terça-feira, 2 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Aprovação do PL das Fake News será avanço civilizatório

O Globo

Em vez de usinas de desinformação, ódio e violência, redes sociais serão corresponsáveis pelo que veicularem

Se confirmada hoje a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) das Fake News, a sensação não será apenas de júbilo, mas também de perplexidade. Por que demorou tanto? As plataformas digitais donas das redes sociais e aplicativos de mensagens abusam há anos da paciência de todos. Cúmplices, permitiram a proliferação de ódio e desinformação afetando diferentes esferas — dos direitos humanos à saúde pública, da segurança nas escolas à democracia.

Sob o argumento falacioso de defenderem a liberdade de expressão, elas permitiram que eleições fossem manipuladas por mentiras, campanhas de vacinação boicotadas por teorias conspiratórias e assassinos adestrados por racistas, neonazistas e outros extremistas. A cada nova onda de desinformação, a cada novo massacre em escola, ficava evidente que havia algo de errado. E as plataformas pouco — se algo — faziam em prol do bem comum. Daí a necessidade de uma regulação mais dura.

A principal novidade do PL é torná-las corresponsáveis pelas consequências do que fizerem circular em suas redes. O texto do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), acaba com a isenção garantida pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet. Se aprovado, as plataformas deverão ter um “dever de cuidado” com o ambiente digital, do contrário terão de arcar com sanções judiciais. Na prática, isso significa que continuarão a moderar conteúdo, mas com uma diferença crucial: até agora, fazem isso de acordo com regras que elas próprias inventam e com empenho tíbio. Quando a lei entrar em vigor, após aprovação no Senado e sanção presidencial, terão de seguir a legislação à risca, sobretudo no que diz respeito a democracia, pluralismo, liberdade de expressão e religiosa, privacidade, saúde pública e direitos humanos.

Será exigido que as plataformas ajam de forma preventiva para evitar disseminar conteúdo ilegal. Contas inautênticas e automáticas anônimas serão proibidas. Autores de conteúdos jornalísticos ou artísticos terão de ser remunerados. A veiculação de anúncios e conteúdos pagos deverá ser transparente, com identificação de quem pagou. Auditores independentes farão relatórios periódicos. Não será preciso esperar o Judiciário para haver remoção imediata do que representar xenofobia, pedofilia ou racismo. Nos serviços de mensagem, haverá limite para encaminhamento e será exigido consentimento prévio para inclusão em grupos. Se as plataformas descumprirem a lei, as penas irão de advertência a multas de até 10% do faturamento.

A resistência delas tem uma razão evidente: a lei lhes custará dinheiro. Elas têm plena capacidade de se adequar às novas regras, como já fazem noutros países. As redes sociais no Brasil não terão de se fechar por seguir regras locais. A Alemanha tem legislação similar, e seus internautas acessam postagens de todos os cantos. Os investimentos necessários para ficar em dia com a Justiça serão altos, mas não tornarão inviáveis as operações no Brasil.

O texto final do PL não é perfeito e teve de acomodar todo tipo de demanda. Seja como for, a aprovação representará um avanço civilizatório no ambiente digital brasileiro. Vários pontos estarão sujeitos ao teste da realidade e deverão ser aperfeiçoados no futuro. Mas certamente, se o projeto for aprovado, será um futuro bem melhor que a realidade atual, em que as redes sociais viraram terreno fértil para o florescimento da desinformação, do ódio e da violência.

Queimadas em campos e florestas não podem ser vistas como normais

O Globo

Elas cresceram nos últimos três anos e atingiram, em quatro décadas, mais de um quinto do território nacional

No período de 38 anos entre 1985 e 2022, as queimadas atingiram 21,8% do território nacional, extensão equivalente às áreas somadas de Colômbia e Chile, de acordo com dados do projeto MapBiomas recém-divulgados. Não é uma situação tolerável, quando se sabe que os incêndios e a perda de cobertura florestal respondem pela maior parte das emissões brasileiras de gases causadores do efeito estufa.

