terça-feira, 9 de maio de 2023

Dora Kramer - Frente estreita

Folha de S. Paulo

Lula precisa escutar e, sobretudo, atender a quem pensa diferente

presidente da República perdeu quatro meses e dez dias nestes praticamente 130 dias em que colecionou derrotas nunca vistas neste país de Congresso Nacional em geral benevolente com governos estreantes.

Ok, Lula 3 não é uma estreia clássica, mas por isso mesmo deveria ter expertise acumulada no tema articulação.

Falta de experiência não é. Tampouco de reiterados avisos. Provavelmente trata-se de excesso de confiança do mandatário no próprio taco. E este está gasto pela passagem do tempo. Na campanha, o então candidato prometia administrar a relação com o Parlamento na base da "conversa". Imaginava levar suas excelências no papo.

A realidade, contudo, se mostrou mais complexa. Habitualmente arguto, Lula neste mandato parece ter tido sua visão anuviada pelo ego inflado devido à volta por cima. Promete tomar as rédeas da organização da base sustentado no seguinte tripé: liberação de emendas, cobrança de fidelidade e presença nas negociações.

Isso tudo conta, mas é para lá de insuficiente não havendo sensibilidade para perceber que o humor de suas excelências agora tem como referência o fator redes sociais. Congressistas gostam das benesses oficiais, mas gostam também dos votos que os mantêm na condição de interlocutores privilegiados do poder central. Hoje há uma pressão externa inexistente há 20 anos.

A distribuição de cargos e emendas já foi incorporada pelo Legislativo como "obrigação" do Executivo. Falta no elenco de providências o diálogo inclusivo com atenção às demandas reais da sociedade. Escutar e, sobretudo, atender a quem pensa diferente. Lula fala para a esquerda, mas venceu pelo pragmatismo democrático do centro.

Não há como obter êxito na contramão do espírito do tempo. Eleito vestido de frente ampla e governando em figurino de frente estreita, ele agrada a minoria, mas desagrada a maioria.

 

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