Folha de S. Paulo
Políticos derrubaram Dilma para se defender da Operação Lava Jato
A editora Todavia acaba de publicar um
livro muito bom: "Operação
Impeachment", de Fernando Limongi.
Trata-se de um dos maiores cientistas políticos brasileiros, autor, com
Argelina Figueiredo, de um trabalho clássico que mostrou que o presidencialismo
de coalizão funcionava bem melhor do que se acreditava.
Em "Operação Impeachment", a proposta
de Limongi é simples: com base exclusivamente em fatos noticiados pela imprensa
(que eram, portanto, de conhecimento dos atores políticos quando tomaram suas
decisões), Limongi conta a história que começa nos conflitos internos do
primeiro mandato de Dilma e desemboca no impeachment.
Há, entretanto, um arcabouço teoricamente informado que conduz o texto.
Quando Limongi descreve as ações de Dilma
ou de seus adversários, está sempre se perguntando: por que aqueles mecanismos
que antes funcionavam no presidencialismo de coalizão não funcionaram em 2016?
Limongi está conversando com sua própria obra e com 30 anos de ciência política
brasileira.
Por outro lado, Limongi não está interessado
nos grandes discursos sobre o impeachment. Não tem maior interesse em discutir
se foi ou não foi golpe: o que lhe interessa é justamente o fato de que as
instituições ainda estavam ali, mas deixaram de funcionar.
Tampouco tem paciência com a historinha
"a gente pegou o PT roubando aí foi lá e derrubou a Dilma". As
delações da Lava Jato mostram um cartel de empreiteiras que funcionava havia
décadas e financiava todo mundo, inclusive todo mundo que fez o impeachment.
A tese "o problema foi que a Dilma era
inábil" é acolhida com bem mais ressalvas do que de hábito: mesmo que
Dilma tenha falhado, jogou duro contra seus adversários, ganhou por muitos anos
e esteve longe de ser a única que jogou errado.
Limongi também demonstra saudável ceticismo
diante da ideia, comum entre alguns petistas, de que Lula no lugar de Dilma
teria resolvido todas as crises políticas.
Mas se Dilma jogou, por que caiu? A
explicação, segundo Limongi, é a Lava
Jato.
Não porque as descobertas da operação
tenham inspirado um movimento de massas que derrubou a presidente. Os políticos
brasileiros fizeram o impeachment para se defender da Lava Jato, pois não
acreditavam mais que Dilma seria capaz de pará-la.
Leitores
antigos da coluna sabem que essa também é minha interpretação. No
final, a Lava Jato foi mesmo desmontada pela rapaziada que estava do lado
de Deltan
Dallagnol no discurso
da semana passada. Mas a centro-direita que fez o impeachment foi dizimada
na eleição de 2018, com consequências terríveis para a democracia brasileira
daí em diante.
O que o livro de Limongi nos obriga a
perguntar é qual teria sido a reação produtiva do sistema político às
revelações da Lava Jato. Do ponto de vista do interesse racional dos atores que
fizeram o impeachment, que alternativa havia? Aceitar a prisão quando suas
conexões com o cartel das empreiteiras fossem reveladas? Do ponto de vista do
país, só havia as alternativas "acordão" e "cruzada
fratricida"?
De qualquer forma, o livro de Limongi é importante para mostrar que há muito que vale a pena reconstruir no sistema político brasileiro depois de uma década em que raramente desperdiçamos a chance de virar na curva errada.
Será?
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