É verdade que agricultores pouco instruídos ainda usam o fogo para limpar o terreno antes do plantio ou para abrir novas áreas de pastagens para o gado. Eles são, de acordo com Ane Alencar, pesquisadora do MapBiomas, os maiores responsáveis pelas queimadas. Mas não se pode jogar toda a culpa dos incêndios nas costas deles. Principalmente nos últimos anos, aumentou a responsabilidade do desmatamento ilegal, facilitado pelo esvaziamento dos órgãos de fiscalização Ibama e ICMBio.

Está aí a explicação para que, no ano passado, mesmo com maior umidade na Amazônia devido ao El Niño, a área atingida por queimadas na região tenha dobrado em relação a 2021, para 6,6 milhões de hectares. “Se as condições climáticas fossem propícias ao fogo, teríamos uma tragédia”, diz Ane Alencar. Há incêndios provocados por grileiros bem organizados que, depois de derrubar a floresta e vender a madeira, limpam o terreno com fogo para plantar grãos ou criar gado.

Nesses 38 anos, 48% das áreas atingidas queimaram entre duas e quatro vezes, para uso na agricultura ou na pecuária. Os 52% restantes têm relação com o desmatamento ilegal, sobretudo na Amazônia. No ano passado, a região bateu recorde em perda de cobertura vegetal: 10.500 quilômetros quadrados, quase 3 mil campos de futebol por dia, segundo monitoramento por satélite do Imazon.

Três anos atrás, segundo o MapBiomas, 19,6% do país tinha queimado, e 65% da área destruída era vegetação nativa. Agora, além do aumento para quase 22% do território, as queimadas atingiram proporção maior de vegetação natural, 68,9%. Em 38 anos foram queimados 19,2% da Amazônia, uma tragédia sem paralelo. A floresta desmatada e queimada por ação humana perde resistência, e, com a sucessão de incêndios, o fogo passa a destruí-la até por baixo da terra. Na Amazônia, diz Ane Alencar, só ocorrem incêndios naturais com tal poder destrutivo em tempestades de raios a cada 200 anos.

Outra preocupação é o Pantanal, com pouco mais da metade da área atingida por queimadas. O incêndio que varreu a região em 2020 foi um marco: recorde de 3,9 milhões de hectares destruídos, matando 16,9 milhões de vertebrados, entre lagartos, aves e primatas.

Já passou da hora de o Estado enfrentar o crime ambiental das queimadas. É preciso aumentar o nível de informação do produtor rural e coibir desmatadores e grileiros. O trabalho precisa ter continuidade entre governos para evitar que o Brasil queime o que resta de seu patrimônio natural.

Promessas de risco

Folha de S. Paulo

Pauta sindical, abraçada por Lula, nem sempre se traduz em boa política pública

De longe a maior figura histórica do sindicalismo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deixaria de aproveitar um 1º de Maio para mobilizar sua base política mais poderosa e atuante. Entretanto a pauta das categorias organizadas, por legítima que seja, nem sempre se traduz nas melhores escolhas para as ações de Estado.

O exemplo mais escandaloso é a promessa, reafirmada em cadeia nacional de rádio e TV e a ser cumprida até o fim do mandato, de isentar do Imposto de Renda ganhos de até R$ 5.000 mensais.

Mesmo que houvesse —e não há nem haverá— folga no Orçamento para tamanha benesse, a medida seria um erro. Trata-se de favorecer setores com rendimentos muito superiores aos da média dos trabalhadores do país, de R$ 2.880 segundo os dados do IBGE.

O governo nem mesmo apresentou cálculos para o custo do compromisso, mas especialistas estimam algo entre R$ 100 bilhões e R$ 200 bilhões anuais em perda de arrecadação, a depender dos procedimentos adotados.

Como o Tesouro é deficitário, a aparente bondade resultaria em mais dívida pública, a ser paga por toda a sociedade com juros elevados. Seria a pá de cal sobre o programa fiscal proposto pela pasta da Fazenda, já recebido com ceticismo por depender de um crescimento exagerado das receitas.

