quinta-feira, 20 de abril de 2023

Vinicius Torres Freire -Congresso deve mexer no teto de Lula

Folha de S. Paulo

Superávit fiscal é difícil ou incerto com nova regra fiscal do governo

Levou um dia para que digerissem o texto da lei que cria o teto de gastos de Lula, o "arcabouço fiscal". Lido e mastigado, o projeto da nova regra de aumento de despesas provocou um salseiro, piorado pelo fato de o Banco Central dizer que os juros vão cair devagar.

No entanto, dúvidas e críticas grandes e relevantes não são novas, embora o problema exista. As dúvidas novas são confusões ou periféricas. Não, o governo não se desobrigou de apresentar metas fiscais; as exceções de despesa são velhas e sabidas. Etc.

Economistas e povos dos mercados em geral revoltam-se com o fato de que, aprovada a nova lei fiscal, praticamente o governo federal não será obrigado a cumprir uma meta de superávit primário. Isto é, de gastar menos do que arrecada, em certo montante específico. Sem superávit bastante, a dívida pública continuará a crescer. Não dá.

De fato, o governo não será punido ou constrangido legalmente se não cumprir as metas. Não será obrigado a tomar medidas corretivas (conter despesas ao longo do ano, o chamado "contingenciamento"), como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas já se sabia disso faz semanas, embora não se tivesse lido a letra da lei.

A nova regra fiscal não se baseia em meta de saldo primário, mas em uma limitação de crescimento de despesa —o governo havia sido enfático a respeito. O saldo primário será aquele que acontecer: a diferença entre certa despesa e a receita que calhar de ocorrer.

"Calhar de ocorrer": o governo em última instância não tem controle sobre a receita, que depende do ritmo de atividade econômica e de cobrança adicional de impostos (o que na maior parte depende do Congresso). É problema.

Ainda que se façam simulações otimistas, é difícil ver como a receita crescerá mais do que a despesa o bastante para que sobrevenham os superávits primários anunciados pelo governo. Isto é, não haveria saldo positivo suficiente mesmo com o PIB crescendo no ritmo estimado pela Fazenda ou com a inflação do PIB crescendo mais do que o IPCA. Seria preciso de resto que a receita crescesse mais rápido do que o PIB, no ritmo mais rápido dos anos normais deste século. Ainda assim, seria necessário algum aumento extra de carga tributária (via reoneração ou tributo novo).

De resto, mesmo que viesse o superávit previsto pelo governo para 2026 (1% do PIB) e tal saldo fosse mantido até 2033, a dívida pública cairia pouco. Isso com estimativas otimistas para PIB e taxa de juros (que vão cair devagar, aliás).

É difícil acertar a meta de superávit primário se a despesa deve crescer, por lei, pelo menos 0,6% ao ano (em termos reais) e não há controle preciso sobre o aumento de receita.

Não quer dizer que não possa funcionar. Para tanto, repita-se, é preciso aumentar imposto (uns R$ 150 bilhões, pelo menos, até 2026) e que a economia, o PIB, cresça bem.

Para que cresça bem, não se pode fazer besteira na política microeconômica (condição necessária, mas não suficiente). Besteira quer dizer manipular preços, bulir loucamente com estatais, ter regras ruins de investimento privado, não fazer reforma tributária etc. Há risco de besteira.

No projeto de lei, há uma consequência objetiva para o descumprimento da meta. Neste caso, o governo não vai poder aumentar a despesa em 70% do crescimento da receita, como prevê a rotina da nova regra fiscal. O aumento poderia ser apenas de 50%. Em qual ano?

Seria restrição tardia e, talvez, insuficiente para compensar o descumprimento da meta. Suponha-se que, em 2024, o governo não cumpra a meta. Só vai saber disso no começo de 2025, quando o Orçamento de 2025 já estará aprovado. A restrição valeria apenas para 2026, último ano de Lula 3. É frouxo.

A pergunta essencial, porém, é: como embutir no teto móvel de Lula regras de reajuste de despesa e aumento de receita que facilitem a obtenção do saldo primário necessário?

Essa é uma questão a se discutir no Congresso.

 

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