Folha de S. Paulo
Resta ao presidente chileno aliar-se à
centro-direita para garantir moderação nas regras do jogo
No domingo passado, o governo de esquerda
de Gabriel Boric foi
derrotado nas eleições dos novos constituintes chilenos. A coalizão governista
Unidad para Chile obteve
apenas 17 das 51 vagas no conselho que discutirá o novo texto constitucional.
A coalizão de centro-direita Chile Seguro
também foi mal, obtendo apenas 11 vagas. O grande
vencedor da noite foi o Partido Republicano, de direita radical, que obteve
23 cadeiras.
Na última semana, proliferaram análises
da derrota chilena que eram 100% previsíveis quando já se conhecia a
posição política do analista. A esquerda radical acusou Boric de se aproximar
demais do centro. A direita acusou o presidente chileno de ter se perdido em
seu esquerdismo.
Eu mesmo, social-democrata e simpatizante do velho Partido Socialista Chileno, me sinto tentado a dizer que a nova esquerda chilena deveria se limitar a reformar o Estado de bem-estar do país, cujo caráter privatista foi um dos principais alvos das revoltas da última década. Posso até estar certo, mas também estou fazendo diagnóstico por reflexo ideológico.
O debate da semana passada refletiu quase
que exatamente a discussão sobre as razões da derrota de Boric no plebiscito
sobre o projeto de Constituição de
2022. Além de muito longo, era muito à esquerda das posições do chileno médio.
Havia algo do junho de 2013 brasileiro na
Constituinte chilena, com um grande número de constituintes eleitos
individualmente, por fora dos partidos, sem experiência e, muitas vezes, sem
seriedade ou consistência.
Entretanto, é bom tomar cuidado antes de
repetir as análises de quase um ano atrás. Segundo a cientista política Talita
São Tiago-Tanscheit, da Universidade Diego Portales, "o último tema da
eleição foi a Constituinte em si". Para a pesquisadora, prevaleceram as
discussões sobre segurança pública e migração. Isso ajuda a entender a vitória
da direita radical.
Também é possível que o sentimento
antissistema que elegeu Boric tenha migrado da esquerda para a direita. São
Tiago-Tanscheit acredita que "qualquer presidente chileno, na conjuntura
atual, seria mal avaliado, pois o mal-estar generalizado com a política é
gigantesco".
O cientista político Noam Titelman, autor
de "La Nueva Izquierda Chilena: de las Marchas Estudantiles a
La Moneda" (Editora Ariel, 2023), suspeita que essa passagem do bastão
"antissistema" pode não ter sido a última: o Partido Republicano
também pode ser vítima da "maldição do vencedor", tornando-se o novo alvo da insatisfação popular. Se a direita insistir
nos modelos de seguridade social fortemente privatistas atualmente existentes,
essa possibilidade será maior.
Por outro lado, ciclos de revolta não
costumam durar para sempre, e a aprovação de uma nova Constituição pode parecer
um ponto
de chegada razoável para uma população já cansada. Resta a Boric aliar-se à
centro-direita para garantir que a predominância momentânea dos reacionários
não se reflita nas regras do jogo chileno para as próximas décadas.
É provável que a Constituição dos sonhos da esquerda chilena nunca tenha sido possível, mas uma Constituição melhor do que a de Pinochet ainda é, e seria uma grande vitória.
" Eu mesmo, social-democrata e simpatizante do velho Partido Socialista Chileno, me sinto tentado a dizer que a nova esquerda chilena deveria se limitar a reformar o Estado de bem-estar do país, cujo caráter privatista foi um dos principais alvos das revoltas da última década. Posso até estar certo, mas também estou fazendo diagnóstico por reflexo ideológico. "
ResponderExcluirHonesto
Honestíssimo,rs.
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