O Estado de S. Paulo
Pensemos na eleição de 2026. Uma das apostas que podemos fazer é se, a poucas semanas da eleição, os restantes eleitores já terão organizado seu ‘centro’
Primeiro a política. A sabedoria dessa
máxima deveria ser óbvia para qualquer um, mas não o é, creio eu, nem para um
terço dos brasileiros.
Vou destrinchá-la daqui a pouco, mas antes
gostaria de frisar que a dirijo, em particular, aos que consideram o sistema
presidencial de governo como a sétima maravilha do mundo e aos que avaliam como
ótima a situação econômica, social e política do Brasil. E mais ainda aos que
não percebem que a combinação dessas duas coisas pode empurrar-nos morro abaixo
até o fundo de um desfiladeiro.
Comecemos, no entanto, pelo dito que iniciou este artigo. Por que a política vem primeiro? Ora, meus caros, porque ela é a ação humana coletiva. É o conjunto de atividades a que recorremos para equacionar o embate de interesses sempre presente em qualquer sociedade com o mínimo possível de emprego da força física. Alguém por acaso imagina que as estruturas econômicas se constituem por si mesmas, que os conflitos que lhes são inerentes se ajustam automaticamente e que elas mesmas se encarregam (se acharem necessário) de construir os sistemas políticos? Ou que se incumbem de organizar os sistemas educacionais, a manutenção da paz e da ordem e o convívio das pessoas em grandes coletividades? Ou que modelem por si mesmas os valores e as identidades que nos orientam na vida? Quem vê desse modo as coisas por certo passou ao largo de todas as grandes obras dos séculos 18 e 19, inclusive da de Adam Smith (1776), que alguns ignaros interpretam como se ele tivesse proferido tamanho disparate.
Isso posto, estou seguro de que meus
leitores terão entendido o objetivo da peroração acima. Sabemos todos que o
sistema político brasileiro sempre foi débil, e está agora chegando a um grau
sem precedente de anemia. Cultivamos o tolo orgulho de sermos a 8.ª economia do
mundo, inscientes de que devemos essa posição muito mais à vastidão de nossa
terra e de nossos recursos naturais do que à sabedoria de nossas instituições e
lideranças políticas. E a Deus, por certo.
Isso posto, seja-me agora permitido
especular sobre a tragicomédia que possivelmente encontraremos um pouco à nossa
frente. Deixarei de lado os Legislativos e o Judiciário em razão do recente
aumento no preço da tinta.
Pensemos na eleição presidencial de 2026. O
fator principal é se Jair Bolsonaro estará elegível ou recolhido a algum
estabelecimento penal. Lula decerto buscará um quarto mandato, por ambição,
idealismo ou mesmo por pirraça, para sentir o sabor de um novo embate com
Bolsonaro. Se Lula se aposentar, pode ceder a vaga a Geraldo Alckmin (ou, quem
sabe, à primeira-dama Janja?). Numa hipótese ou noutra, não há dúvida de que
permaneceremos onde já estamos, quero dizer, numa economia estagnada, com
milhões de desempregados e muita gente revirando latas de lixo para a sopa da
noite.
Assentados os dois mencionados fatores, a
outra aposta que podemos fazer é se, a poucas semanas da eleição, os restantes
eleitores já terão organizado seu “centro”, ou sua “terceira via”. Será bom se
couber a Simone Tebet encarnar o “centro”, mas, atenção, só se ela entrar para
valer, com foco e energia. Não como linha auxiliar de Lula. A serem estes três
os dramatis personae, o enredo se dará a conhecer como um teorema de geometria.
Simone será a Geni da vez. Defenestrá-la será a primeira preocupação de Lula e
Bolsonaro. E a grande massa eleitoral, que não entende o que está em jogo ou
simplesmente perdeu o interesse por ele, confirmará nas pesquisas o que todo
mundo já sabe de antemão. Admito, entretanto, que há entre nós uma parcela de
otimistas (ou de otimistas-ignorantes) que chegará ao local de votação com o
peito cheio de esperanças, imaginando que o nosso possante triângulo político e
nosso pujante PIB industrial lançarão a corda que haveremos de agarrar para nos
livrarmos do lamaçal. Se tal corda não estiver ao alcance da mão, queira Deus
que a China continue a nos estender sua caridosa mão.
O problema, a meu juízo, é que o Brasil,
além de não ter um sistema político que se possa levar a sério, também não tem
um muro de arrimo, quero dizer, uma elite séria e numerosa, capaz de evitar a
derrocada. Uma elite que, atuando de fora para dentro das instituições
políticas formais, as empurre de volta para um ponto de equilíbrio viável e
trabalhe em função de um projeto de país, quero dizer, uma estratégia
estruturada para o curto e o médio prazos.
Os pilares de tal estratégia hão de ser, em
primeiro lugar, uma revolução no sistema educacional. Não só habilitar nossos
cidadãos a compreender os rudimentos do idioma (pesquisas internacionais
demonstram que 50% de nossa população acima de 15 anos estacionou nesse
estágio). Educação, ciência, tecnologia e ensino técnico. E, se não for pedir
muito, desacoimar da Constituição de 1988 a redação vigente “do trânsito em
julgado”, aberração que só permite o início do cumprimento da pena pelo
criminoso já condenado nas três instâncias inferiores.
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é
membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Para refletir
ResponderExcluirhttps://www-theguardian-com.translate.goog/world/2023/may/06/vive-la-revolution-but-is-france-ready-to-establish-a-sixth-republic?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
El Pais
Brasil: Bolsonaro desmorona entre os seus e revoluciona o mundo político
https://www.4shared.com/s/fChw4am16ge