quarta-feira, 10 de maio de 2023

Fernando Exman - A ‘teoria do poder’ aplicada no Planalto

Valor Econômico

Entre os objetos de decoração de um amplo gabinete localizado no quarto andar do Palácio do Planalto, o que mais chamava a atenção de autoridades do novo governo era a galeria de fotografias em homenagem aos ex-ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que incluía os retratos de todos os antigos chefes do Serviço Nacional de Informações (SNI). “É uma herança da ditadura”, ouvia-se, entre vestígios do quebra-quebra realizado dias antes por uma turba de golpistas.

Até o dia 31 de dezembro, véspera da posse, quem por lá despachava era justamente o ex-ministro do GSI do governo anterior, general Augusto Heleno, homem de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A decoração da sala também continha o quadro de uma onça pintada, símbolo do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs) do Exército, organização da qual Heleno fizera parte em sua longa carreira militar. A imagem daria lugar, pelo menos de acordo com os planos iniciais dos novos inquilinos, à foto oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na outra extremidade da repartição, via-se um grande mapa do Brasil, ao qual Heleno recorria sempre que decidia fazer alguma exposição aos presentes sobre a situação na Amazônia, os desafios que o Estado brasileiro enfrentava para atuar na região ou sobre a imensidão das fronteiras nacionais. Mas o que incomodava mesmo os novos frequentadores do local era a sequência de retratos daqueles que estiveram à frente do órgão criado em 1964 para, segundo as palavras do ex-presidente Castelo Branco, “aparelhar melhor o Poder Executivo, mantendo-o bem-informado sobre o que se passa no país, para que possa agir com acerto e oportunidade”.

O clima entre autoridades civis e militares era péssimo. Em um café da manhã com jornalistas, Lula falou explicitamente da sua desconfiança em relação à atuação de militares e integrantes do GSI durante as invasões dos prédios dos três Poderes no dia 8 de janeiro. Decidiu-se trocar o comandante do Exército pouco tempo depois desse evento.

Nesse ínterim, já havia quem estivesse trabalhando, nos bastidores, para esvaziar os poderes do GSI e deslocar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para a Casa Civil. Em outras palavras, reduzir a ascendência dos militares sobre a agência e o sistema brasileiro de inteligência. Tinha quem defendesse dentro do PT, inclusive, até a extinção do GSI.

Isso não seria exatamente uma novidade em um governo do partido. Em outubro de 2015, a ex-presidente Dilma Rousseff editou uma medida provisória que, entre outras iniciativas, desidratou as atribuições do GSI e deslocou a Abin dentro do organograma da máquina federal. Ao justificar a edição da MP, Dilma apontou a necessidade de “racionalização da estrutura” do Gabinete de Segurança Institucional. Porém, na prática o GSI passaria a se chamar novamente Casa Militar e teria uma “redução de seu nível hierárquico institucional na estrutura básica da Presidência da República”. Executava-se, também, a transferência de suas competências para a Secretaria de Governo, incluindo a coordenação das atividades da Agência Brasileira de Inteligência.

Também se vivia um período de turbulências nas relações entre a Presidência da República e as Forças Armadas. Para a chefia da Casa Militar, Dilma nomeou o general Marcos Antonio Amaro dos Santos, o mesmo personagem que surge agora tentando novamente equilibrar-se entre ministros petistas, militares e um Ministério da Justiça fortalecido.

Entre colegas, sua vivência no governo Dilma é vista como um ativo importante para o homem que foi chamado para a missão de restabelecer a confiança do governo na estrutura do GSI e reposicionar os militares nas estratégicas áreas de inteligência e da segurança do chefe do Poder Executivo e sua família.

Amaro assume o cargo depois de o governo fazer o que considera ser uma espécie de depuração nos quadros do GSI. Após a saída do general Gonçalves Dias, que apareceu em vídeos veiculados pela CNN Brasil no Palácio do Planalto com uma postura passiva diante dos ataques golpistas do dia 8 de janeiro, Lula nomeou interinamente o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, para comandar a pasta: de pronto, dezenas de servidores foram exonerados. Entre eles, muitos militares que, sob a ótica de oficiais, foram penalizados injustamente.

Desde então, o novo titular do GSI reconheceu que a Abin, hoje no organograma da Casa Civil, não tem como retornar mais para a sua área de influência direta. Por outro lado, demonstra disposição de retomar o controle da segurança pessoal do presidente.

Essa intenção provocou reações imediatas na Polícia Federal, que fica subordinada à pasta da Justiça. Já os quadros dos generais do extinto SNI foram retirados do local onde se encontravam, e o GSI foi transferido para um local menos nobre no Planalto.

Pela “teoria do poder”, dizem fontes que acompanham de perto essas discussões, é recomendável que o presidente não concentre forças demais em uma ala específica do governo. Sobretudo quando se fala em inteligência, gestão de informações confidenciais e segurança pessoal. A disputa nos bastidores está longe de terminar.

 

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