiamento do sistema.

O ministro Fernando Haddad está prometendo um plano de aumento de receitas e muita gente entendeu que isso significa que ele não disse onde vai cortar. Ele disse. Tentará enfrentar o áspero problema dos gastos tributários. O Brasil é o país das exceções, dos privilégios, dos benefícios, dos camarotes vips no mundo do pagamento de impostos. É, como disse Haddad, “fechar os ralos do patrimonialismo brasileiro”. A conta dos subsídios sempre foi muito alta no Brasil, mas é bom lembrar que cresceu muito no período do PT no poder. Cada vantagem tributária é difícil de ser tirada porque os beneficiários são hábeis em se defender. É bonito dizer que enfrentará o patrimonialismo, mas esse é um mal tão velho que está nas raízes do Brasil. É bom que o ministro saiba que o meio do caminho entre o projeto e o fato tem um espinhal.

O que a equipe econômica está apostando é que algumas isenções antigas ficaram completamente fora de sentido, com o passar do tempo. Outras, mais recentes, foram conseguidas de forma pouco republicana, portanto não teriam defensores dispostos a travar o debate público. Mas nesse plano de aumento de arrecadação não será suficiente taxar as apostas eletrônicas, nem mesmo os fundos exclusivos. Esses tributos serão bem- vindos, mas é bom lembrar que o governo Temer tentou taxar fundos exclusivos e não conseguiu.

Ao estabelecer como base de cálculo do gasto a receita do ano anterior, o arcabouço fugiu de uma armadilha. Se fosse com base nas estimativas de receita, o país veria acontecer o que já houve no passado, quando o Congresso superestimava as receitas e sobre elas criava despesas.

Há vários méritos na proposta, mas há muitas dúvidas ainda que precisam ser esclarecidas com o debate a ser travado no Congresso.

 

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