quinta-feira, 27 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Aceno de França traz alento para Santos Dumont

O Globo

Ministro admitiu ser preciso limitar operação no aeroporto doméstico. Só tem de transformar palavras em atos

Depois da relutância do governo federal em reconhecer o desequilíbrio que afeta os aeroportos do Rio de Janeiro, foi um passo importante a declaração do ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, de que há consenso sobre a necessidade de limitar as operações no Santos Dumont como forma de recuperar o esvaziado Tom Jobim/Galeão. Feita depois de reunião com o governador fluminense, Cláudio Castro, e com o prefeito carioca, Eduardo Paes, traduz mudança de atitude que abre enfim oportunidade para resolver um imbróglio que prejudica a todos.

Limitar voos no Santos Dumont é essencial e urgente para reequilibrar o sistema. Do jeito como está, ele canibaliza o Galeão. Em três anos, o aeroporto internacional perdeu 8 milhões de passageiros e caiu da quarta para a décima posição no ranking dos mais movimentados do país (foram apenas 5,7 milhões em 2022, ante capacidade de 37 milhões). O Santos Dumont, em contrapartida, ganhou 1 milhão de passageiros no mesmo período e atendeu no ano passado 9,9 milhões, indo da sétima para a quinta posição.

A despeito dos números, o governo federal vinha resistindo a admitir o óbvio. A Infraero, que administra o Santos Dumont, teve a desfaçatez de ampliar a capacidade do terminal doméstico de 9,9 milhões para 15,3 milhões, mudando o critério de cálculo. Isso depois de reportagem do GLOBO mostrar que ele operava acima do suportável. Nem é preciso recorrer a números para perceber o problema. Basta andar pelo saguão e ver as filas que se formam, ou constatar os atrasos cada vez mais frequentes nos voos. No Galeão, ao contrário, dezenas de portões de embarque estão todo dia às moscas.

O fundamental é definir como reequilibrar o movimento entre os dois aeroportos. A proposta defendida por Castro e Paes é sensata: restringir os voos no Santos Dumont à ponte aérea Rio-São Paulo e a alguns outros trechos, como Rio-Brasília ou Rio-Belo Horizonte. Os demais voos seriam transferidos, desafogando o terminal doméstico, hoje saturado, e trazendo fôlego ao Galeão, onde nas últimas décadas foram feitos grandes investimentos públicos e privados.

O governo sugere reduzir o ICMS cobrado sobre o querosene de aviação de companhias que aceitem transferir parte de seus voos do Santos Dumont para o Galeão. Ainda que seja bem-intencionada, é medida meramente paliativa, que não resolverá o problema essencial: a insanidade de manter um aeroporto superlotado a poucos quilômetros de outro subaproveitado.

A Changi, empresa de Cingapura que administra o Galeão, anunciou no ano passado que, em razão das condições desfavoráveis, devolveria a concessão. Neste ano, admitiu que poderia permanecer, desde que a União aceitasse renegociar a outorga. Mas essa hipótese parece fora de cogitação. O governo ainda discute alternativas para revigorar o aeroporto internacional.

Independentemente do que aconteça com o Galeão, é fundamental restringir os voos no Santos Dumont. Não basta apenas limitá-los ao número atual, pois nenhum dos dois aeroportos funcionará de forma adequada. O aceno feito pelo ministro Márcio França é o primeiro sinal de que é possível chegar a uma solução sensata. Mas precisa se traduzir em medidas concretas, tomadas com base em dados reais, e não nos interesses disfarçados atrás dos números da Infraero.

Candidatura de Biden à reeleição representa risco para os democratas

O Globo

Aposta na vitória sobre Trump esbarra em inflação alta, ameaça de recessão e perda de influência para a China

Não surpreende que Joe Biden tenha anunciado que concorrerá à reeleição para presidente americano em 2024. Nos Estados Unidos, é esperado que os ocupantes da Casa Branca tentem concorrer para ficar no cargo e, desde o final do século XVIII, apenas sete decidiram não tentar (o último foi Lyndon Johnson, em 1968). O problema para Biden é que os eleitores votam com o olhar voltado para a frente, não para o passado. Seu perfil clássico — que, em 2020, simbolizava um retorno à normalidade depois do furacão Donald Trump — hoje significa tudo, menos renovação.

