sábado, 27 de maio de 2023

Andrea Jubé - Crise remete ao passado, mas é mais grave para Lula

Valor Econômico

Crise atual envolve questões mais sensíveis, muito além do embate entre ambientalistas, agronegócio e ministros da área de infraestrutura

A crise envolvendo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o Centrão e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a “crônica de uma morte anunciada” nas palavras de uma fonte credenciada do Executivo. A turbulência evoca episódios protagonizados pela ministra nas gestões Lula 1 e 2, que culminaram na saída dela do governo em 2008.

Porém, ao contrário do que ocorreu no passado, a crise atual envolve questões mais sensíveis, muito além do embate entre ambientalistas, agronegócio e ministros da área de infraestrutura. Desta vez, a sucessão de reveses implica, simultaneamente, o mau humor de um Congresso predominantemente de direita, que perdeu privilégios como o “orçamento secreto”, e se ressente diante de um governo de esquerda, que atrasa o pagamento de emendas e a nomeação de cargos para atender aliados.

Fontes do PT e do governo ouvidas pelo Valor não acreditam em uma saída iminente de Marina do cargo. Afirmam que Lula não quer esse desfecho, nem a ministra pretende fazê-lo. “Marina só sai se quiser”, afirmou uma fonte petista com trânsito no Palácio do Planalto. Mas a sucessão de reveses vai testar a resiliência da auxiliar, que empenhou seu capital político internacional na área do meio ambiente para turbinar a campanha lulista em 2022.

Na semana passada, a divulgação do parecer do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negando autorização para a Petrobras explorar petróleo na foz do rio Amazonas jogou os holofotes sobre Marina Silva. Em 2006, no final da gestão Lula 1, alas do governo e do Congresso lançaram sobre ela, no exercício da mesma função, a pecha de “radical” justamente porque o Ibama retardava os pedidos de licenças ambientais para grandes obras de infraestrutura.

Num episódio que irritou Lula particularmente, a preocupação com a reprodução dos bagres no Rio Madeira atrasou as licenças prévias para a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio em Rondônia. Em uma das declarações de maior repercussão na época, Marina afirmou que perdia o pescoço, mas não perdia o juízo ao rebater as críticas ao Ibama. Contabilizando mais derrotas do que vitórias, Marina deixaria o governo Lula 2 em 2008, quando o Programa da Amazônia Sustentável (PAS) foi confiado ao ministro dos Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger.

Voltando a 2023, com a crise envolvendo Ibama e Petrobras ainda candente, a titular do Meio Ambiente viu sua pasta ser esvaziada em uma articulação orquestrada pelos partidos do Centrão na votação da medida provisória de reestruturação administrativa do governo.

Conforme o Valor havia antecipado, a gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) foi transferida para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, em um movimento orquestrado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (AP), enquanto o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) passou ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Essa mudança ainda foi uma adversidade com ares de vitória, porque ruralistas queriam transferir o cadastro rural para o Ministério da Agricultura.

Não bastasse o esvaziamento de sua pasta, Marina ainda se viu atropelada pelo Congresso com a aprovação de trechos de uma medida provisória que afrouxou regras de proteção da Mata Atlântica, e do regime de urgência para o projeto do Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de 1988.

Todavia, diferentemente do que ocorreu nos embates de 2006 a 2008 envolvendo Marina, a crise atual envolve mais camadas políticas. As derrotas impostas à ministra do Meio Ambiente também são recados da base aliada de insatisfação da relação do Executivo com o Congresso.

Embora o governo tenha empenhado mais de R$ 1,8 bilhão em emendas impositivas, a realidade é que com quase seis meses de gestão, deputados e senadores reclamam que até hoje não fizeram chegar recursos federais às suas bases eleitorais. Ou seja, aos prefeitos que os apoiam nos municípios. Um cenário quase alarmante às vésperas do pleito municipal, lembrando que prefeitos são os principais cabos eleitorais dos deputados federais.

Outra reclamação ainda não resolvida é a lentidão na nomeação de apadrinhados para cargos no segundo, terceiro e até quarto escalão nos Estados, impasse atribuído ao chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa. A mesma articulação que transformou Marina em bode expiatório da vez também mirou Rui Costa. A meta era retirar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil, e remanejá-lo para o Ministério do Planejamento, mas os articuladores políticos do governo frearam esse movimento.

Fontes do PT e do governo avaliam que é chegada a hora de Lula fazer uma pausa nas viagens internacionais, e entrar em campo para começar uma rodada de conversas e reuniões com bancadas de partidos para acalmar os aliados. O presidente, entretanto, ainda segue refratário a esses apelos.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário