terça-feira, 4 de abril de 2023

Pedro Fernando Nery - Inimigos do fim


O Estado de S. Paulo

Talvez a principal razão para derrubar o avanço institucional conquistado pelo País seja vencer a narrativa

Reformas diferentes sofrem críticas parecidas. À medida que o novo arcabouço fiscal vincula os desejados aumentos da despesa a aumentos da arrecadação, reformas na tributação podem sair do papel. Há um incentivo não só para as mudanças na tributação do consumo, mas também na da renda. Já é possível antecipar alguns argumentos dos beneficiados pelo injusto sistema atual.

“A reforma não terá efeito.” Essa é a narrativa de futilidade, nos termos de Albert Hirschman em A Retórica da Intransigência. Podemos vê-la em alegações de que os afetados por uma medida vão adotar um comportamento que bloqueará seus efeitos. Por exemplo, levar dinheiro para fora do País.

Assim, não haveria como aumentar a arrecadação tributando altas rendas e patrimônio. Elidindo ou evadindo, os ricos vão sair do Brasil ou encontrar formas de burlar o fisco aqui, e não se conseguirá qualquer incremento na arrecadação.

Mas a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, e é possível – segundo mostra a própria experiência internacional – colher, sim, ganhos de arrecadação. Fosse tão fácil fugir da tributação, os mais ricos não se preocupariam com mudanças.

“A reforma prejudicará os mais pobres.” Esta é a narrativa do prejuízo (ou ameaça), que postula que uma medida redistributiva, na verdade, prejudica outro objetivo. Por exemplo, que mudanças na tributação dos ricos prejudicarão os pobres. Está presente quando se diz que o fim de uma renúncia fiscal a um empresário do setor X destruirá zilhares de empregos. Ou que a tributação de lucros e dividendos não afetará apenas os mais ricos, mas minará o próprio crescimento econômico, por desestimular o investimento e a inovação, gerando desemprego.

A literatura especializada não referenda esses medos. Rever gastos tributários e colocar os ricos no IR não é apenas justo, como pode favorecer o PIB – principalmente, se os recursos servirem não só para a sustentabilidade da dívida, como para boas políticas (ex: investimento em capital humano).

“A reforma piora o arranjo atual.” É a última das narrativas de Hirschman, a da perversidade. Já aparece quando se diz que a reforma da tributação do consumo levará a uma das maiores alíquotas do mundo, ou que sua transição vai provocar um arranjo mais complexo que o existente. Iniciativas como o “Pra ser Justo” estão combatendo esse tipo de má informação.

O novo arcabouço pode ser um empurrão contra injustiças do sistema tributário. Assim sendo, o roteiro que os favorecidos vão seguir já pode ser vislumbrado.

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