Não há maior comoção porque sobram dúvidas sobre se o mandatário levará a cabo sua promessa —já descumprida, aliás, pelo antecessor, Jair Bolsonaro (PL). De todo modo, Lula joga contra sua credibilidade, agora ou mais à frente.

É também delicado, no contexto atual, o anúncio da volta da política de reajustes anuais do salário mínimo acima da inflação, embora em termos ainda vagos.

O mínimo não tem a mesma importância para a redução da pobreza de 20 anos atrás, no primeiro mandato do petista —ainda mais depois que o Bolsa Família, que atende os estratos mais carentes, triplicou de tamanho.

Caberia discutir, por exemplo, a desvinculação entre o piso salarial e os benefícios da Previdência, sobre a qual recairia o maior impacto de eventuais reajustes reais. A expansão da maior despesa federal encurtaria o espaço orçamentário para prioridades como saúde, hoje subfinanciada, e infraestrutura.

Há muito a fazer, sem dúvida, para tornar a tributação e o gasto público mais justos e eficientes. Do lado da receita, reduzir o peso dos impostos sobre o consumo, que oneram os mais pobres, e aumentar o da taxação das rendas mais elevadas. Na despesa, eliminar privilégios a setores influentes.

Sindicatos podem e devem apresentar seus pleitos, mas o presidente precisa levar em conta os interesses de toda a sociedade, em especial os da maioria desmobilizada.

Demarcação, enfim

Folha de S. Paulo

Lula revive homologação de terras indígenas e põe fim à incúria bolsonarista

O hiato obscurantista capitaneado por Jair Bolsonaro (PL) na questão indígena teve desfecho concreto na sexta-feira (28). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou decreto de homologação de seis terras indígenas (TIs), o que não ocorria desde 2018.

A medida sela a reviravolta iniciada com a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a transferência da Funai para sua alçada, vinda da pasta da Justiça. Ademais, os dois órgãos passaram a ser chefiados por representantes de povos originários, respectivamente Sônia Guajajara e Joenia Wapichana.

Com a homologação, o governo dá consequência prática à reorientação da política setorial e retoma o reconhecimento do direito constitucional das etnias a suas terras.

A Constituição de 1988 estipula no artigo 231 que o direito às TIs é originário e que à União compete apenas demarcá-las e protegê-las. Contudo, até o decreto de sexta restavam por homologar 242 delas, enroscadas em alguma fase preliminar do processo (restrição de uso, identificação e declaração).

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), os territórios pendentes somavam mais de 105 mil km² (ante 1,06 milhão km² de 490 TIs que tinham reconhecimento finalizado). As seis glebas demarcadas agora abrangem 13,2 mil km² nas regiões Norte, Nordeste e Sul.

Bolsonaro cumpriu sua promessa eleitoral de não demarcar "nem um centímetro", o que contribuiu para acentuar a imagem brasileira de pária internacional. Mas não foi o primeiro a negligenciar a obrigação indicada na Constituição.

Ainda conforme o ISA, os presidentes que mais homologaram foram o tucano Fernando Henrique Cardoso (296,1 mil km², na média por mandato) e Fernando Collor (264 mil km² em dois anos e meio).

Lula oficializou cerca de 93 mil km² por mandato. Com Dilma Rousseff (PT), o ritmo despencou para 32,6 mil km² até o seu impeachment. Michel Temer (MDB) homologou meros 192 km².

Bolsonaro não demarcou e, para piorar, trouxe a índole desumana de seus incentivos ao garimpo ilegal e ao desmatamento.

A presente retomada da homologação de terras indígenas, ainda que poucas até aqui, devolve o Brasil ao campo das nações que buscam eliminar nódoas sociais que o período colonial impõe ao presente e ao papel de protagonista global na seara do meio ambiente.

Maestro ausente

O Estado de S. Paulo

A desarticulação do governo não é obra de um ou outro ministro, mas do distanciamento de Lula, mais preocupado em reescrever o passado do que em negociar o futuro com o Congresso

A desarticulação do governo é obra de Lula, mais interessado em reescrever o passado.

