Valor Econômico
Entre os objetos de decoração de um amplo
gabinete localizado no quarto andar do Palácio do Planalto, o que mais chamava
a atenção de autoridades do novo governo era a galeria de fotografias em
homenagem aos ex-ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que
incluía os retratos de todos os antigos chefes do Serviço Nacional de
Informações (SNI). “É uma herança da ditadura”, ouvia-se, entre vestígios do
quebra-quebra realizado dias antes por uma turba de golpistas.
Até o dia 31 de dezembro, véspera da posse,
quem por lá despachava era justamente o ex-ministro do GSI do governo anterior,
general Augusto Heleno, homem de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A decoração da sala também continha o quadro de uma onça pintada, símbolo do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs) do Exército, organização da qual Heleno fizera parte em sua longa carreira militar. A imagem daria lugar, pelo menos de acordo com os planos iniciais dos novos inquilinos, à foto oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na outra extremidade da repartição, via-se
um grande mapa do Brasil, ao qual Heleno recorria sempre que decidia fazer
alguma exposição aos presentes sobre a situação na Amazônia, os desafios que o
Estado brasileiro enfrentava para atuar na região ou sobre a imensidão das
fronteiras nacionais. Mas o que incomodava mesmo os novos frequentadores do
local era a sequência de retratos daqueles que estiveram à frente do órgão
criado em 1964 para, segundo as palavras do ex-presidente Castelo Branco,
“aparelhar melhor o Poder Executivo, mantendo-o bem-informado sobre o que se
passa no país, para que possa agir com acerto e oportunidade”.
O clima entre autoridades civis e militares
era péssimo. Em um café da manhã com jornalistas, Lula falou explicitamente da
sua desconfiança em relação à atuação de militares e integrantes do GSI durante
as invasões dos prédios dos três Poderes no dia 8 de janeiro. Decidiu-se trocar
o comandante do Exército pouco tempo depois desse evento.
Nesse ínterim, já havia quem estivesse
trabalhando, nos bastidores, para esvaziar os poderes do GSI e deslocar a
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para a Casa Civil. Em outras
palavras, reduzir a ascendência dos militares sobre a agência e o sistema
brasileiro de inteligência. Tinha quem defendesse dentro do PT, inclusive, até
a extinção do GSI.
Isso não seria exatamente uma novidade em
um governo do partido. Em outubro de 2015, a ex-presidente Dilma Rousseff
editou uma medida provisória que, entre outras iniciativas, desidratou as
atribuições do GSI e deslocou a Abin dentro do organograma da máquina federal.
Ao justificar a edição da MP, Dilma apontou a necessidade de “racionalização da
estrutura” do Gabinete de Segurança Institucional. Porém, na prática o GSI
passaria a se chamar novamente Casa Militar e teria uma “redução de seu nível
hierárquico institucional na estrutura básica da Presidência da República”.
Executava-se, também, a transferência de suas competências para a Secretaria de
Governo, incluindo a coordenação das atividades da Agência Brasileira de
Inteligência.
Também se vivia um período de turbulências
nas relações entre a Presidência da República e as Forças Armadas. Para a
chefia da Casa Militar, Dilma nomeou o general Marcos Antonio Amaro dos Santos,
o mesmo personagem que surge agora tentando novamente equilibrar-se entre
ministros petistas, militares e um Ministério da Justiça fortalecido.
Entre colegas, sua vivência no governo
Dilma é vista como um ativo importante para o homem que foi chamado para a
missão de restabelecer a confiança do governo na estrutura do GSI e
reposicionar os militares nas estratégicas áreas de inteligência e da segurança
do chefe do Poder Executivo e sua família.
Amaro assume o cargo depois de o governo
fazer o que considera ser uma espécie de depuração nos quadros do GSI. Após a
saída do general Gonçalves Dias, que apareceu em vídeos veiculados pela CNN
Brasil no Palácio do Planalto com uma postura passiva diante dos ataques
golpistas do dia 8 de janeiro, Lula nomeou interinamente o secretário-executivo
do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, para comandar a pasta: de pronto,
dezenas de servidores foram exonerados. Entre eles, muitos militares que, sob a
ótica de oficiais, foram penalizados injustamente.
Desde então, o novo titular do GSI
reconheceu que a Abin, hoje no organograma da Casa Civil, não tem como retornar
mais para a sua área de influência direta. Por outro lado, demonstra disposição
de retomar o controle da segurança pessoal do presidente.
Essa intenção provocou reações imediatas na
Polícia Federal, que fica subordinada à pasta da Justiça. Já os quadros dos
generais do extinto SNI foram retirados do local onde se encontravam, e o GSI
foi transferido para um local menos nobre no Planalto.
Pela “teoria do poder”, dizem fontes que
acompanham de perto essas discussões, é recomendável que o presidente não
concentre forças demais em uma ala específica do governo. Sobretudo quando se
fala em inteligência, gestão de informações confidenciais e segurança pessoal.
A disputa nos bastidores está longe de terminar.
Entendido.
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