Nas primárias democratas em 2020, Biden sofreu a concorrência de vários pré-candidatos fortes antes de ser o escolhido. Desta vez, provavelmente não haverá políticos de peso na disputa, e sua candidatura parece segura. Mas a vitória na corrida presidencial é incerta, mesmo que o candidato republicano seja Trump, que tem alta rejeição.

Eleições para presidente nos Estados Unidos costumam ser apertadas. Biden tem resultados positivos para apresentar. No front externo, uniu o Ocidente contra a Rússia na Ucrânia sem enviar soldados americanos. Na agenda doméstica, apostou na transição para a economia de baixo carbono. Mas vários obstáculos o atrapalharão.

O Fed, banco central americano, deverá manter a alta dos juros para segurar a inflação — e toda a economia como consequência. Não está descartada a possibilidade de recessão antes das eleições, cenário que reduz drasticamente as chances de qualquer governante. Biden também não tem conseguido evitar a ascensão da China na cena global. A perda de influência é perceptível na hesitação de vários países, como o Brasil, em aderir automaticamente à agenda americana.

Metade dos democratas diz não querer que Biden concorra. Ele nunca foi um orador carismático. Há décadas é conhecido pelas gafes. Em razão da pandemia, a campanha de 2020 foi atípica, com poucos eventos públicos. No ano que vem, será diferente. Aos 80 anos, ele é o presidente mais velho a ocupar a Casa Branca. Se reeleito, terminará o segundo mandato com 86, idade em que a maioria dos políticos já se aposentou. Apenas quatro anos mais jovem, Trump exala mais energia, e os republicanos não perdem a oportunidade de destacar a questão etária (exploraram à exaustão o vídeo de Biden caindo da bicicleta no ano passado).

A oposição provavelmente ressaltará o risco de Biden não terminar um eventual segundo mandato, e a Presidência acabar caindo no colo de Kamala Harris. Até aqui, ela tem sido uma decepção como vice-presidente. Não contribui de forma substancial nas decisões do governo, nem conseguiu criar uma agenda própria que a tornasse a sucessora natural do presidente.

Do outro lado, o candidato mais popular nas pesquisas é Trump. Primeiro ex-presidente americano a ser considerado réu, ele possivelmente chegará ao dia da eleição com novas complicações na Justiça. A aposta dos democratas é que 2024 repetirá a história de 2020. O risco é que repita a de 2016.

A CPI e Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente presta depoimento patético; comissão pode virar circo de versões

Comissões parlamentares de inquérito, por sua natureza, são instrumentos de minorias congressuais e não interessam ao governo de turno —este sempre tem algo a perder, nem que seja apenas tempo para o avanço de seus projetos legislativos prioritários.

Não é diferente com a CPI mista instalada nesta quarta-feira (26) para investigar o ataque de motivações golpistas às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. Nesse caso em particular, chega-se ao paradoxo de que o bolsonarismo, alvo natural da apuração, tenha pressionado pela criação do colegiado.

Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sustentado por uma coalizão partidária de maioria incerta no Parlamento, pouco pôde fazer para evitar a CPI.

Depois do vazamento de imagens que mostram o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, perambulando na Presidência durante a ofensiva dos vândalos, o Planalto viu-se obrigado a apoiar o que já era inevitável.

Não se trata, obviamente, de uma comissão parlamentar desprovida de mérito —há, afinal, um fato gravíssimo e de múltiplas ramificações a ser esclarecido. Entretanto é também evidente o risco de que a investigação dê lugar a uma batalha política por versões e à costumeira disputa por holofotes.

Para os adeptos de Jair Bolsonaro (PL), há ao menos uma chance de contra-ataque, depois que o episódio infame rendeu solidariedade doméstica e internacional a Lula e pronta reação das instituições.

