Folha de S. Paulo
Consignou-se que deputados e senadores
podem infringir à vontade as regras
O ato de mentir não é um mal em si. Vai do
exercício da boa educação até a prática de crueldade ou da mera desonestidade,
passando às vezes pela demonstração de generosidade. A mentira anda de braço
dado com a humanidade desde sempre.
Portanto, o projeto de lei que trata da circulação de notícias falsas cujo início de discussão na Câmara está marcado para esta terça-feira (2), não aborda assunto a respeito do qual nada se saiba. Na política há intimidade, excessiva até, com o tema. A novidade é o meio, as redes digitais onde a maioria ainda engatinha.
Nesse contingente majoritário reside a
maior parte dos congressistas que agora têm a tarefa de estabelecer as normas
pelas quais as plataformas deverão se conduzir, certamente com reflexos sobre
o comportamento dos usuários.
Embora suas excelências possam ser
catedráticas na produção de inverdades, são neófitas no diálogo com a
modernidade. Disso dá notícia a barafunda de dissensos no ambiente em que se
inicia a tramitação daquela que é uma obra em aberto à disposição de variados
e poderosos lobbies.
O único consenso por ora é um elogio ao
privilégio tão arcaico quanto indevido. O salvo-conduto para os parlamentares
usarem da imunidade para fazer tudo aquilo que acertadamente seria vedado às
empresas e aos cidadãos: a disseminação de conteúdos impróprios à convivência
em sociedade.
À primeira vista pode parecer um ponto
secundário, mas não é. Ao contrário, é prioritário. A fim de facilitar a
aprovação, consignou-se que deputados e senadores podem infringir à vontade as
regras impostas aos demais mortais sem correr riscos.
Tal licença para transgredir carimba na
proposta de combate às fake news um vício de origem que a suas altezas precisam
ser instadas a consertar. Sob pena de comprometerem o regulamento que, se não
vale para todos, não pode valer para ninguém.
Disse tudo!
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