sexta-feira, 12 de maio de 2023

César Felício - Congresso mostra limites de Lula e Lira

Valor Econômico

O presidente ganhou instrumentos orçamentários para pressionar deputados da base aliada, mas viés conservador do Congresso limita sua governabilidade

Comido com o devido cuidado, o que requer roê-lo, com as mãos mesmo, para evitar seus espinhos, o pequi é uma fruta silvestre, iguaria das culinárias goiana e mineira, em geral misturado ao arroz e galinha ou carne de sol. Quem vive no Cerrado conhece e festeja seu sabor único e seu aroma inconfundível. Um projeto de lei para criar a “política nacional do pequi”, portanto, deveria ser uma irrelevância, daquelas que passam anos dormitando sem entrar em pauta, e quando entram, são aprovadas em meio à indiferença geral.

A sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara desta quarta-feira (10) mostrou como os tempos mudaram. A proposta foi alvo de uma discussão durante mais de duas horas no plenário da Comissão, governistas a favor do pequi, bolsonaristas contra, e terminou não sendo votada. O ano legislativo avança com lentidão, com combates corpo a corpo sendo travado a cada rua, a cada quarteirão, em uma guerra interminável.

Falta o espaço para a costura, a negociação. Sobra clima de campanha e parlamentares votando sob influência das redes sociais. Qualquer pauta pode ser vista como “teste da base”, “recado para o governo” e coisas assim.

O desenho do Congresso há tempos tirou força do presidente da República, com a impositividade das emendas individuais, turbinadas agora com R$ 30 milhões garantidos para cada deputado e R$ 50 milhões para cada senador.

Diminuiu também o poder de fogo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a decisão do Supremo Tribunal Federal em dezembro do ano passado que tornou inconstitucional o chamado “Orçamento Secreto”.

Metade do bolo deste orçamento para 2023, de R$ 19 bilhões reajustou as emendas individuais. A outra metade voltou a ser decidida pelo governo federal, que gerencia um rateio de cerca de R$ 3 bilhões para o Senado e R$ 6 bilhões para a Câmara. Durante o governo Bolsonaro empenhos orçamentários eram decididos em ofício do presidente das casas legislativas.

O que acontece neste instante, de acordo com o deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), relator do projeto do pequi, é que cada parlamentar se sente muito empoderado, e, desta forma, bastante independente.

Lira manda muito, mas não tanto quanto mandava até o fim do ano passado. Segundo um importante parlamentar petista, o deputado tensiona a relação com o governo para manter influência sobre os R$ 6 bilhões que serão pagos em emendas não impositivas. Ele depende do sucesso nessa empreitada para controlar a própria sucessão, em 2025. Para alcançar a meta, não convém ao presidente da Câmara uma ruptura com o Planalto.

O governo recuperou instrumentos que Bolsonaro não tinha. Pode manejar os ministérios para dosar o pagamento das emendas e criar musculatura para sua base. É o diagnóstico que faz um oposicionista, o deputado Domingos Sávio (PL-MG), no caso bastante pessimista, desde a sua perspectiva, sobre o rumo da relação entre Executivo e Legislativo.

“O isolamento da oposição é o maior risco que corremos, com o velho fisiologismo. É assustador e deprimente. Só nos resta a resistência e esperar que a população volte às ruas”, disse.

Se Sávio estiver certo, a derrota do governo na votação sobre o decreto do saneamento terá sido um tropeço numa caminhada maior. Estaria nas mãos da articulação política do Planalto usar os instrumentos que dispõe para aprovar sua agenda.

E o Planalto está lançando mão destes instrumentos agora mesmo. Voltou a pagar emendas represadas ainda dos orçamentos administrados por Bolsonaro e começou a liberar as emendas do ex-orçamento secreto que saiu das mãos de Lira e Pacheco.

Vai funcionar? Em termos. O Congresso Nacional eleito no ano passado, se não é propriamente bolsonarista, definitivamente não é lulista. É um Congresso que representa, em seu núcleo dominante, uma continuidade em relação ao Legislativo que afastou Dilma Rousseff, aprovou o teto de gastos, a reforma trabalhista, a reforma previdenciária, a privatização da Eletrobras. Se tivesse um rosto, seria o do ex-presidente Michel Temer.

Um veterano lobista faz um prognóstico: todas as propostas do governo federal que sinalizem convergência com a maioria do empresariado nacional e do mercado tendem a ser aprovadas. Portanto, deve passar o arcabouço fiscal, com um aperto do cabresto sobre o Executivo, caso não consiga cumprir as regras estabelecidas.

Também o Congresso não deve criar entraves para as iniciativas do governo que reforcem uma política social ampla, como ficou nítido durante a votação da PEC da Transição no ano passado.

Senado e Câmara tendem a barrar, entretanto, as iniciativas que contrariem interesses empresariais, o que inclui acima de tudo preservar a herança da pauta econômica das gestões Temer e Bolsonaro. Eis aí um limite que Lula poderá testar, como parece ter feito com a questão do saneamento, mas não irá transpor.

E o que quer que o Legislativo venha a fazer este ano, o fará muito lentamente, dada a dificuldade das lideranças em disciplinar seus liderados. Não há mais as ferramentas disponíveis anteriormente, do lado do Congresso, e nem a capacidade de articulação do Lula de 20 anos atrás, do lado do Executivo. Pequi roído, como se sabe, vale muito pouco.

 

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