Mais de 2.000 suspeitos foram presos; mais de 1.000 foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República; 100 já se tornaram réus no Supremo Tribunal Federal.

O ex-presidente, ameaçado pela inelegibilidade e pelo rumoroso caso das joias da Arábia Saudita, prestou nesta quarta depoimento patético à Polícia Federal que ilustra o seu ocaso político.

Bolsonaro disse ter postado por engano, sob efeito de medicamentos, um vídeo com ataques às urnas eletrônicas em 10 de janeiro. Procura assim não ser responsabilizado por incitar as invasões golpistas de dois dias antes.

A extensão precisa de seu papel nos atos está em investigação. O que dispensa novas evidências é a campanha antidemocrática que promoveu ao longo de anos, com alegações de fraudes eleitorais desprovidas de qualquer base, culminando em uma exposição escandalosa a embaixadores estrangeiros.

O bolsonarismo talvez consiga aproveitar a CPI para fustigar o governo. Não apagará o fato, no entanto, de que o punhado de idiotas fanatizados que vandalizou o patrimônio público seguia um líder que nunca se mostrou disposto a aceitar a derrota nas urnas.

Pena sem manicômio

Folha de S. Paulo

Fim da custódia psiquiátrica é bem-vindo, mas falta fortalecer a rede de saúde

É obsceno que persista, no Brasil, um modelo de restrição de liberdade em que o condenado fique detido por tempo indeterminado e com comunicação limitada.

Na chamada medida de segurança, pessoas com transtornos mentais que tenham cometido crimes e sejam consideradas inimputáveis são abrigadas em hospitais de custódia e submetidas a tratamento psiquiátrico a mando do Judiciário.

Sem o eufemismo técnico, essas instituições são de fato manicômios, mantidos ao arrepio da Lei Antimanicomial, de 2001 —que estabelece, como alternativa, o atendimento de pacientes pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps).

Outro problema é o extremo oposto. Com a falta de protocolos claros de tratamento e o punitivismo peculiar às cortes brasileiras, muitas vezes o Judiciário desconsidera o transtorno mental e escolhe a prisão comum—o que deve ser evitado, dado que também infringe direitos do apenado.

Em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça determinou o prazo de até maio de 2023 para a desativação das unidades, que, em 2022, abrigavam 1.869 pessoas.

É razoável que dúvidas e ponderações sejam levantadas neste momento. A Raps, por exemplo, deve ser preparada para atender esses pacientes com segurança.

Aos juízes de execução penal, ao lado de especialistas em saúde mental, cabe determinar a elaboração de projetos terapêuticos para cada indivíduo sob a custódia. Tarefa difícil, que exige articulação entre órgãos e recursos adequados.

Contudo, não impossível. Há 17 anos, Goiânia cumpre a Lei Antimanicomial por meio do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili). Apesar do nome controverso, seu sucesso se revela em dados: 928 pacientes passaram pelo programa com taxa de reincidência de apenas 5%.

Transpor projetos similares para estados com maior demanda, como São Paulo, requer aumento da capacidade de assistência do SUS e a criação de procedimentos interdisciplinares para o atendimento que garantam a segurança de profissionais e da população.

Os horrores que ilustram a história manicomial do Brasil —como o Hospital Colônia de Barbacena, desativado nos anos 1980, onde morreram cerca de 60 mil pessoas— deveriam acender o alerta de que, mesmo com desafios e preocupações legítimas, urge pôr fim a condenações penais nesse tipo de instituição psiquiátrica.

Democracias prisioneiras do medo

O Estado de S. Paulo

A perspectiva de uma reedição da disputa entre Biden e Trump nos EUA expõe dilemas de democracias que, como no Brasil, têm dificuldade de encontrar sangue novo e ideias novas

O presidente americano, Joe Biden, anunciou que concorrerá à reeleição em 2024. No fim do ano passado, o ex-presidente Donald Trump, derrotado por Biden em 2020, também anunciou que concorrerá à nomeação dos republicanos. É improvável que os democratas se amotinem contra o incumbente. As primárias republicanas são mais incertas, mas, hoje, Trump lidera as intenções de voto dos afiliados do partido.

