O Globo
Acho maravilhoso como o conhecimento derruba preconceitos. Antes o TEA era visto como uma doença
Outro dia, falando dos ataques às escolas,
Lula disse uma frase meio atravessada sobre doentes mentais. Houve polêmica nas
redes. Mas, para mim, foi apenas um acidente de percurso, pois este governo tem
muita chance de realizar uma avançada política de saúde mental no
Brasil.
Desde a transição o tema é discutido. Uma
das propostas mais amplas é completar a reforma antimanicomial, criando mais
centros de atenção psicossocial ao longo do país.
A reforma foi aprovada em lei em 2001.
Acabar com os manicômios e inaugurar uma forma de tratamento mais humano era o
sonho nos anos 1960, inspirado por uma das grandes figuras daquela época em que
fervilhavam novas ideias: o italiano Franco Basaglia.
O projeto brasileiro é de autoria de Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais. Seu irmão Pedro foi um dos grandes inspiradores da reforma no Brasil. Estava no Congresso nesse período. Lembro-me de ter feito algumas incursões em manicômios, Juqueri, Barbacena, para a Comissão de Direitos Humanos.
Na verdade, quando jovem vi reportagens
assustadoras sobre o hospício de Barbacena, feitas por Mauro Santayana. O que
mais me impressionou foi falar com doentes colocados no hospício pelas
famílias, com a promessa de serem logo tirados dali. Já estavam internados
havia 25 anos, ninguém apareceu nem para visitá-los.
Dizem que cerca de 60 mil pessoas morreram
em condições suspeitas nos manicômios brasileiros. Recentemente, fiz um curto
vídeo sobre o livro de Daniela Arbex, entrevistando-a em Barbacena, cenário de
“Holocausto brasileiro”, que fala de muitas dessas mortes.
Do momento da reforma para cá, surgiram
novos temas. Um deles é o transtorno do espectro autista (TEA), que também foi
objeto de uma política específica e recentemente de uma lei de proteção,
escrita pela então deputada Rejane Dias, e sancionada por Bolsonaro com o nome
de Lei Romeo Mion, filho do apresentador de TV e ator Marcos Mion.
Meu interesse pelo tema começou com o
trabalho de nossa filha Tami, psicóloga e professora, que cuidou durante algum
tempo da integração de crianças com TEA na escola. É um trabalho necessário,
mas que precisa de um apoio infraestrutural.
Recentemente, escrevi algo criticando o
ex-ministro de Bolsonaro Milton
Ribeiro, para quem as crianças com necessidades especiais atrasavam
o ritmo das outras. É difícil pura e simplesmente integrá-las se não preparamos
as condições adequadas para que possam florescer. Continuo interessado no tema.
Acho maravilhoso como o conhecimento derruba preconceitos. Antes o transtorno
era visto como doença. A nomenclatura já mudou. Antes era examinado apenas do
ponto de vista psicológico; hoje, já se vê como um problema cognitivo.
Levado por esse interesse, assisti à série
coreana “Uma advogada extraordinária”. A personagem é uma advogada superdotada,
mas portadora do transtorno. É fascinante como a palavra baleia aciona um fluxo
de pensamentos agradáveis nela e como ela sabe tudo sobre a vida das baleias.
Sinto-me muito perto dela quando se embaraça ao tentar entrar na porta de vidro
giratória do prédio de sua empresa. Ela organiza todas as pequenas coisas,
compulsivamente.
Tenho também seguido uma adolescente nas
redes sociais que conta como vive o portador do TEA. Ela explica muitas coisas
que deveríamos saber para não criar arestas. Não gosta de cumprimentar, detesta
longas discussões, não pede ajuda nem se dispõe a ajudar e não atende telefone.
Num determinado momento, achei a advogada
coreana um pouco mais suave, sobretudo porque se apaixonou por um colega de
trabalho. Mas a garota das redes sociais também tem um namorado. Não adianta
comparar, pois cada pessoa é uma só, singular, e precisa ser vista assim.
Com os avanços legais, falta-nos ainda uma estrutura adequada para termos uma boa política de saúde mental no Brasil. Não sou ingênuo diante do mundo em que vivemos, cujas características não são as melhores e tendem a produzir dolorosos problemas mentais. É preciso batalhar em todas as frentes.
O autista vive para si mesmo,parece que esse é o problema maior,devemos desenvolver o senso de altruísmo neles.
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