Valor Econômico
Crise atual envolve questões mais
sensíveis, muito além do embate entre ambientalistas, agronegócio e ministros
da área de infraestrutura
A crise envolvendo a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, o Centrão e o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva é a “crônica de uma morte anunciada” nas palavras de
uma fonte credenciada do Executivo. A turbulência evoca episódios
protagonizados pela ministra nas gestões Lula 1 e 2, que culminaram na saída
dela do governo em 2008.
Porém, ao contrário do que ocorreu no passado, a crise atual envolve questões mais sensíveis, muito além do embate entre ambientalistas, agronegócio e ministros da área de infraestrutura. Desta vez, a sucessão de reveses implica, simultaneamente, o mau humor de um Congresso predominantemente de direita, que perdeu privilégios como o “orçamento secreto”, e se ressente diante de um governo de esquerda, que atrasa o pagamento de emendas e a nomeação de cargos para atender aliados.
Fontes do PT e do governo ouvidas
pelo Valor não acreditam em uma saída iminente de Marina do cargo.
Afirmam que Lula não quer esse desfecho, nem a ministra pretende fazê-lo.
“Marina só sai se quiser”, afirmou uma fonte petista com trânsito no Palácio do
Planalto. Mas a sucessão de reveses vai testar a resiliência da auxiliar, que
empenhou seu capital político internacional na área do meio ambiente para
turbinar a campanha lulista em 2022.
Na semana passada, a divulgação do parecer
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) negando autorização para a Petrobras explorar
petróleo na foz do rio Amazonas jogou os holofotes sobre Marina Silva. Em 2006,
no final da gestão Lula 1, alas do governo e do Congresso lançaram sobre ela,
no exercício da mesma função, a pecha de “radical” justamente porque o Ibama
retardava os pedidos de licenças ambientais para grandes obras de
infraestrutura.
Num episódio que irritou Lula
particularmente, a preocupação com a reprodução dos bagres no Rio Madeira
atrasou as licenças prévias para a construção das usinas de Jirau e Santo
Antônio em Rondônia. Em uma das declarações de maior repercussão na época,
Marina afirmou que perdia o pescoço, mas não perdia o juízo ao rebater as
críticas ao Ibama. Contabilizando mais derrotas do que vitórias, Marina
deixaria o governo Lula 2 em 2008, quando o Programa da Amazônia Sustentável
(PAS) foi confiado ao ministro dos Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira
Unger.
Voltando a 2023, com a crise envolvendo
Ibama e Petrobras ainda
candente, a titular do Meio Ambiente viu sua pasta ser esvaziada em uma
articulação orquestrada pelos partidos do Centrão na votação da medida
provisória de reestruturação administrativa do governo.
Conforme o Valor havia antecipado,
a gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) foi transferida para o Ministério
da Integração e do Desenvolvimento Regional, em um movimento orquestrado pelo
presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre
(AP), enquanto o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) passou ao
Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Essa mudança ainda foi
uma adversidade com ares de vitória, porque ruralistas queriam transferir o
cadastro rural para o Ministério da Agricultura.
Não bastasse o esvaziamento de sua pasta,
Marina ainda se viu atropelada pelo Congresso com a aprovação de trechos de uma
medida provisória que afrouxou regras de proteção da Mata Atlântica, e do
regime de urgência para o projeto do Marco Temporal, que limita a demarcação de
terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de
1988.
Todavia, diferentemente do que ocorreu nos
embates de 2006 a 2008 envolvendo Marina, a crise atual envolve mais camadas
políticas. As derrotas impostas à ministra do Meio Ambiente também são recados
da base aliada de insatisfação da relação do Executivo com o Congresso.
Embora o governo tenha empenhado mais de R$
1,8 bilhão em emendas impositivas, a realidade é que com quase seis meses de
gestão, deputados e senadores reclamam que até hoje não fizeram chegar recursos
federais às suas bases eleitorais. Ou seja, aos prefeitos que os apoiam nos
municípios. Um cenário quase alarmante às vésperas do pleito municipal,
lembrando que prefeitos são os principais cabos eleitorais dos deputados
federais.
Outra reclamação ainda não resolvida é a
lentidão na nomeação de apadrinhados para cargos no segundo, terceiro e até
quarto escalão nos Estados, impasse atribuído ao chefe da Casa Civil, ministro
Rui Costa. A mesma articulação que transformou Marina em bode expiatório da vez
também mirou Rui Costa. A meta era retirar o Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI) da Casa Civil, e remanejá-lo para o Ministério do
Planejamento, mas os articuladores políticos do governo frearam esse movimento.
Fontes do PT e do governo avaliam que é
chegada a hora de Lula fazer uma pausa nas viagens internacionais, e entrar em
campo para começar uma rodada de conversas e reuniões com bancadas de partidos
para acalmar os aliados. O presidente, entretanto, ainda segue refratário a
esses apelos.
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