Valor Econômico
Até agora contida, a reação da ministra
Marina Silva ao esvaziamento da pasta do Meio Ambiente é um contundente sinal
de que o governo passa, enfim, a reconhecer em público as limitações de sua
base de sustentação no Congresso.
Em teoria, interlocutores do governo ponderam que o Executivo mantém uma boa margem de manobra na Câmara. Mas precisará calibrar a estratégia de interlocução com os deputados para usufrui-la e virar o jogo. Afinal, a “frente ampla” que reconduziu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto ainda não se replicou em uma aliança congressual sequer capaz de manter o texto de uma medida provisória.
Uma fonte pega como exemplo a votação do
texto-base do novo arcabouço fiscal e, com um lápis na mão, faz um exercício.
Na semana passada, contabiliza, 372 deputados cravaram o voto a favor do
parecer, um se absteve e 108 foram contra. No entanto, observa, neste último
grupo estavam 12 deputados do Psol e um do Rede. Portanto, tirando esses que
preferiram marcar posição contra as novas regras fiscais mesmo que à revelia da
orientação governista, apenas 95 dos 513 deputados teriam fechado completamente
as portas para os interlocutores do Executivo e podem ser considerados 100%
oposição.
Em teoria. Na prática, essa divergência de
Rede e Psol causou desconforto na base. Foi considerada oportunista, embora
longe de ser vista como um rompimento. Espera-se agora que as duas siglas não
reincidam e fiquem com o presidente se alguma crise mais grave surgir. Criou-se
um precedente.
Em outra frente, deputados do PL, PP e
Republicanos, que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro na campanha
eleitoral, entregaram diversos votos em favor do arcabouço fiscal. São
parlamentares vistos como potenciais aliados, caso o governo compreenda de vez
a dinâmica que vem regendo as relações dos dois Poderes nos últimos anos.
Após o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff, Michel Temer tomou posse com o compromisso de abrir as portas do
palácio para os congressistas e governar junto com o Parlamento. Em 2019,
Bolsonaro tentou fazer política negociando diretamente com frentes
parlamentares temáticas. E fracassou. Após realizar reiteradas ameaças ao
estado democrático de direito, precisou acomodar o Centrão no núcleo decisório
do Palácio do Planalto para se proteger, terceirizou a articulação política e
cedeu a gestão de fatia considerável do Orçamento para o Legislativo. Não
bastasse, também perdeu ascendência sobre a pauta de votações do Legislativo.
Não resta opção ao governo além de
reconhecer que o Congresso tornou-se um poderoso nicho de poder e não recuará,
alerta um aliado. Sobretudo em um cenário em que a população elegeu um Congresso
majoritariamente conservador, a despeito das bandeiras progressistas do
candidato alçado à Presidência. Se o governo acredita que liberar a conta gotas
as emendas parlamentares irá minar a longo prazo o poder do Centrão, a cúpula
do Congresso sacará suas pipetas para pausadamente dosar o ritmo de tramitação
da agenda legislativa de interesse do Executivo.
Nesse cenário, alguns interlocutores de
Lula fora do PT se arriscam a palpitar: o Planalto precisa ter paciência,
resiliência e seletividade na pauta. Em outras palavras, definir uma lista
enxuta de projetos considerados fundamentais e negociá-la com os presidentes da
Câmara e do Senado. Será preciso reconhecer que na grande maioria dos casos o
Congresso fará prevalecer sua palavra final em relação às proposições do
Executivo e a eventuais vetos presidenciais. O projeto sobre o marco temporal
das terras indígenas é um exemplo.
Em um novo formato de interação
institucional, argumentam esses aliados de Lula, o governo deveria se aproximar
dos parlamentares novatos, ampliar a interlocução para além dos líderes de
bancada e fortalecer politicamente os ministros que possam arregimentar votos
no varejo. Isso requer poder para distribuir cargos e negociar emendas.
Na votação do texto-base do arcabouço
fiscal, aliás, o único deputado em exercício do partido de Marina Silva, o Rede
Sustentabilidade, votou contra. O detalhe não passou despercebido por aqueles
que, mesmo sendo de partidos alinhados ao governo, estão ajudando a desfigurar
a medida provisória que dá novo formato ao organograma da máquina pública
federal e esvazia o Ministério do Meio Ambiente.
Para um influente interlocutor do
presidente, isso decorre de outra característica da atual legislatura: um
número substancial de parlamentares fala hoje diretamente com o seu eleitorado
por meio das redes sociais e não se preocupa com eventuais constrangimentos que
seus posicionamentos possam causar na opinião pública em geral. Caso a ministra
tivesse adotado um tom mais belicoso, muitos não se furtariam a atacá-la com
desproporcional virulência. Teriam a oportunidade de causar a primeira baixa do
governo Lula.
Recordou-se de imediato o embate
protagonizado em 2015 pelo então ministro da Educação, Cid Gomes, e o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, expoente do Centrão que meses depois
abriria o processo de impeachment contra Dilma. Chamado à Câmara para explicar
por que chamou os deputados de "achacadores", Cid Gomes disse da
tribuna do plenário que preferia ser acusado de mal-educado que de achaque. Saiu
do Congresso praticamente demitido.
Estamos perdidos!
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