O Globo
Levantamento da Uerj depois das eleições
constatou que candidatos brancos receberam o dobro de dinheiro que os negros
Em abril do ano passado, o Congresso
promulgou uma emenda constitucional para liberar de punição os partidos que não
cumpriram a exigência da destinação das verbas eleitorais até 2020.
O que já era um esvaziamento da autoridade do TSE no primeiro momento ganhou mais força quando, no dia 22 de março deste ano, 184 deputados de várias siglas — compreendidas entre esquerda, centro e direita — apresentaram a PEC 9/2023 com o objetivo de estender a anistia até 2022.
Esse ataque institucional conta com a
participação de PL, Republicanos, PSDB, PSB, PDT, PSD, Avante, Podemos e PT.
Aquela frente ampla que a população tanto almejou nas eleições aconteceu para
enfraquecer a representatividade feminina e racial nos espaços de poder,
porque, no final das contas, a lei e as decisões do TSE e do STF que
deram possibilidade de avançarmos nessas pautas acabam não valendo para muita
coisa, já que, em caso de descumprimento, ninguém será punido.
Existem várias formas de ler essa situação.
Na ciência econômica, entende-se que o ser humano se move por incentivos e que
o comportamento se molda a partir de uma análise de custo-benefício. Se os
líderes dos partidos são contrários à distribuição por diversidade das verbas
partidárias, e não haverá consequência negativa alguma de violação das regras,
obviamente seguirão com as mesmas práticas de anos e anos. Essa PEC traz à
memória aquele meme do “proibido dançar, mas, se quiser, pode”. É mais um
capítulo em que verificamos uma política pública “pra inglês ver” ou, no nosso
caso, “para negros e mulheres verem”.
O desespero dos partidos em aprovar essa
PEC se dá porque, em momento algum, houve o mínimo respeito com a questão.
Dentro da pauta racial, foi noticiado em 16 de setembro de 2022 que “candidatos
negros recebem em média 47% menos verbas dos partidos que brancos”. Segundo
relatado à época, negros receberam 77% menos que brancos no MDB,
70% menos no PT e 38% menos no PL. Levantamento da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj) constatou — depois das eleições — que candidatos brancos
receberam o dobro de dinheiro que os negros.
Com isso, vivemos um tempo em que a
Constituição, a lei, o TSE e o STF impõem uma determinada medida, e nossos
congressistas ignoram e agem como bem entendem.
A lei eleitoral trata dessa hipótese quando
traz a figura do abuso de poder econômico, que pode ser entendida como uso de
recursos financeiros buscando beneficiar candidato, partido ou coligação,
afetando a normalidade e a legitimidade das eleições. A punição para esse tipo
de conduta é a inelegibilidade por oito anos do candidato beneficiado pelo
desvio das verbas.
A partir de então, algumas perguntas
precisam ser feitas: quem recebeu o dinheiro dos negros e das mulheres para se
eleger à sua custa? A sociedade civil está disposta a enfrentar essa frente
ampla e todas as consequências que podem surgir a partir das respostas? É
possível aguentar uma reformulação do sistema político-partidário desse
tamanho?
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