O fenômeno desconcertante é que as pesquisas apontam que só 5% dos americanos gostariam de ver a disputa BidenTrump reeditada – 70% não gostariam que Biden disputasse e a mesma proporção não gostaria que Trump disputasse. A se confirmar uma repetição de 2020, será uma batalha pela menor rejeição.

A disputa à reeleição de um incumbente é – não só, mas principalmente – um referendo. Biden tem resultados razoáveis. Valendo-se de sua experiência de 36 anos no Senado, ele conseguiu aprovar reformas no sistema de saúde e um pacote de US$ 1 trilhão para investimentos em infraestrutura e transição para a economia verde. Na política externa, fez mais do que ninguém para frear o assalto da Rússia à Ucrânia e tem se empenhado em revigorar as alianças ocidentais.

Mas não é nisso que aposta para ganhar as eleições. O vídeo em que anunciou sua candidatura não faz menção a conquistas passadas ou futuras, exceto uma: vencer Trump. Após uma sucessão de imagens da invasão do Capitólio e referências a “extremistas MAGA” (sigla para Make America Great Again, lema trumpista), Biden arrematou: “Vamos terminar o serviço”, insinuando que só ele pode fazê-lo. O anúncio de Trump também se resumiu a reciclar o medo: dos imigrantes, da epidemia de opioides, do crime, da sexualização de crianças, da China e outras ameaças que, de novo, só ele poderia superar.

A aposta de Biden pode render. Sua impopularidade líquida (a diferença entre os que o aprovam e desaprovam) é de 10 pontos; a de Trump, 19. Sua inclinação a abraçar o protecionismo e subsídios à indústria tem apelo popular e responde às ansiedades de potenciais eleitores de Trump com a globalização. O disruptivo Trump, por sua vez, motiva como ninguém os democratas a irem às urnas, desmobiliza os republicanos moderados e afasta os eleitores independentes, decisivos para as eleições americanas. Após 2016, Trump só colecionou reveses eleitorais.

Ainda assim, não se pode subestimálo. Os problemas que ele exagera não deixam de ser reais. A economia, crucial para um incumbente, ainda atravessa uma turbulência: a inflação (em parte pelos gastos de Biden) pressiona e os riscos de recessão não estão afastados. Uma crise geopolítica por viradas inusitadas na Ucrânia ou conflitos na Ásia pode desestabilizar o governo de Biden, ecoando o desastre no Afeganistão. E sua aposta pode malograr: as pesquisas de intenção de voto sugerem que ele venceria Trump, mas perderia para outros presidenciáveis republicanos.

Seja lá qual for seu resultado, a disputa presidencial que se avizinha expõe uma exaustão da política americana. Há uma dificuldade de encontrar ideias novas e sangue novo. O incumbente democrata terá 82 anos em 2024, enquanto Trump, seu possível adversário, terá 78. Ou seja, a política dos EUA parece ter sido incapaz de produzir líderes mais jovens depois do fenômeno Barack Obama, que se elegeu aos 47 anos.

Não é um fenômeno exclusivo dos EUA. O último segundo turno no Brasil registrou a maior média etária em toda a redemocratização. Se os dois candidatos tivessem enfatizado suas propostas, ficaria explícito que foram forjadas nas mentalidades de esquerda e de direita dos anos 70. Mas não precisaram, porque ambos também apostaram no medo um do outro. Ambos tinham altos índices de rejeição, e venceu o que teve ligeiramente menos.

EUA e Brasil são as duas maiores democracias do Ocidente. Assim como em outras, as disputas políticas estão sendo orientadas mais à repetição do que à inovação e estão sendo vencidas mais pelo temor do que pela esperança. Independentemente das preferências ideológicas à esquerda ou à direita, essa política gerontocrática e amedrontada sugere um esgotamento cívico que pede um profundo exame de consciência por parte da sociedade.

