terça-feira, 23 de maio de 2023

Dora Kramer - Moeda de troca

Folha de S. Paulo

Cercado por CPIs, Lula se vê sob olhar complacente da base

Se dependesse da vontade de gente séria do governo e da oposição, a comissão mista do Congresso para a alegada apuração dos fatos já investigados em inquéritos sobre o 8 de janeiro subiria no telhado e lá ficaria em eterno descanso. A má vontade é evidente.

Na impossibilidade de recuo, a comissão será instalada junto a outras três (MST, fraudes nas apostas de futebol e Americanas) criadas na Câmara e mais uma (abuso de autoridade) proposta na Casa comandada por Arthur Lira.

Governo nenhum gosta de CPI, o que dirá quatro, quiçá cinco. São instrumentos da minoria —normalmente residência de oposicionistas— e, portanto, carregam o potencial de provocar danos aos locatários do poder em curso.

O problema não está só na imprevisibilidade dos desfechos, mas também, às vezes principalmente, nos rumos dos trabalhos e nos usos que se venham a fazer deles.

Há inúmeros exemplos no Parlamento de comissões criadas apenas para servir a interesses de ocasião. Moedas de troca que, como vêm, vão depender do êxito ou do fracasso dos operadores do escambo e da força dos lobbies.

Daí o empenho habitual em evitá-las. Daí também a estranheza com o misto de inépcia e inércia dos aliados (os fiéis, diga-se) de Lula em tirar tal obstáculo do caminho.

Mesmo desgastado pelo trato nefasto da pandemia, Jair Bolsonaro postergou e só não conseguiu levar a CPI da Covid do banho-maria ao arquivo porque o Supremo Tribunal Federal obrigou o presidente do Senado a parar de se fazer de desentendido e ler o requerimento de instalação.

Em menos de cinco meses, Luiz Inácio da Silva já se vê sob cerco de CPIs e sob olhar complacente da base. Respeito à minoria? Certeza de que vão se perder no palco da lacração? Não pensam assim governistas em experiência de outros carnavais.

Suspeitam de que pode haver menos interesse em investigar que em espreitar a hora certa de chantagear.

 

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