quarta-feira, 31 de maio de 2023

Fernando Exman - Entre a teoria e a prática da articulação política

Valor Econômico

Até agora contida, a reação da ministra Marina Silva ao esvaziamento da pasta do Meio Ambiente é um contundente sinal de que o governo passa, enfim, a reconhecer em público as limitações de sua base de sustentação no Congresso.

Em teoria, interlocutores do governo ponderam que o Executivo mantém uma boa margem de manobra na Câmara. Mas precisará calibrar a estratégia de interlocução com os deputados para usufrui-la e virar o jogo. Afinal, a “frente ampla” que reconduziu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto ainda não se replicou em uma aliança congressual sequer capaz de manter o texto de uma medida provisória.

Uma fonte pega como exemplo a votação do texto-base do novo arcabouço fiscal e, com um lápis na mão, faz um exercício. Na semana passada, contabiliza, 372 deputados cravaram o voto a favor do parecer, um se absteve e 108 foram contra. No entanto, observa, neste último grupo estavam 12 deputados do Psol e um do Rede. Portanto, tirando esses que preferiram marcar posição contra as novas regras fiscais mesmo que à revelia da orientação governista, apenas 95 dos 513 deputados teriam fechado completamente as portas para os interlocutores do Executivo e podem ser considerados 100% oposição.

Em teoria. Na prática, essa divergência de Rede e Psol causou desconforto na base. Foi considerada oportunista, embora longe de ser vista como um rompimento. Espera-se agora que as duas siglas não reincidam e fiquem com o presidente se alguma crise mais grave surgir. Criou-se um precedente.

Em outra frente, deputados do PL, PP e Republicanos, que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral, entregaram diversos votos em favor do arcabouço fiscal. São parlamentares vistos como potenciais aliados, caso o governo compreenda de vez a dinâmica que vem regendo as relações dos dois Poderes nos últimos anos.

Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Michel Temer tomou posse com o compromisso de abrir as portas do palácio para os congressistas e governar junto com o Parlamento. Em 2019, Bolsonaro tentou fazer política negociando diretamente com frentes parlamentares temáticas. E fracassou. Após realizar reiteradas ameaças ao estado democrático de direito, precisou acomodar o Centrão no núcleo decisório do Palácio do Planalto para se proteger, terceirizou a articulação política e cedeu a gestão de fatia considerável do Orçamento para o Legislativo. Não bastasse, também perdeu ascendência sobre a pauta de votações do Legislativo.

Não resta opção ao governo além de reconhecer que o Congresso tornou-se um poderoso nicho de poder e não recuará, alerta um aliado. Sobretudo em um cenário em que a população elegeu um Congresso majoritariamente conservador, a despeito das bandeiras progressistas do candidato alçado à Presidência. Se o governo acredita que liberar a conta gotas as emendas parlamentares irá minar a longo prazo o poder do Centrão, a cúpula do Congresso sacará suas pipetas para pausadamente dosar o ritmo de tramitação da agenda legislativa de interesse do Executivo.

Nesse cenário, alguns interlocutores de Lula fora do PT se arriscam a palpitar: o Planalto precisa ter paciência, resiliência e seletividade na pauta. Em outras palavras, definir uma lista enxuta de projetos considerados fundamentais e negociá-la com os presidentes da Câmara e do Senado. Será preciso reconhecer que na grande maioria dos casos o Congresso fará prevalecer sua palavra final em relação às proposições do Executivo e a eventuais vetos presidenciais. O projeto sobre o marco temporal das terras indígenas é um exemplo.

Em um novo formato de interação institucional, argumentam esses aliados de Lula, o governo deveria se aproximar dos parlamentares novatos, ampliar a interlocução para além dos líderes de bancada e fortalecer politicamente os ministros que possam arregimentar votos no varejo. Isso requer poder para distribuir cargos e negociar emendas.

Na votação do texto-base do arcabouço fiscal, aliás, o único deputado em exercício do partido de Marina Silva, o Rede Sustentabilidade, votou contra. O detalhe não passou despercebido por aqueles que, mesmo sendo de partidos alinhados ao governo, estão ajudando a desfigurar a medida provisória que dá novo formato ao organograma da máquina pública federal e esvazia o Ministério do Meio Ambiente.

Para um influente interlocutor do presidente, isso decorre de outra característica da atual legislatura: um número substancial de parlamentares fala hoje diretamente com o seu eleitorado por meio das redes sociais e não se preocupa com eventuais constrangimentos que seus posicionamentos possam causar na opinião pública em geral. Caso a ministra tivesse adotado um tom mais belicoso, muitos não se furtariam a atacá-la com desproporcional virulência. Teriam a oportunidade de causar a primeira baixa do governo Lula.

Recordou-se de imediato o embate protagonizado em 2015 pelo então ministro da Educação, Cid Gomes, e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, expoente do Centrão que meses depois abriria o processo de impeachment contra Dilma. Chamado à Câmara para explicar por que chamou os deputados de "achacadores", Cid Gomes disse da tribuna do plenário que preferia ser acusado de mal-educado que de achaque. Saiu do Congresso praticamente demitido.

 

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