O Globo
Se tudo der errado, pode-se ter de volta
não o possivelmente inelegível Bolsonaro, mas alguém da mesma estirpe
Grandes estrategistas mudam o rumo da
História. Na Segunda Guerra, George Marshall Jr. reestruturou o Exército
americano, comandou os aliados e articulou a invasão da Normandia. Ganhou a
guerra e, de quebra, o Nobel da Paz. Secretário de Estado no governo Truman,
idealizou o Plano Marshall, que acelerou a reconstrução da Europa — com direito
a uma turbinada no capitalismo e à contenção da “ameaça comunista”.
No Brasil convalescente da pandemia e da
(indi)gestão bolsonarista, o que temos é o Plano Lula:
retomada da indústria naval (para tirar estaleiros — e seus donos — da
recuperação judicial), incentivos à indústria automobilística (para produzir
carros “populares” de R$ 60 mil) e investimentos na extração de combustíveis
fósseis (energia limpa, para quê?).
Já vimos esse roteiro nas temporadas 1 e 2 de “Lula Paz e Amor” e nos spin-offs “Dilma 1” e “Dilma 2”. O que “Lula 3, O amor venceu” traz de novidade é o cenário: num mundo voltado para a tecnologia, a eficiência e a sustentabilidade, tudo isso soa caduco.
Segundo o Plano Lula, pobre não precisa de
transporte público de qualidade, mas de um carrinho minguado — com preço
acessível à classe média, e olhe lá. Não importa se mais automóveis geram mais
engarrafamentos e poluição, se demandam mais combustível: com a Amazônia a
salvo da boiada do Salles, pode-se furar poço ali sem as devidas salvaguardas.
Preservação ambiental é apenas uma expressão bonita num programa de governo. E
nem dói.
O plano inclui alinhar-se ao pior
estrategista dos últimos tempos, aquele que há um ano e três meses vem tentando
tomar a Ucrânia em
poucos dias. Como Putin, Lula tem tudo para perder a guerra que considerava
ganha (contra o Centrão) — e vai ficar a ver navios quanto a seu Nobel da Paz.
Estadistas também encontram um jeito de
deixar sua marca na História. Há 200 anos, James Monroe cravou (não se sabe se
com ou sem a ajuda de um marqueteiro): “América para os americanos”. A Doutrina
Monroe estabelecia que os países europeus não retomariam sua política
colonialista no Novo Mundo — os Estados
Unidos, esses sim, deveriam se expandir, passando por cima de quem
encontrassem pelo caminho. Seguiu-se um faroeste (literal), justificado como
vontade divina (o tal “destino manifesto”). Estava ali o embrião da Pax
americana — a emergência dos Estados Unidos como um império, com uma reserva de
mercado: a América Latina sob suas asas.
Temos agora a Doutrina Lula, que atribui à
vítima a culpa pelos ataques sofridos e a responsabilidade pelas consequências,
caso não ceda ao agressor. Se vale para a Ucrânia invadida, valerá também para
os ianomâmis (que não entregam parte de seu território aos garimpeiros ilegais)
e para Vini Jr. (enquanto ele não fizer concessões, não haverá paz com os
torcedores racistas), certo?
Monroe e Marshall miravam o futuro. Lula
aponta para o passado, para o que levou à inflação, à corrupção e ao mensalão
(já retomado, sob novo nome fantasia). E ainda flerta com dois abismos: a Pax
russica e a Pax sinica. Aliás, os abismos são três: se tudo der
errado, pode-se ter de volta não o possivelmente inelegível Bolsonaro, mas
alguém da mesma estirpe. E aí não haverá Plano Marshall ou Doutrina Monroe
tupiniquins que nos devolvam, tão cedo, um lugar no futuro.
Pax brasiliana, então, nem pensar.
Cruz credo,pé de pato três vezes!
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