sexta-feira, 14 de abril de 2023

Vera Magalhães - Alguém vai pagar por arrecadação maior

O Globo

Governo tem de estar preparado para evitar ruídos e explicar escolhas para ampliar receita e viabilizar novo marco fiscal

O novo marco fiscal nem foi para o papel ainda, assim como também está no plano das ideias a mudança que impedirá que sites de comércio eletrônico situados fora do Brasil burlem a cobrança do Imposto de Importação. Mas a polêmica em torno deles e o desgaste de popularidade para Lula diante da possibilidade de as blusinhas compradas pela internet ficarem mais caras evidencia um problema que a equipe econômica parece ter subestimado: para que se aumente a arrecadação a fim de permitir mais gasto público, alguém terá de pagar. E o governo tem de estar preparado para bancar essas escolhas e explicá-las sem tanto ruído.

Não adianta, diante da gritaria provocada pela ideia de impedir que sites como Shein, Shopee e Alibaba usem subterfúgios para driblar a cobrança de impostos, dizer que não se estão criando novas taxações, nem mesmo acabando com isenções. Se o próprio governo divulga que espera arrecadar R$ 8 bilhões a mais só com essa medida, alguém pagará por isso.

Também não ajuda em nada o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, bancar o cult blasé diante do desespero dos que recorrem às compras dos produtos nesses sites, dizendo só consumir livros e não saber do que se trata. Sua equipe tinha de ter dimensionado a presença desse comércio no dia a dia dos cidadãos e o potencial de exploração do episódio pela oposição bolsonarista.

Afinal, existe uma hipersensibilidade na ala política do governo a tudo o que possa erodir a popularidade de Lula, e mexer nesse vespeiro era um foco evidente para isso, como mostra a entrada da própria Janja para tentar conter o estrago.

A filosofia que norteou a construção do arcabouço fiscal é boa, transparente e está em linha com o que foi prometido por Lula na campanha: trazer os mais pobres para o Orçamento e fazer quem está à margem do sistema de tributação, por privilégios históricos ou malandragens como essa de enviar os pacotes dos compradores da China em nome do Brad Pitt, pagar o que a lei manda.

O que não dá é para, por medo de fazer o debate na sociedade, o governo ficar se esquivando das palavras e dos temas, para tentar convencer alguém que não pagará a mais pela blusinha. Ora, se a compra não puder mais ser fracionada nem a remessa atribuída indevidamente a Shakira ou ao Papai Noel, vai pagar imposto, sim.

A discussão madura e honesta é: era justo deixar de pagar por esse imposto e, com isso, favorecer um comércio que acaba sendo desleal com todas as empresas que atuam regularmente no Brasil, geram empregos e recolhem impostos? Não, não é justo. É isso que fará a mudança ser assimilada, a discussão no Congresso avançar, facilitando a aprovação das medidas — o marco fiscal em si e as Medidas Provisórias anunciadas para mexer nessa questão específica — , e a oposição perder o filão das redes sociais.

Deveria ter sido avisado desde o início que mexer nos privilégios de quem não paga imposto nunca foi fácil no Brasil. Basta ver que, enquanto se discutem formas de aumentar a arrecadação com essas medidas, tem gente no próprio governo defendendo medidas no sentido oposto, como criar novas subvenções para montadoras para fazer frente à queda na vendas de veículos. Além de isso ser contraditório com o discurso que embasa a nova política fiscal, também vai na contramão da ideia de uma nova diretriz ambiental.

Tudo isso dá trabalho e exige um alinhamento político, que ainda não foi apresentado, entre a equipe econômica e o resto do governo, notadamente a ala política lotada no Palácio do Planalto. Mas ou se chega à conclusão de que esta briga exige que todos atirem para o mesmo lado e se comuniquem direito, ou a chance de derrota aumentará mais que as comprinhas dos sites chineses.

 

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