Há uma percepção, cada vez mais consolidada, de que o governo federal está desarticulado. São muitos os elementos que expõem a ausência de coordenação do Executivo, especialmente em sua relação com o Legislativo. Há quem atribua a responsabilidade dessa situação ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Outros apontam para o chefe da Casa Civil, Rui Costa, ou mesmo para os líderes do governo no Congresso. São muitas as narrativas possíveis.

Questionado a respeito da dificuldade do governo na formação de uma base aliada minimamente consistente, o deputado federal Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara e presidente nacional do Republicanos, fez uma observação pertinente, em entrevista ao jornal Valor. Comparando o governo a uma orquestra, reconheceu que “cada um toca um instrumento, mas tem um maestro” e, “se o maestro reger errado, a orquestra desafina”. Por isso, disse não ter dúvida de que o responsável pela desafinação do governo “é o presidente”.

São muitos os contrastes entre o terceiro mandato de Lula e seu primeiro, 20 anos atrás, e um deles é certamente a disponibilidade do presidente para a negociação com parlamentares. Quando foi eleito pela primeira vez, Lula recebia deputados e senadores com frequência em seu gabinete, o que, em Brasília, costuma acalmar ânimos e construir lealdades. Hoje, como mostrou o Estadão recentemente, o acesso a Lula ficou bem mais restrito, e avolumam-se as queixas de parlamentares que se sentem desprestigiados pelos ministros encarregados de recebê-los.

A ideia por trás dessa estratégia é proteger Lula do apetite do Centrão. Faz sentido, mas o problema é que as condições de governabilidade mudaram muito de 20 anos para cá. No primeiro mandato, Lula ainda tinha instrumentos poderosos para arregimentar apoio no Congresso; hoje, com o avanço parlamentar sobre o Orçamento, os trunfos do Executivo minguaram.

Ademais, não há como comparar o time de articulação política de Lula em 2003, cheio de experientes operadores que tinham interlocução franca com o presidente e excelente trânsito no Congresso, com o atual, composto por inexpressivos lugares-tenentes nos quais os parlamentares não reconhecem Lula.

Nada disso condiz com a mitologia criada em torno de Lula, reconhecido até por seus adversários como habilidoso negociador. E, em se tratando de seu terceiro mandato, esperava-se que, graças a essa experiência, Lula tivesse ainda menos dificuldade na articulação política.

Mas Lula não tem ajudado. Perdido em devaneios ególatras sobre sua redenção depois da prisão por corrupção e depois do impeachment de sua criatura, Dilma Rousseff, por incompetência e má gestão, Lula parece muito mais interessado em reescrever o passado do que em lidar com o espinhoso presente e em construir o futuro num país ainda muito dividido.

Lula gasta energia em interpretar o estadista que imagina ser e em apregoar uma agenda econômica anacrônica que mistura ranço estatista com prodigalidade populista. Enquanto o presidente se deixa encantar pelo som da própria voz, as forças políticas se organizam no Congresso praticamente sem sua participação. Isso explica a inoperância de seu time político, incapaz, por exemplo, de frear a instalação de CPIs contrárias a seus interesses.

Não é, definitivamente, um cenário que inspire confiança em relação às votações importantes que estão por vir, sobretudo a do novo regime fiscal – que não tem consenso nem entre os petistas – e a da prometida reforma tributária.

São assuntos difíceis, politicamente complicados, que exigem dedicação máxima do presidente. Não são reformas que se aprovam por inércia, por simples transcurso do tempo. Exigem foco, trabalho e muita negociação. No entanto, Lula tem atuado como se esses assuntos não fossem com ele.

Depois de quatro anos do pesadelo de Jair Bolsonaro, um presidente totalmente alheio ao Congresso, esperavase que, com Lula, a coisa fosse diferente. Ainda há tempo de ser, mas os primeiros meses do governo, marcados por desorientação e fragilidade, desautorizam otimismo.

