sábado, 27 de maio de 2023

Eduardo Affonso - Marshall, Monroe e Lula

O Globo

Se tudo der errado, pode-se ter de volta não o possivelmente inelegível Bolsonaro, mas alguém da mesma estirpe

Grandes estrategistas mudam o rumo da História. Na Segunda Guerra, George Marshall Jr. reestruturou o Exército americano, comandou os aliados e articulou a invasão da Normandia. Ganhou a guerra e, de quebra, o Nobel da Paz. Secretário de Estado no governo Truman, idealizou o Plano Marshall, que acelerou a reconstrução da Europa — com direito a uma turbinada no capitalismo e à contenção da “ameaça comunista”.

No Brasil convalescente da pandemia e da (indi)gestão bolsonarista, o que temos é o Plano Lula: retomada da indústria naval (para tirar estaleiros — e seus donos — da recuperação judicial), incentivos à indústria automobilística (para produzir carros “populares” de R$ 60 mil) e investimentos na extração de combustíveis fósseis (energia limpa, para quê?).

Já vimos esse roteiro nas temporadas 1 e 2 de “Lula Paz e Amor” e nos spin-offs “Dilma 1” e “Dilma 2”. O que “Lula 3, O amor venceu” traz de novidade é o cenário: num mundo voltado para a tecnologia, a eficiência e a sustentabilidade, tudo isso soa caduco.

Segundo o Plano Lula, pobre não precisa de transporte público de qualidade, mas de um carrinho minguado — com preço acessível à classe média, e olhe lá. Não importa se mais automóveis geram mais engarrafamentos e poluição, se demandam mais combustível: com a Amazônia a salvo da boiada do Salles, pode-se furar poço ali sem as devidas salvaguardas. Preservação ambiental é apenas uma expressão bonita num programa de governo. E nem dói.

O plano inclui alinhar-se ao pior estrategista dos últimos tempos, aquele que há um ano e três meses vem tentando tomar a Ucrânia em poucos dias. Como Putin, Lula tem tudo para perder a guerra que considerava ganha (contra o Centrão) — e vai ficar a ver navios quanto a seu Nobel da Paz.

Estadistas também encontram um jeito de deixar sua marca na História. Há 200 anos, James Monroe cravou (não se sabe se com ou sem a ajuda de um marqueteiro): “América para os americanos”. A Doutrina Monroe estabelecia que os países europeus não retomariam sua política colonialista no Novo Mundo — os Estados Unidos, esses sim, deveriam se expandir, passando por cima de quem encontrassem pelo caminho. Seguiu-se um faroeste (literal), justificado como vontade divina (o tal “destino manifesto”). Estava ali o embrião da Pax americana — a emergência dos Estados Unidos como um império, com uma reserva de mercado: a América Latina sob suas asas.

Temos agora a Doutrina Lula, que atribui à vítima a culpa pelos ataques sofridos e a responsabilidade pelas consequências, caso não ceda ao agressor. Se vale para a Ucrânia invadida, valerá também para os ianomâmis (que não entregam parte de seu território aos garimpeiros ilegais) e para Vini Jr. (enquanto ele não fizer concessões, não haverá paz com os torcedores racistas), certo?

Monroe e Marshall miravam o futuro. Lula aponta para o passado, para o que levou à inflação, à corrupção e ao mensalão (já retomado, sob novo nome fantasia). E ainda flerta com dois abismos: a Pax russica e a Pax sinica. Aliás, os abismos são três: se tudo der errado, pode-se ter de volta não o possivelmente inelegível Bolsonaro, mas alguém da mesma estirpe. E aí não haverá Plano Marshall ou Doutrina Monroe tupiniquins que nos devolvam, tão cedo, um lugar no futuro.

Pax brasiliana, então, nem pensar.

 

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