O xadrez do acordo entre Mercosul e UE

O Estado de S. Paulo

Após quase 30 anos, o acordo amadureceu e se mostra lucrativo para ambas as partes. Com boa-fé e pragmatismo, não é preciso gastar o mesmo tempo para torná-lo sustentável

Por ocasião da visita do presidente Lula da Silva à Europa, autoridades afirmaram a ambição de ratificar o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) neste ano. Com boa-fé e pragmatismo, é possível. Mas nessa novela de quase 30 anos esses expedientes nem sempre estiveram presentes. É preciso evitar que os erros se repitam.

Mais do que o livre-comércio, o acordo inclui vertentes políticas e culturais. Ele “cria o quadro institucional necessário para facilitar a cooperação numa vasta gama de áreas de interesse mútuo, desde a proteção dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável até a regulação da economia digital e a luta contra o crime organizado”, apontou o vice-presidente da Comissão

Europeia, Josep Borrell. “Esse acordo reforçará as nossas relações não só entre governos e instituições, mas também entre parlamentares, sociedade civil, empresários, estudantes, universidades, cientistas e criadores.”

É o primeiro acordo birregional abrangente do Mercosul e o maior da UE. As aproximações começaram em 1995, mas emperraram nos anos 2000 por relutâncias protecionistas: dos europeus, em relação à sua agropecuária; dos latino-americanos, à sua indústria. A conjunção das presidências de Michel Temer e de Mauricio Macri, na Argentina, deu tração às negociações e o acordo foi fechado em 2019. As rupturas geopolíticas recentes o tornam estratégico para reduzir dependências excessivas, diversificar cadeias de valor e estabelecer a cooperação com parceiros políticos e econômicos confiáveis.

Por isso, é preciso dissolver velhas resistências que voltam sob novas formas. A hostilidade dos fazendeiros europeus foi revigorada pelos humores antiglobalistas da nova direita e, sobretudo, pela preocupação ambiental – abastecida pelo antiambientalismo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A UE insiste em vincular a ratificação a compromissos ambientais.

Seria cínico desmoralizar angústias legítimas com a preservação ambiental. Mas seria ingênuo ignorar o oportunismo de políticos europeus em apertar restrições para agradar tanto ao eleitorado jovem de esquerda (os “verdes”) quanto aos velhos agricultores.

Sem dar as costas nem bater de frente, a solução passa por elaborar, a partir do arcabouço aprovado, mecanismos de interesse mútuo. O Brasil já tem uma legislação ambiental de ponta e pode reforçar medidas de combate ao desmatamento, comprometendo-se, por exemplo, a recompor órgãos de fiscalização e aumentar gradualmente a participação orçamentária do Ministério do Meio Ambiente. A Europa, por sua vez, pode apoiar esses esforços com recursos técnicos e financeiros, especialmente em programas de inclusão social na Amazônia. Além disso, precisa renunciar à pretensão de vincular sanções comerciais ao descumprimento de metas ambientais, coisa estranha ao direito internacional ambiental.

O Mercosul faz bem em insistir que, além da proteção ambiental, o desenvolvimento sustentável deve se equilibrar em outros dois pilares: o social e o econômico. A própria Europa, para evitar o colapso desses pilares após a guerra na Ucrânia, se viu obrigada a exumar fontes de energia “suja”.

Nem por isso os governos petista e peronista devem ceder à tentação de reabrir negociações para erguer barreiras protecionistas. Lula fala em manter o direito de preferir produtos nacionais nas compras governamentais. Já existem exceções desse tipo e podem ser flexibilizadas, mas não se deve forçar a mão. Até porque o acordo prevê aberturas gradativas, dando tempo aos setores produtivos de ambos os lados para se modernizarem. Se o governo quer uma “neoindustrialização”, o melhor a fazer não é proteger a indústria, mas criar condições para que ela se torne competitiva, por exemplo, aprovando uma boa reforma tributária e investindo em desburocratização, infraestrutura e inovação para reduzir o “custo Brasil”.

