O Globo
Governo tem de estar preparado para evitar
ruídos e explicar escolhas para ampliar receita e viabilizar novo marco fiscal
O novo marco fiscal nem foi para o papel
ainda, assim como também está no plano das ideias a mudança que impedirá que
sites de comércio eletrônico situados fora do Brasil burlem a cobrança do
Imposto de Importação. Mas a polêmica em torno deles e o desgaste de popularidade
para Lula diante da possibilidade de as blusinhas compradas pela internet
ficarem mais caras evidencia um problema que a equipe econômica parece ter
subestimado: para que se aumente a arrecadação a fim de permitir mais gasto
público, alguém terá de pagar. E o governo tem de estar preparado para bancar
essas escolhas e explicá-las sem tanto ruído.
Não adianta, diante da gritaria provocada
pela ideia de impedir que sites como Shein, Shopee e Alibaba usem subterfúgios
para driblar a cobrança de impostos, dizer que não se estão criando novas
taxações, nem mesmo acabando com isenções. Se o próprio governo divulga que
espera arrecadar R$ 8 bilhões a mais só com essa medida, alguém pagará por
isso.
Também não ajuda em nada o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, bancar o cult blasé diante do desespero dos que recorrem às compras dos produtos nesses sites, dizendo só consumir livros e não saber do que se trata. Sua equipe tinha de ter dimensionado a presença desse comércio no dia a dia dos cidadãos e o potencial de exploração do episódio pela oposição bolsonarista.
Afinal, existe uma hipersensibilidade na
ala política do governo a tudo o que possa erodir a popularidade de Lula, e
mexer nesse vespeiro era um foco evidente para isso, como mostra a entrada da
própria Janja para tentar conter o estrago.
A filosofia que norteou a construção do
arcabouço fiscal é boa, transparente e está em linha com o que foi prometido
por Lula na campanha: trazer os mais pobres para o Orçamento e fazer quem está
à margem do sistema de tributação, por privilégios históricos ou malandragens
como essa de enviar os pacotes dos compradores da China em nome do Brad Pitt,
pagar o que a lei manda.
O que não dá é para, por medo de fazer o
debate na sociedade, o governo ficar se esquivando das palavras e dos temas,
para tentar convencer alguém que não pagará a mais pela blusinha. Ora, se a
compra não puder mais ser fracionada nem a remessa atribuída indevidamente a
Shakira ou ao Papai Noel, vai pagar imposto, sim.
A discussão madura e honesta é: era justo
deixar de pagar por esse imposto e, com isso, favorecer um comércio que acaba
sendo desleal com todas as empresas que atuam regularmente no Brasil, geram
empregos e recolhem impostos? Não, não é justo. É isso que fará a mudança ser
assimilada, a discussão no Congresso avançar, facilitando a aprovação das
medidas — o marco fiscal em si e as Medidas Provisórias anunciadas para mexer
nessa questão específica — , e a oposição perder o filão das redes sociais.
Deveria ter sido avisado desde o início que
mexer nos privilégios de quem não paga imposto nunca foi fácil no Brasil. Basta
ver que, enquanto se discutem formas de aumentar a arrecadação com essas medidas,
tem gente no próprio governo defendendo medidas no sentido oposto, como criar
novas subvenções para montadoras para fazer frente à queda na vendas de
veículos. Além de isso ser contraditório com o discurso que embasa a nova
política fiscal, também vai na contramão da ideia de uma nova diretriz
ambiental.
Tudo isso dá trabalho e exige um
alinhamento político, que ainda não foi apresentado, entre a equipe econômica e
o resto do governo, notadamente a ala política lotada no Palácio do Planalto.
Mas ou se chega à conclusão de que esta briga exige que todos atirem para o
mesmo lado e se comuniquem direito, ou a chance de derrota aumentará mais que
as comprinhas dos sites chineses.
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