Radiografia da desconfiança

O Estado de S. Paulo

Ansiedade econômica e polarização política se retroalimentam em um ciclo de desconfiança. A sua reversão dependerá de mais cooperação entre a iniciativa privada e o poder público

O ano passado deveria ter marcado o retorno à normalidade. Mas os lockdowns na China, a invasão da Ucrânia e as pressões sobre o custo de vida fizeram de 2022 um ano turbulento. O otimismo econômico colapsou e os riscos de polarização política se acentuaram. Essas são as principais constatações da última edição do Barômetro de Confiança Edelman, uma pesquisa de opinião em 28 países.

Enquanto a crise provocada por um micro-organismo fora do controle humano ampliou os índices de solidariedade e de confiança nas autoridades, as crises provocadas pela ação humana em 2022 precipitaram um aumento substancial dos medos pessoais (como perda de emprego e renda) em relação aos sociais (como mudanças climáticas ou escassez de comida e energia).

O mundo se tornou mais polarizado. Seis países se moveram da “divisão” para a “polarização”, em que as divisões são calcificadas e a ideologia se torna uma identidade. Entre os entrevistados que dizem ter “convicções fortes”, só 30% ajudariam uma pessoa de quem “discordam fortemente” e só 20% estariam dispostos a tê-la na mesma vizinhança ou como colega de trabalho.

O levantamento sugere quatro forças polarizantes. Primeiro, desempenho e expectativas econômicas: 24 dos 28 países registraram recordes de pessoas que pensam que suas famílias estarão em piores condições em cinco anos.

Depois, o desequilíbrio institucional: grandes lacunas entre a confiança no poder público e na iniciativa privada são problemáticas. Em mais da metade dos países, essa lacuna supera 10 pontos porcentuais. Hoje, as empresas são a única instituição vista como competente e ética.

Terceiro, a divisão de classes. A inflação está corroendo as esperanças dos pobres. Em 75% dos países, há uma lacuna de 10 pontos porcentuais ou mais entre a confiança dos 25% mais ricos e a dos 25% mais pobres.

Quarto, a “batalha pela verdade”. Desde que, em meados da década passada, as redes sociais foram empregadas como arsenal político, como nas eleições nos EUA ou no Brexit, houve um declínio, agravado na pandemia, da confiança na informação e em especialistas. Hoje, no sentir dos entrevistados, a mídia (especialmente as redes sociais) é a instituição menos confiável do mundo.

Os índices de confiança entre os brasileiros são razoáveis, mas há sinais de deterioração: 58%, por exemplo, estão otimistas para os próximos cinco anos (a média global é de 40%), mas houve queda de 15 pontos em um ano. O Brasil também está entre os países em risco de polarização severa: 80% acreditam que ele está “mais dividido do que no passado”; e 78%, que nunca se viu tanta “falta de civilidade e respeito mútuo” – as médias globais são respectivamente de 53% e de 65%.

Há aí advertências para o mundo político. Primeiro, o risco de ruptura social com as táticas de demonização do adversário (o “nós contra eles”). Depois, o descrédito em relação à iniciativa privada é um convite à cooperação, por exemplo, via Parcerias Público-Privadas ou concessões.

Há uma demanda por protagonismo de lideranças empresariais. Mas, se elas confundirem atuação cívica com ativismo político, longe de colaborar com as instituições públicas ou reduzir a polarização, só correrão o risco de desacreditar suas empresas. Antes que se politizar, o mundo empresarial deve fortalecer os alicerces de sua credibilidade pública, por exemplo, buscando métricas comuns e transparentes de práticas ESG (ambientais, sociais e de governança), retirando anúncios de plataformas que promovem desinformação ou expondo a ciência por trás de suas inovações.

“Inovação, formação e oportunidade são as palavras de ordem da esperança e precisamos pôr a esperança de volta no sistema”, disse o CEO da Edelman, Richard Edelman, dirigindo-se aos empresários. Para ele, a pandemia erodiu a confiança nos governos e é preciso dar aos gestores públicos a oportunidade de recuperá-la. Isso demanda “negócios inteligentes”, e não “ilusão progressista”. Precisamos, diz ele, corretamente, “ajudar a reparar o tecido social”. “Façam o que é correto, e a ação conduz à confiança.”

