domingo, 2 de abril de 2023

Vinicius Torres Freire - Um teto para gregos e troianos

Folha de S. Paulo

Longe de ideal ou necessário, plano pode convencer BC, dinheiro grosso, PT e Congresso

Luiz Inácio Lula da Silva é "ótimo/bom" para 38%, conta o Datafolha. Dadas as circunstâncias, é um resultado favorável.

Lula também acaba de divulgar uma prévia do seu teto de gastos, o "arcabouço fiscal". Ainda tem buracos, é preciso cobrar mais imposto para a coisa funcionar, e a restrição de despesa é frouxa. Mas o plano Lula-Haddad tira a perspectiva de desastre do caminho.

Ainda que não seja nem de longe o melhor plano, pode fazer a mágica de satisfazer, ao mesmo tempo, Banco Central, negociantes de dinheiro grosso, credores do governo, Congresso, PT etc. Vai ser uma satisfação medíocre, se funcionar. Mas é alguma coisa.

Na semana que vem, o governo deve apresentar a revisão de leis de investimento em água e esgoto, conhecido no jargão como "marco do saneamento". PT e companhia detestam o "marco", que também é um plano moderado de privatização.

Temia-se que Lula 3 dinamitasse esse "marco", que vai facilitar mais investimento no setor, ainda que tenha mesmo pontos cegos (falta de garantia para pobres e cafundós). Ao menos pelo rumor, pode até haver melhorias na legislação, embora o petismo tente dar um jeito de estender a vida de estatais que, em geral, não funcionam.

O que se quer dizer, em resumo? Que Lula pode virar o jogo econômico, que ficou complicado depois de vários gols contra do presidente.

De mais urgente, é preciso arrumar e cimentar o "arcabouço fiscal" de Fernando Haddad. Mesmo arrumado, não será o "melhor possível" (que, por sua vez, está longe do "necessário").
Um bom plano fiscal daria uma perspectiva mais firme de que a situação de gasto e dívida será adequada na próxima meia década, no mínimo do mínimo. Com essa perspectiva, taxas de juros cairiam mais e mais rapidamente.

O teto de Lula 3 não é assim. Mas pode funcionar.

O plano não é assim porque autoriza um ritmo grande de aumento de gasto real e joga para futuro incerto o início da queda da dívida pública; porque o superávit depende de boa vontade do governo.
Além do mais, para funcionar, o plano depende ainda de um aumento de receita bem além do aumento "normal" de arrecadação. Por "normal" aqui entenda-se receita que cresça no ritmo do crescimento do PIB.

Mesmo com esse aumento "normal" de receita, Lula e Haddad vão precisar arrumar pelo menos R$ 150 bilhões de impostos extras (um aumento de 8% da arrecadação).

Como o plano prevê aumento de gastos (e, pois, de emendas) desde que haja receita, fica menos difícil de levar o Congresso a aumentar impostos, apesar do lobby de ricos e malandros. Um aumento errado de imposto pode ser até recessivo, porém.

É verdade que o governo pode contar com alguma sorte. Na prática, a arrecadação aumenta mais do que o PIB em anos de crescimento econômico e encolhe mais do que a economia em anos ruins, de recessão.
Um risco importante do plano é o que será feito do aumento extraordinário de arrecadação. Isto é, daquele dinheiro que entra no tempo das vacas gordas e desaparece em seguida.

Se a despesa aumenta no mesmo ritmo dessa receita temporária, fica difícil pagar as contas quando a bonança acaba (ou se desperdiça chance de abater dívida). Não raro, dá besteira.

O plano Lula-Haddad tem um limitador de alta de gasto (em tese, 2,5% ao ano), o que limita a farra com receitas extraordinárias. A ver se é isso mesmo.

Há problemas fora do "arcabouço". As vinculações de gasto em saúde e educação vão fazer com que essas despesas cresçam relativamente mais (podem tirar o lugar de investimento, ciência, segurança etc.). Conviria mexer nisso.

Outro risco é o governo jogar receita fora. Lula quer cobrar menos IR de pessoa física. As estatais querem pagar menos dividendos. Assim, não vai dar.

 

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