Valor Econômico
Acerto entre Câmara e Senado mostra que
governo tem gordura
Quando o quórum se completou, às 11h da
última terça-feira, na casa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
na ponta que avança sobre o Lago Sul conhecida por Península dos Ministros, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda dormia. Havia chegado às 4h30 de
Hiroshima. No início da tarde, um ministro com assento no Palácio do Planalto
brincava: “A gente só está tranquilo aqui porque ele ainda está dormindo”.
Quando a reunião/almoço na casa de Pacheco
acabou, quatro horas depois, Lula já estava reunido no Alvorada com seus quatro
ministros palacianos para traçar o plano de voo para junho, o primeiro mês,
desde a posse, em que não vai sair do Brasil.
Enquanto o presidente ainda escolhia os instrumentos com os quais pretende navegar, o deputado Elmar Nascimento (União-BA) tomava a palavra na Península dos Ministros e, se dirigindo ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que compareceu ao lado do seu secretário-executivo, Gabriel Galípolo, fez a fala mais incisiva do encontro: “Não há espaço algum para retroceder na Eletrobras, no marco legal do saneamento e na autonomia do Banco Central”.
O deputado, o preferido do atual presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para sua sucessão, recorrera ao ex-ministro das
Comunicações do governo Jair Bolsonaro, Fabio Faria, hoje diretor de Relações
Institucionais do BTG, para arregimentar o PIB do evento.
Como antecipado por Adriana Fernandes e
Mariana Carneiro, foi um quórum nada desprezível reunido à luz do dia: Rubens
Menin (MRV), André Esteves (BTG), Rubens Ometto (Cosan), Flavio Rocha
(Riachuelo), Josué Gomes (Fiesp), Carlos Sanchez (EMS), Lucas Kallas (Cedro),
João Camargo (Esfera), Ricardo Faria (Granja Faria), Benjamin Steinbruch (CSN),
Isaac Sidney (Febraban) e Rodrigo Maia (CNF).
Pelo menos dois dos presentes saíram com a
impressão de que a precedência da Eletrobras na
fala do deputado, que foi relator da medida provisória na Câmara, não foi
retórica. O deputado sonha em repetir o quórum daquela MP - e o apoio de
setores como o capitaneado pela CS Participações - para sedimentar sua
candidatura à sucessão de Lira.
A contundência do deputado na defesa da MP
da Eletrobras coincide
com um momento em que dirigentes da empresa já começam a procurar
interlocutores no governo para saber com quantos assentos no Conselho a demanda
de retomada de direitos políticos da União seria satisfeita.
A fala de Elmar Nascimento evocou apenas o
mais explícito, mas não o único compromisso no qual se alinhavou a votação
daquela noite. Cinco horas depois, o arcabouço fiscal arrancaria 372 votos.
Foram 115 votos a mais do que precisava. Muito mais do que Haddad previa e até
do que mudança constitucional exige (308).
O exagero não foi apenas de votos, mas de
compromissos. A paz entre o anfitrião e Lira foi sacramentada pelo acordo de
que o Senado não afrouxaria aquilo que a Câmara aprovaria naquela noite. Poucos
embates inquietam tanto os deputados quando a perspectiva de sair, aos olhos do
governo, como mais muquiranas do que os senadores. Nesta disputa, quem se
aproxima mais dos desejos do Executivo se coloca à frente como credor.
É esta, no fundo, a grande questão que move
o insepulto debate sobre a tramitação das medidas provisórias. Quem fala por
último tem a oportunidade de negociar mais prebendas. Quando o encontro daquela
terça foi planejado, havia rumores de que os senadores pretendiam engordar as
margens que os deputados concederiam ao Executivo. Daí porque as duas Casas
precisavam acertar os ponteiros. E tudo indica que o fizeram.
Mas os presentes acertaram mais que os
ponteiros. Ao prestigiarem Haddad, os comensais da Península dos Ministros
quiseram alvejar os ministros palacianos, um deles, o da Casa Civil, Rui Costa.
Baiano como Elmar Nascimento, Costa o irritou ao tapar o nariz para falar da
tramitação da MP da Eletrobras.
O ministro da Fazenda tem sido hábil na
lida parlamentar, mas são os colegas palacianos que alocam os cargos, liberam
emendas e colocam, na mesa de Lula, aquilo que precisa da rubrica presidencial.
É natural que, neste início de governo, acumulem mais desgaste do que Haddad,
que navega na margem orçamentária de razoável conforto da PEC da Transição.
Isso até a entrada em vigor do arcabouço,
quando o Tesouro precisará revirar os colchões da República para zerar o
déficit até 2024. Último a sair da casa de Pacheco, Haddad contou como tem
batido à porta dos ministros dos tribunais superiores para reverter o rombo no
fisco.
Na longa lista encarada pelo ministro (voto
de qualidade no Carf, tributação de offshores, revisão da base de cálculo do
ICMS, a revisão da base de cálculo de imposto de empresas nacionais que
transacionam com o exterior, taxação de apostas eletrônicas e tributação das
big techs, ufa!) está claro que a sanha é para arrecadar quando os comensais,
que acabarão atingidos por uma ou outra medida, gostariam mesmo era de saber
onde ele vai cortar.
Enquanto o encontro na casa de Pacheco
rolava, 24 senadores se reuniam em torno do líder da oposição, Rogério Marinho
(PL-RN), para o almoço semanal da bancada. É um grupo que, ao contrário de
legislaturas passadas, mantém a fidelidade de 25% do eleitorado que acha este
governo ruim ou péssimo, dois terços dos quais os colocam na pior das
classificações.
Naquele grupo de senadores, o arcabouço não
angaria votos. Ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, Marinho é ainda mais
azedo com a reversão das reformas. Vê agressão à segurança jurídica em todo
canto e diz que a necessidade de receitas trazida pelo marco fiscal
ultrapassará a listinha de Haddad, invadirá a reforma tributária e pressionará
pelo corte de subsídios sem que se tenha dito quais.
Está claro que é na etapa seguinte, a da
reforma tributária, que o sarrafo vai subir. Os comensais que aplaudiram Haddad
não aceitarão pagar a conta. Até lá o governo terá que acalmar o MDB, que ficou
de fora do acordo do Lago Sul. A insatisfação não ameaça o arcabouço no Senado.
Os rebeldes apenas se mostram desapegados da CPI do 8/1, sinal de normalidade a
caminho.
Sei.
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