Folha de S. Paulo
Superávit fiscal é difícil ou incerto com
nova regra fiscal do governo
Levou um dia para que digerissem o
texto da lei que cria o teto de gastos de Lula, o "arcabouço
fiscal". Lido e mastigado, o projeto da nova regra de aumento de despesas
provocou um salseiro, piorado pelo fato de o Banco
Central dizer que os juros vão cair devagar.
No entanto, dúvidas e críticas grandes e
relevantes não são novas, embora o problema exista. As dúvidas novas são
confusões ou periféricas. Não, o governo não se desobrigou de apresentar metas
fiscais; as exceções de despesa são velhas e sabidas. Etc.
Economistas e povos dos mercados em geral revoltam-se com o fato de que, aprovada a nova lei fiscal, praticamente o governo federal não será obrigado a cumprir uma meta de superávit primário. Isto é, de gastar menos do que arrecada, em certo montante específico. Sem superávit bastante, a dívida pública continuará a crescer. Não dá.
De fato, o governo não será punido ou
constrangido legalmente se não cumprir as metas. Não será obrigado a tomar
medidas corretivas (conter despesas ao longo do ano, o chamado
"contingenciamento"), como prevê a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Mas já se sabia disso faz semanas, embora
não se tivesse lido a letra da lei.
A nova regra fiscal não se baseia em meta
de saldo primário, mas em uma limitação de crescimento de despesa —o governo
havia sido enfático a respeito. O saldo primário será aquele que acontecer: a
diferença entre certa despesa e a receita que calhar de ocorrer.
"Calhar de ocorrer": o governo em
última instância não tem controle sobre a receita, que depende do ritmo de
atividade econômica e de cobrança adicional de impostos (o que na maior parte
depende do Congresso). É problema.
Ainda que se façam simulações otimistas, é
difícil ver como a receita crescerá mais do que a despesa o bastante para que
sobrevenham os superávits primários anunciados pelo governo. Isto é, não
haveria saldo positivo suficiente mesmo com o PIB crescendo no ritmo estimado
pela Fazenda ou com a inflação do PIB crescendo mais do que o IPCA. Seria
preciso de resto que a receita crescesse mais rápido do que o PIB, no ritmo
mais rápido dos anos normais deste século. Ainda assim, seria necessário algum
aumento extra de carga tributária (via reoneração ou tributo novo).
De resto, mesmo que viesse o superávit
previsto pelo governo para 2026 (1% do PIB) e tal saldo fosse mantido até 2033,
a dívida pública cairia pouco. Isso com estimativas otimistas para PIB e taxa
de juros (que vão cair devagar, aliás).
É difícil acertar a meta de superávit
primário se a despesa deve crescer, por lei, pelo menos 0,6% ao ano (em termos
reais) e não há controle preciso sobre o aumento de receita.
Não quer dizer que não possa funcionar. Para
tanto, repita-se, é preciso aumentar imposto (uns R$ 150 bilhões, pelo menos,
até 2026) e que a economia, o PIB, cresça bem.
Para que cresça bem, não se pode fazer
besteira na política microeconômica (condição necessária, mas não suficiente).
Besteira quer dizer manipular preços, bulir loucamente com estatais, ter regras
ruins de investimento privado, não fazer reforma tributária etc. Há risco de
besteira.
No projeto de lei, há uma consequência
objetiva para o descumprimento da meta. Neste caso, o governo não vai poder
aumentar a despesa em 70% do crescimento da receita, como prevê a rotina da
nova regra fiscal. O aumento poderia ser apenas de 50%. Em qual ano?
Seria restrição tardia e, talvez,
insuficiente para compensar o descumprimento da meta. Suponha-se que, em 2024,
o governo não cumpra a meta. Só vai saber disso no começo de 2025, quando o
Orçamento de 2025 já estará aprovado. A restrição valeria apenas para 2026,
último ano de Lula 3. É frouxo.
A pergunta essencial, porém, é: como
embutir no teto móvel de Lula regras de reajuste de despesa e aumento de
receita que facilitem a obtenção do saldo primário necessário?
Essa é uma questão a se discutir no
Congresso.
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