Os militares e a política

O Estado de S. Paulo

Comandante do Exército diz que militar que quiser fazer política deve deixar a farda, o que deveria ser óbvio

O bolsonarismo submeteu as Forças Armadas a seu maior teste de estresse desde a redemocratização do País. Na Presidência da República, e como comandante supremo, Jair Bolsonaro tudo fez para envolver os militares em seus planos liberticidas – inúmeras vezes, por exemplo, referiu-se ao Exército como “meu Exército”. Mas as eleições vieram, Bolsonaro foi derrotado, houve uma tentativa frustrada de golpe por parte de bolsonaristas e não se tem conhecimento de qualquer plano nos quartéis para promover uma ruptura institucional, donde se conclui que, mesmo na confusão, permaneceu intacto o respeito do Comando das Forças Armadas pela normalidade democrática.

Ainda assim, há muito a ser feito para desassociar os militares do bolsonarismo. Nesse sentido, é notável o esforço, em particular, do comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva. Em recente entrevista ao jornal Valor, o general Tomás declarou que militares que querem disputar eleições devem deixar a farda: “Se um militar quer ser político, que mude de profissão”.

Ora, a essência do bolsonarismo era confundir militares com a política, a ponto de mandar às favas o mandamento da disciplina e da hierarquia em nome de interesses eleitorais – como aconteceu com o general Eduardo Pazuello no infame comício bolsonarista de que participou mesmo sendo militar da ativa, à revelia do ordenamento castrense. O objetivo de Bolsonaro era, na prática, apropriar-se das Forças Armadas como se fossem sua guarda pretoriana.

O general Tomás também enfatizou quão estapafúrdia é a tentativa de atribuir às Forças Armadas um poder que elas não têm, qual seja, o de “arbitrar” crises entre os Poderes da República. Muito se falou sobre isso ao longo do governo de Jair Bolsonaro. A tese está baseada em uma interpretação sediciosa do artigo 142 da Constituição. “O texto (constitucional) está bem escrito”, disse o general. “Quem interpreta a Constituição no Brasil é o Supremo Tribunal Federal. Esse papel (das Forças Armadas) está bem definido.”

Em qualquer país democrático, falas como essas do general Tomás deveriam ser ociosas. O registro se impõe, no entanto, quando se observa o histórico de turbulências políticas havidas no Brasil na última década, sobretudo nos últimos quatro anos, que culminaram na eleição de um “mau militar” para a Presidência, em 2018, e no infame 8 de Janeiro.

Pouco antes de ser nomeado pelo presidente Lula da Silva, convém lembrar, o general Tomás fez um discurso no qual defendeu em termos enfáticos a Constituição e o regime democrático, em particular a supremacia da vontade popular e a alternância pacífica de poder. A rigor, o que o general Tomás disse naquela ocasião, à luz da Lei Maior, não foi mais do que a reafirmação de algumas obviedades. Mas, nestes tempos tão esquisitos, algumas obviedades precisam mesmo ser ditas.

Na atual quadra histórica, é reconfortante saber que no comando do Exército está um general comprometido com as liberdades democráticas. Mas, evidentemente, é preciso enfatizar que esse compromisso não pode depender dos humores do comandante de turno. Afinal, o cumprimento da Constituição não é uma escolha pessoal.

Sinais mistos põem em xeque a recuperação da economia

Valor Econômico

Indicação de cautela é reforçada pelas incertezas em relação à aprovação do novo regime fiscal

Nos últimos dias uma onda de revisão de estimativas para a economia agitou o mercado financeiro. A previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) subiu após a divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) de fevereiro bem acima do esperado. Considerado uma prévia do PIB, o IBC-Br subiu, animado pela agropecuária e pelos serviços. Os dados do mercado de trabalho mostraram também uma resistência inesperada e aumento da renda dos assalariados. Mas a indústria e o varejo têm ficado para trás.

