segunda-feira, 8 de maio de 2023

Irapuã Santana - Frente ampla racista

O Globo

Levantamento da Uerj depois das eleições constatou que candidatos brancos receberam o dobro de dinheiro que os negros

Em abril do ano passado, o Congresso promulgou uma emenda constitucional para liberar de punição os partidos que não cumpriram a exigência da destinação das verbas eleitorais até 2020.

O que já era um esvaziamento da autoridade do TSE no primeiro momento ganhou mais força quando, no dia 22 de março deste ano, 184 deputados de várias siglas — compreendidas entre esquerda, centro e direita — apresentaram a PEC 9/2023 com o objetivo de estender a anistia até 2022.

Esse ataque institucional conta com a participação de PLRepublicanosPSDBPSBPDTPSDAvantePodemos e PT. Aquela frente ampla que a população tanto almejou nas eleições aconteceu para enfraquecer a representatividade feminina e racial nos espaços de poder, porque, no final das contas, a lei e as decisões do TSE e do STF que deram possibilidade de avançarmos nessas pautas acabam não valendo para muita coisa, já que, em caso de descumprimento, ninguém será punido.

Existem várias formas de ler essa situação. Na ciência econômica, entende-se que o ser humano se move por incentivos e que o comportamento se molda a partir de uma análise de custo-benefício. Se os líderes dos partidos são contrários à distribuição por diversidade das verbas partidárias, e não haverá consequência negativa alguma de violação das regras, obviamente seguirão com as mesmas práticas de anos e anos. Essa PEC traz à memória aquele meme do “proibido dançar, mas, se quiser, pode”. É mais um capítulo em que verificamos uma política pública “pra inglês ver” ou, no nosso caso, “para negros e mulheres verem”.

O desespero dos partidos em aprovar essa PEC se dá porque, em momento algum, houve o mínimo respeito com a questão. Dentro da pauta racial, foi noticiado em 16 de setembro de 2022 que “candidatos negros recebem em média 47% menos verbas dos partidos que brancos”. Segundo relatado à época, negros receberam 77% menos que brancos no MDB, 70% menos no PT e 38% menos no PL. Levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) constatou — depois das eleições — que candidatos brancos receberam o dobro de dinheiro que os negros.

Com isso, vivemos um tempo em que a Constituição, a lei, o TSE e o STF impõem uma determinada medida, e nossos congressistas ignoram e agem como bem entendem.

A lei eleitoral trata dessa hipótese quando traz a figura do abuso de poder econômico, que pode ser entendida como uso de recursos financeiros buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando a normalidade e a legitimidade das eleições. A punição para esse tipo de conduta é a inelegibilidade por oito anos do candidato beneficiado pelo desvio das verbas.

A partir de então, algumas perguntas precisam ser feitas: quem recebeu o dinheiro dos negros e das mulheres para se eleger à sua custa? A sociedade civil está disposta a enfrentar essa frente ampla e todas as consequências que podem surgir a partir das respostas? É possível aguentar uma reformulação do sistema político-partidário desse tamanho?

 

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