Valor Econômico
Fatura de apoio no Congresso não se mede
apenas por cargos e emendas
Não deu nem tempo de comemorar. Menos de 24
horas depois da aprovação do texto-base do arcabouço fiscal na Câmara dos
Deputados, o Centrão coloca o governo numa situação difícil ao esvaziar os
ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, aprovar a urgência para
votação do projeto que transfere ao Congresso o poder para definir o marco
legal para a demarcação de terras indígenas e ampliar as possibilidades de
desmatamento na Mata Atlântica.
Foi uma sequência de derrotas impostas ao
governo ao longo do dia.
Durante a tarde, na Comissão Mista que avalia a Medida Provisória nº 1.154/2023 aprovou o substitutivo que dispõe sobre a nova organização administrativa do governo com mudanças menores do que se anunciava no início da semana, mas bastante sensíveis. Com a transferência de competências relacionadas à demarcação dos territórios indígenas e de saneamento básico para outras áreas do governo, o Congresso enfraqueceu as pastas do Meio Ambiente e do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.
Um comentário
espirituoso no Twitter captou essa jogada com uma imagem muito apropriada: o
Palácio do Planalto “deu os anéis para perder os dedos”. Em outras
palavras, para não ver sua estrutura ministerial totalmente desconfigurada no
Parlamento, o governo Lula aceitou a ingerência nas questões que lidam
diretamente com a sustentabilidade ambiental e a preservação da Amazônia e dos
seus habitantes originários.
A jogada do Centrão impõe um ônus político
imenso para Lula. De um lado, deixa numa posição
delicada a ministra Marina Silva, figura de peso que deu lastro para a formação
da “frente ampla” que rendeu votos decisivos para a vitória eleitoral do
petista. Além disso, põe em dúvidas o real comprometimento de Lula com a
proteção dos povos originários perante o eleitorado de esquerda.
Extrapolando as
fronteiras nacionais, medidas que enfraquecem a governança na área ambiental
afetam a credibilidade de Lula no exterior, pois emite sinais dúbios sobre seu
poder de liderança em ações concretas contra os efeitos das mudanças
climáticas.
Como se não bastasse, no início da noite
Lira colocou em pauta pedido do bolsonarista Zé Trovão (PL/SC) requerendo
urgência na votação do PL nº 490/2007, que regula o marco legal.
E a derrota do governo foi acachapante: 324
a 131. A pressão foi tão grande que o governo se acovardou e liberou sua
bancada para votar como cada parlamentar preferisse.Não deu outra: os aliados
MDB, PSD e União Brasil deram 113 votos, de um total de 123 presentes, a favor
do encurtamento dos prazos para a deliberação da proposta que pretender
atribuir à bancada do desmatamento a responsabilidade para definir os
territórios indígenas.
Embora o recorte partidário da votação de
ontem seja relevante, pois explicita as dificuldades que o governo tem em
pautas que extrapolam as questões econômicas mais consensuais, é importante
destacar a questão das bancadas estaduais.
Quando se observa
como se posicionaram os deputados provenientes dos Estados da Amazônia Legal
(Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e
Tocantins), houve 61 votos a favor da urgência do PL nº 490/2007, e apenas 15
contrários.
Esses números expõem a imensa dificuldade
que o governo terá para dialogar com a bancada do agronegócio mais retrógrado
para evitar o avanço de uma agenda retrógrada na área ambiental.
Por fim, a Câmara alterou dispositivos da
Medida Provisória nº 1.150/2022, editada nos estertores do governo Bolsonaro,
com regras que liberalizam ainda mais as possibilidades de desmatamento na Mata
Atlântica e dificultam as autuações dos órgãos ambientais. Desta vez nem a esquerda votou unida. O trator a favor da
devastação arrastou até parlamentares petistas (13 votaram a favor) e a medida
foi aprovada por 364 votos a favor e apenas 66 contrários.
Nas decisões de ontem no Congresso, o
Centrão demonstrou que cobrará pelo apoio a pautas do governo não apenas por
meio de emendas ou cargos. Temas como a sustentabilidade ambiental estão na
mira da bancada conservadora e retrógrada, que é majoritária no Legislativo.
Com uma base frágil e distante das negociações no Congresso, Lula precisa reagir à deterioração do seu capital político. As forças do retrocesso não foram derrotadas junto com Bolsonaro e permanecem muito ativas no Congresso Nacional.
Infelizmente!
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