O IBC-Br de fevereiro subiu 3,32% acima do patamar de janeiro, superando em até três vezes a mediana das projeções. Foi o maior avanço em um mês desde o registrado em junho de 2020, após a freada brusca causada pela pandemia, e o maior patamar desde março de 2014. Em 12 meses, o IBC-Br passou a acumular alta de 3,08%. Com isso, a previsão para o PIB deste ano, que estava abaixo de 1% na pesquisa Focus realizada pelo Banco Central junto ao mercado, passou a ser reajustada, chegando perto de 2% para alguns especialistas. De toda forma ficaria abaixo de 2022, quando aumentou 2,7%, e mais em linha com o patamar medíocre dos

anos anteriores à pandemia, na hesitante saída da recessão de 2015 e 2016.

O início do ano melhor do que o esperado surpreendeu economistas, especialmente porque os juros seguem elevados. Mas o desempenho dos diversos setores não tem sido homogêneo. O avanço está sendo liderado pela agropecuária e pelos serviços, que ignoraram o tenso debate sobre ajuste fiscal e os rumos da política monetária que vem marcando os últimos meses.

A perspectiva é que a agropecuária, muito influenciada pelo cenário internacional, vai crescer ao redor de 7% neste ano, depois de ter recuado 1,7% no ano passado, prejudicada pelo clima adverso e pela crise com a escassez de fertilizantes causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. A safra de grãos reagiu neste ano e deve crescer 14%, segundo a Conab, para 310,6 milhões de toneladas, sendo 155 milhões de soja, uma marca recorde, com aumento de 20%, e poderoso efeito desinflacionário, apontam especialistas.

O faturamento do setor de serviços teve aumento de 1,1% em fevereiro. Não compensou a queda de 3% de janeiro e mostra uma certa desaceleração em comparação com meses anteriores, mas revela uma disseminação da recuperação, registrada em três dos cinco setores acompanhados pelo IBGE, com destaque para dois - transportes, armazenagem e correios e informação e comunicação. Serviços prestados às famílias recuaram e ainda estão abaixo do nível pré-pandemia.

Já o varejo e a indústria não tiveram um bom fevereiro e se mostraram mais sensíveis aos juros elevados. Depois de terem crescido apenas 0,2% em janeiro, as vendas do varejo caíram 0,1% em fevereiro na comparação com o mês anterior. As vendas do varejo ampliado, que inclui material de construção, veículos e atacado alimentício, porém, subiram 1,7% em fevereiro.

Desempenho pior teve a indústria, que registrou em fevereiro a terceira queda mensal consecutiva, com recuo de 0,2% da produção em relação a janeiro, que está 2,6% abaixo da pré-pandemia, de fevereiro de 2020. As previsões para o ano são de que o setor ficará estagnado, apesar do esperado crescimento da indústria extrativa mineral, que será ofuscado pela contração da indústria de transformação. A conjuntura de política monetária apertada e crédito caro é desfavorável ao setor. O Estado de São Paulo, geralmente a locomotiva do setor industrial, recuou 0,7% em fevereiro para um patamar 25% abaixo do seu pico, registrado há 22 anos, segundo o IBGE.

Mesmo com o aumento da taxa de desemprego para 8,8% no primeiro trimestre de 2023 em comparação com os 7,9% registrados no quarto trimestre móvel de 2022, constatado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, houve aumento de 0,7% na renda média dos trabalhadores no período, na comparação com os três meses anteriores.

Os estímulos fiscais do ano passado ainda surtiram efeito ao longo desse tempo. O novo governo promete mais, o que deve ajudar a economia. O aumento do salário mínimo a partir deste mês vai resultar em uma injeção de R$ 9,5 bilhões. A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) vai liberar mais R$ 3,4 bilhões para o consumo nessa primeira etapa.

Mas os sinais contraditórios na economia desautorizam maiores entusiasmos. A indicação de cautela é reforçada pelas incertezas em relação à aprovação do novo regime fiscal e aos rumos da política monetária.

 

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