O Globo
Ele não entendeu que milhões não queriam
Lula de volta. Só preferiam qualquer coisa a mais quatro anos de desprezo pela
vida
Ele veio ao mundo em parto complicado, num
8 de janeiro. Suas primeiras palavras não foram mamãe ou gugu dadá, mas um
irônico “Faz o L!” — o que inspirou a família na hora do batismo.
Precoce, porém nada sagaz, Fazuélysson não
consegue, até hoje, articular outra coisa que não seja isso. “Faz o L!” é seu
único argumento, a síntese de sua cosmovisão. O slogan surrupiado da campanha
do PT —
agora com o sentido de “Eu avisei! Não adianta chorar sobre o pleito derramado”
— virou um mantra, e é com ele que desdenha qualquer reparo que se faça ao novo
governo.
Fazuélysson teme que Lula transforme o Brasil numa Venezuela, por regressão constitucional: corrupção gradativa das instituições, submissão do Judiciário ao Executivo, manipulação da mídia, cooptação das Forças Armadas. Mas faz cara de paisagem quando alguém lembra aquela história de fechar o STF com um soldado e um cabo, os ataques à imprensa nas laives e nos comícios no cercadinho do Alvorada ou a militarização, em todos os níveis, do governo anterior.
Fazuélysson garante que é contra a censura
e trata o PL das Fake News como uma guerra entre Deus e o diabo na terra do PT
e do PSOL.
Mas se mantém reticente quando o assunto é a pressão pelo fechamento da mostra
“Queermuseu”, a ordem para que os serviços de streaming tirassem de catálogo a
comédia “Como se tornar o pior aluno da escola” e a tentativa de proibir a
circulação do gibi com desenho de um beijo gay. Liberdade total de expressão,
sim, mas com moderação...
Uma coisa que Fazuélysson ainda não
entendeu (e talvez jamais venha a entender) é que milhões de brasileiros não
queriam Lula de volta. Apenas preferiam qualquer coisa a mais quatro anos de
desprezo pela vida, pela cultura, pelos valores democráticos. Até Lula — com
seu vasto histórico de maracutaias — seria melhor que a reincidência numa
gestão incompetente, com ataques a grupos minoritários e devastação sistemática
da Amazônia.
Mais que eleitores que “fizeram o L”, eram cidadãos que se recusavam a fazer a
arminha e dar mais uma chance à insanidade.
Fazuélysson não perdoa quem, tendo votado
em Lula (por amor ou temor), se ache no direito (ou no dever) de alertá-lo
sobre os riscos de não ouvir conselhos — ou só dar ouvidos aos maus
conselheiros —, de embicar demais à esquerda ou de engatar marcha a ré, quando
a maioria quer é ir para a frente. Claro: Fazuélysson sabe que, quanto mais o
presidente prosseguir na toada em que vai, mais chance haverá de o pêndulo
voltar à posição em que estava em 2018 —um revival do “Ele não” x “L não”. Cada
vez que o governo enfia o pé na jaca (e, neste ritmo, vai faltar jaca no
mercado), Fazuélysson esfrega as mãozinhas, esperançoso. E cobra da atual
administração tudo o que relevava na anterior: conivência com o orçamento
secreto, apoio a ditaduras, pactos espúrios, imodéstia nos gastos pessoais.
Fazuélysson tem uma relação tóxico-afetiva
com Isa Geralda, sua vizinha de porta (e suposta antípoda). Para Isa, que faz
uso hiperbólico do idioma, a opção de viver no exterior é exílio, qualquer
desconforto é fobia, cantada é assédio, assédio é estupro, neoliberais — sem
medo de vulgarizar os momentos mais nefastos da História — são fascistas, e
juros altos são genocidas.
Roga-se que não procriem.
Pois é!
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