Após quase três décadas, diversos estudos mostram que o acordo é comercialmente lucrativo para ambas as partes. Com boa-fé e pragmatismo, não será preciso gastar tanto tempo para que ele se torne também sustentável.

Sem mágica no mercado de capitais

O Estado de S. Paulo

Fazenda e BC precisam impulsionar aprovação de medidas que ajudem a baratear custo do dinheiro para empresas

O debate sobre o nível das taxas de juros no Brasil não foi aplacado com a ida do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, ao Senado, na terça-feira, para dar explicações sobre a política seguida pela autoridade monetária sobre juros. Dados divulgados nesta semana mostram que a tendência de queda da inflação continua e que o custo do dinheiro para os tomadores de crédito bancário está em alta. Por isso, é urgente que o governo impulsione e o Congresso analise medidas para estimular o mercado de capitais.

Para usar a expressão usada por Campos sobre contas públicas, não há mágica para resolver de imediato os problemas econômicos do Brasil. Não será de um dia para outro que empresas poderão contar com operações no mercado de capitais para baixar o custo dos financiamentos, mas este é um caminho de médio a longo prazo que se provou eficaz em dezenas de países.

Desde o início do ano, os brasileiros têm assistido a uma contundente discussão pública sobre o custo do dinheiro para os tomadores de empréstimos, tendo o presidente Lula da Silva tomado a frente para criticar o elevado nível dos juros e a decisão do BC de mantêlos em 13,75%. Chamado para se justificar, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Campos basicamente repetiu os argumentos apresentados por ele em outras oportunidades, dizendo que o processo de redução dos juros é técnico e esse é o instrumento disponível para baixar a inflação.

No dia seguinte à apresentação de Campos, o IBGE divulgou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), prévia da inflação oficial, desacelerou em abril, passando de 0,69% em março para 0,57%. Com isso, o índice de 12 meses passou a 4,16% – em vez dos 5,36% registrados em março. O BC, por sua vez, informou que o custo médio do crédito bancário permaneceu em 22,3% ao ano em março, indiscutivelmente muito elevado por qualquer critério e isso é preocupante porque indica que houve um aumento de 2,8 pontos porcentuais em 12 meses.

São dados que podem jogar lenha na fogueira do debate sobre juros. Esse panorama de juros bancários elevados não mostra indícios de que vá se resolver brevemente. Mesmo que o BC passe a cortar os juros em curto prazo – o que não deve acontecer –, demoraria para que menores taxas chegassem aos tomadores de empréstimos.

A equipe econômica e o BC podem ajudar o impasse atuando em conjunto para implementar medidas que facilitem a entrada de empresas no mercado de capitais e, ao mesmo tempo, protejam de maneira mais consistente o acionista minoritário, uma figura cada vez mais presente no mercado. Não custa lembrar que o número de pessoas que investem na Bolsa de Valores passou de 700 mil em 2018 para 5 milhões no ano passado.

A regulamentação para aprimorar o acesso ao mercado de capitais já existe. Algumas medidas estão paradas no Congresso. Quem está interessado em impulsionar o crescimento econômico do País precisa atentar para a necessidade de apoiar essas mudanças, sem dispensar o debate sobre juros bancários.

Desvalorização acelera crise econômica na Argentina

Valor Econômico

A crise dissuadiu os candidatos óbvios a disputar a Presidência enquanto desponta um radical de direita, fã de Jair Bolsonaro e Donald Trump

O dólar chegou perto dos 500 pesos e o governo argentino não tem mais meios nem de conter as desvalorizações nem a inflação, que se autoalimentam. Uma grave crise, como a de 2001, ameaça o país e poderá eclodir antes das eleições. O presidente Alberto Fernández desistiu de se candidatar novamente, derrotado previamente por uma inflação galopante - 104% em 12 meses, com forte viés de alta - e aguda escassez de reservas. Diante de um beco sem saída, o governo peronista, em um sinal de desespero, ensaia fazer o de sempre: culpar o Fundo Monetário Internacional, que, com seu pacote de US$ 44 bilhões, é o único amparo da economia.

