Valor Econômico
Maioria da Câmara dos Deputados é contrária
à agenda ambiental, revela levantamento
Minha conta é imprecisa, porque o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) deixa a critério dos próprios candidatos preencherem a
sua declaração de bens e a classificação feita pelos servidores do Judiciário
não traz os detalhamentos necessários. Segundo o meu levantamento, porém, dos
513 deputados federais eleitos em 2022, pelo menos 449 (87,5%) são
proprietários rurais.
A conta foi feita levando em consideração
apenas aqueles que declararam possuir fazendas, sítios, chácaras, glebas de
terras, tratores, colheitadeiras, cabeças de gado, cavalos e afins – e não
investigou sua participação em empresas agropecuárias.
Obviamente trata-se de uma medida aproximada, pois há uma grande diferença entre um deputado que possui um pequeno sítio para passar o final de semana e outro que seja um grande produtor de soja. Da mesma forma, ser proprietário rural e defender a sustentabilidade ambiental ou a instituição de reservas indígenas não são necessariamente características e posturas antagônicas.
Em Formação Política do Agronegócio (2021),
o pesquisador Caio Pompeia demonstra como nos últimos anos abriu-se uma
divergência nas entidades representativas do agro no Brasil. De um lado,
posicionaram-se associações avessas à pauta ambiental, como a União Democrática
Ruralista (UDR), a Aprosoja e ultimamente a própria Confederação da Agricultura
e Pecurária do Brasil (CNA). No outro extremo, situam-se entidades mais
progressistas, como a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.
Um levantamento conduzido pelo Instituto Democracia e
Sustentabilidade (IDS) lança luz sobre como essas clivagens do agro
repercutem no Congresso Nacional, apresentando dados muito mais precisos sobre
o perfil da atual legislatura em relação à questão ambiental.
Batizado de Farol Verde, o trabalho consistiu em mapear o Índice de
Convergência Ambiental (ICAm) de cada parlamentar reeleito para identificar
como eles se posicionaram nas votações de 12 matérias de impacto sobre o
meio-ambiente na legislatura passada (2019-2022). As proposições selecionadas
tratavam de temas como grilagem de terras, regularização fundiária,
flexibilização do código florestal, mineração em terras indígenas, liberação de
agrotóxicos, licenciamento ambiental, mercado de créditos de carbono, entre
outros.
Para medir o Índice, os pesquisadores do
IDS compararam os votos de cada parlamentar com os posicionamentos dos líderes
da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso. Os resultados sinalizam como
será difícil essa agenda nos próximos anos.
De acordo com o levantamento, nada menos
que 43% dos novos deputados têm forte divergência com a agenda climática e
socioambiental, com o ICAm inferior a 30%. Outros 30% do Plenário têm postura
intermediária, mas com viés de baixa (ICAm entre 31% e 49%). O estudo estima
que somente 27% dos parlamentares podem ser considerados “verdes”, com índice
de convergência superior a 50%, a maioria de partidos de esquerda.
Na votação de hoje do projeto de lei que
regula o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL nº 490/2007), a proposta foi aprovada por 283 votos, diante de 155 contrários e uma abstenção. A
pauta ambiental, portanto, perdeu por 64,5% a 35,6%, resultado bastante similar
ao previsto pelo Farol Verde do IDS.
Entre os partidos que se posicionaram integralmente contra estiveram apenas PT, Psol, PCdoB e Rede – e até PV, PDT e PSB deram alguns votos para a vitória do marco temporal.
Já nas legendas de centro-direita que
integram a base do governo, MDB (73,3%), PSD (73,5%) e União Brasil (96%)
votaram maciçamente a favor da proposição, contrariando a orientação do governo
Lula e contribuindo de modo decisivo para o resultado final.
Pelo perfil conservador dos congressistas e a fragilidade do governo em manter coesa a sua base, a agenda ambiental continua a correr perigo na atual legislatura.
Tudo continua como dantes no Quartel de Abrantes.
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