quarta-feira, 31 de maio de 2023

Bruno Boghossian - O falso atalho para a Venezuela

Folha de S. Paulo

Petista acerta ao liderar reabilitação da Venezuela, mas mancha processo ao tratar violações como ilusão

O presidente Lula foi mais generoso com Nicolás Maduro do que o candidato Lula. Na campanha, o petista reclamava das sanções impostas ao regime venezuelano, mas driblava os críticos do ditador ao reconhecer os benefícios da alternância de poder. "Desejo para a Venezuela e para todos os países. Não há presidente insubstituível", disse, em agosto.

No Planalto, Lula deixou a concessão de lado. Ao receber Maduro, o brasileiro ignorou as violações democráticas do venezuelano, pintou o companheiro como vítima de "uma narrativa" e agraciou o regime com uma absolvição: "Nossos adversários vão ter que pedir desculpas pelo estrago que fizeram na Venezuela".

Lula não mudou de posição, mas a diferença de tom evidencia o raciocínio por trás de suas escolhas. Antes, o petista preferiu modular o discurso de campanha para amortecer os ataques de seus adversários. Agora, ele faz questão de usar o poder presidencial para ajudar e demarcar uma ligação firme com o vizinho.

Ninguém esperava que Lula convidasse Maduro para ouvir um sermão. O petista corrigiu um erro político ao reatar laços com a Venezuela, reforçou o investimento num projeto de integração regional e se protegeu atrás da doutrina brasileira de não interferência em outros países.

Se parasse por ali, Lula conseguiria beliscar uma vitória diplomática. Dentro do jogo político, poderia até tratar como um lamento ingênuo a exploração, feita por opositores, de sua fotografia ao lado de Maduro. O petista ultrapassou esse limite ao oferecer ao venezuelano uma espécie de defesa coletiva ("nossos adversários") e apresentar conselhos ao ditador.

Lula parece interessado em aproveitar a estatura do Brasil e sua credibilidade internacional para pegar um atalho diplomático enganoso. O objetivo seria acelerar uma reabilitação da Venezuela que, de certa maneira, poupasse o chavismo de um acerto de contas. Tratar a deterioração da democracia como uma ilusão, porém, deixa uma mancha na legitimidade desse processo.

 

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