O Globo
Reação de Vinicius Jr. pode ajudar a conter
o racismo
Vini Jr. transformou-se num símbolo
internacional na luta contra o racismo não por ser ativista, mas simplesmente
por não admitir ser ofendido pela cor de sua pele ou ser cerceado nas
comemorações depois dos gols, fazendo dancinhas que não visam a diminuir os
adversários, simplesmente são reflexos de sua alegria e de sua cultura.
Sua resiliência, com o brilho de seu
futebol, está provocando mudanças na estrutura de um esporte que é o mais visto
no mundo, talvez o mais lucrativo. Uma indústria de bilhões de dólares que
perde muito com a imagem manchada pelo racismo.
Enquanto o presidente da Liga Espanhola, Javier Tebas, tenta transformar Vini Jr. em culpado e minimiza os ataques racistas, tanto por ser de extrema direita quanto pelo receio de perder dinheiro, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, teve uma atitude firme e digna: apoiou o jogador ofendido e disse que a partida deveria ter sido encerrada, proposta que está se alastrando entre os jogadores nos times espanhóis.
O racismo sempre esteve presente nos
estádios de futebol em vários países, inclusive no Brasil. A seleção brasileira
em 1958 só escalou negros a partir do terceiro jogo. Eram grandes jogadores:
Pelé aos 17 anos, Garrincha e Djalma Santos. Poucos jogadores, porém, reagiam
às ofensas.
Pelé passou grande parte da vida negando
que tivesse sofrido racismo e, mesmo em 2014, quando admitiu, criticou o
goleiro Aranha, que se revoltara com os xingamentos:
— Ele se precipitou. Se fosse parar o jogo
a cada xingamento de “macaco” ou “crioulo”, tinha que ter parado todos os jogos
de que participei.
Há relatos de um comentário de Didi quando
era treinador no Peru. Teria dito “quando eu era preto” significando “quando eu
era pobre”. Ronaldo Fenômeno, que ontem se posicionou a favor de Vini Jr. e
contra o racismo, demorou a se entender negro. Em 2005, jogava no Real Madrid e
fez o seguinte comentário sobre a discriminação racial nos estádios de futebol:
— Acho que todos os negros sofrem [com o
racismo]. Eu, que sou branco, sofro com tamanha ignorância — declarou na época.
O que parece ter virado a chave na cabeça
de Ronaldo foi seu pai ter sido vítima de racismo no condomínio onde morava, na
Barra da Tijuca. Moradores preferiam usar o elevador de serviço a tê-lo como
companheiro no social. “Seu Nélio”, como é conhecido, fez uma palestra sobre
racismo na escola das netas, o que deixou Ronaldo “cheio de orgulho”.
O governo brasileiro agiu corretamente ao
assumir o protesto contra o racismo a um brasileiro. Tirando a proposta
extravagante do ministro da Justiça, Flávio Dino, de transformar os ataques ao
jogador em crimes extraterritoriais, o que permitiria processar um espanhol
racista, as ações do governo foram corretas, por meio dos canais competentes. O
Itamaraty protestou formalmente, vários ministros entraram em contato com seus
pares na Espanha para exigir ação governamental saneadora, o próprio presidente
Lula se manifestou, assim como o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.
O futebol é um elemento político importante
nas relações internacionais, aspecto do soft power das nações que têm nesse
esporte a projeção de sua sociedade, mestiça, habilidosa, criativa, musical,
como o Brasil. Destacadamente, o Brasil sai na frente e já usou o futebol para
ajudar na ação das Forças Armadas nas ações de paz no Haiti, quando a seleção
brasileira substituiu a guerra civil pela alegria da festa, com Ronaldo Fenômeno
à frente.
Ou quando a presença de Pelé com o Santos
conseguiu suspender outra guerra civil na Nigéria. Ser marcada como uma liga
racista — como Vini Jr., o Real Madrid, o técnico Ancelotti frisaram em suas
manifestações de protesto — não é bom financeiramente para La Liga, cujos
patrocinadores estão sendo pressionados, nem politicamente para a Espanha.
Talvez, graças à reação de Vini Jr., a praga do racismo seja contida.
O Pelé também já disse,''quando eu era preto''.
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