Desta vez, ao contrário do que ocorreu quando o liberal Fernando De La Rúa fugiu da sede do governo em um helicóptero, diante da fúria de protestos populares, o FMI fez poucas exigências, entregou a direção do ajuste à discrição da equipe econômica argentina e estabeleceu carência para os débitos com a instituição até 2024, no próximo governo. Além disso, o Fundo arriscou sua reputação ao conceder o maior pacote de ajuda de sua história ao país, durante a gestão liberal de Mauricio Macri. Nada deu certo e a Argentina anunciou que vai renegociar o acordo com o FMI e pedir antecipação dos desembolsos.

No início de abril, o Fundo deu seu aval ao desembolso de US$ 5,4 bilhões do programa de ajuste - emprestou US$ 29 bilhões até agora. Os recursos não foram suficientes para deter a deterioração da economia. Um dos critérios do programa foi o compromisso de aumento das reservas internacionais que, de fato, subiram US$ 5 bilhões em 2022. Mas apenas nos dois primeiros meses de 2023, o país viu sair do país igual quantia de dólares.

O FMI diz que a Argentina se saiu bem em 2022, reduzindo o déficit público e cumprindo metas fiscais, embora os desequilíbrios macroeconômicos persistam e tenham sido agravados por uma seca violenta. Ela atingiu o país em um de seus pontos mais fracos: a capacidade de obter dólares. As reservas se aproximam do zero estão abaixo do mínimo necessário, isto é, o que pagaria ao menos três meses de importação. As vendas externas recuaram 24% nos doze meses encerrados em fevereiro, queda maior do que a das importações (18,5%), já muito racionadas por uma variedade bizarra de controles físicos de mercadorias e repressão financeira.

Um garrote tradicional ameaça de novo asfixiar a economia, com o agravante da seca, que amplia a alta de preços, reduz o ingresso de divisas e as receitas do governo. O dólar paralelo dá saltos acompanhando o aumento dos preços. A inflação de março, de 7,7%, foi um marco e os economistas temem que tenha estabelecido um piso para as variações futuras. Desde então, o dólar subiu com mais força, ampliando a escalada inflacionária, que alimenta a fuga ao peso.

Uma saída seria desvalorizar aos poucos a moeda oficial (o país tem grande variedade de tipos cambiais), e o Banco Central tem tentado fazer isso sem sucesso, pois necessita dólares, cada vez mais escassos. Na última avaliação do acordo, o Fundo concordou em diminuir a meta de aumentar as reservas, desde que o BC reduzisse as intervenções para sustentar o peso e mantivesse taxas de juros positivas - a taxa básica na época da revisão era de 113%. O FMI calculou então que o peso argentino ainda está valorizado de 10% a 25%.

A seca e o esfriamento da economia, que pode entrar em recessão até o fim do ano, estão reduzindo a arrecadação e ameaçando o cumprimento da meta de déficit de 1,9% do PIB no ano. No segundo trimestre, vencem títulos equivalentes a 2,2% do PIB e o governo terá que estender o prazo de outros que terão de ser pagos no fim do ano, no montante de 6,6% do PIB. Os gastos do país são altos, de 33,6% do PIB, para receitas de 32,5% do PIB.

A crise dissuadiu os candidatos óbvios a disputar a Presidência. Alberto Fernández disse que não o fará, Cristina Kirchner, a vice, também (há dúvidas, no caso), assim como o ex-presidente Mauricio Macri. Os peronistas caminham para uma surra eleitoral, com adversários que se situam entre a direita e a extrema-direita. Um sinal mais que perturbador da agonia política argentina é que, 40 anos depois do fim de uma das mais violentas ditaduras militares do continente, desponta no panorama eleitoral o radical de direita Javier Milei, um fã de Jair Bolsonaro e Donald Trump, com seus ataques aos “políticos ladrões” e aos comunistas. Ele tem chances de ir para o segundo turno, com resultado final imprevisível.

 

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