O Globo
Com o atual Lula em
modelo 1989, do tipo retrô, o verso de Cazuza se torna um dístico: “Suas ideias
não correspondem aos fatos”. Repisa o refrão de que deseja governar para os
pobres, com a ladainha de picanha para todos, mas sua prática ideológica
perpetua os desvalidos.
Por sorte, a Câmara derrubou sua tentativa de solapar o Novo Marco do Saneamento Básico. A permanecerem seus decretos, seria uma condenação, se tanto, à fossa rudimentar sob o varal e à lata d’água na cabeça. Na outra mão, infelizmente, permanece no limbo petista a reforma do ensino médio. À beira de sua implantação, tudo foi suspenso. Uma tal comissão (!) deve avaliar os pormenores de uma lei aprovada há mais de quatro anos.
Não se fala, mas as duas ações têm relação
e aprofundam a miséria brasileira. Aumentam a desigualdade. É a ideologia.
Vindo do Nordeste, Lula deve ainda guardar
na memória a imagem de crianças adoentadas, com barrigas inchadas por
verminoses, a pele descamada, a apatia marcada em suas faces. Talvez se recorde
também das mães entristecidas pela perda de filhos recém-nascidos, derrubados
por diversas infecções. Não precisa ler Graciliano Ramos porque testemunhou na
infância a pobreza.
Pois bem: ainda hoje, mais de 100 milhões
de brasileiros não têm acesso a esgoto, e 35 milhões padecem com a falta de
água encanada. Em outro recorte, significa que cerca de 30% de famílias abaixo
da linha da pobreza vivem sem saneamento básico. Ou um em cada três
brasileiros. É um cenário propício para doenças como leptospirose ou diarreia,
as que mais matam crianças no Nordeste e no Norte.
Já vamos voltar à educação.
Na Amazônia Legal, que corresponde a mais
da metade do território nacional, os números são ainda mais dramáticos. Se a
média nacional de coleta de esgoto é 38,7%, perto de mil municípios da região
beiram os 14,6%. A fossa rudimentar está cavada em 49,2% dessas cidades. No Amapá
e em Rondônia, o quadro é ainda pior: apenas 6% vivem com coleta de esgoto.
Como escreve meu amigo Miguel Haddad,
ex-prefeito de Jundiaí, interior de São Paulo, o percentual de esgoto não
tratado, em 2020, equivalia a 5,3 milhões de piscinas olímpicas despejadas na
natureza. Imagine a beleza.
Sendo o PT contrário
ao modelo de privatizações, a tentativa de Lula abortada pela Câmara oferecia
as costas à população sem água e esgoto (cerca de 44% dos brasileiros) e
escamoteava outro número, este de sucesso: apenas no primeiro ano de aprovação
do Marco de Saneamento, os recursos dados à área foram iguais ao total
“investido pelas estatais nos últimos dez anos”, anotou Haddad.
Adoentadas, por falta de saneamento básico,
as crianças, se não morrem, faltam às aulas, desistem da escola. Porque estão
apáticas, anêmicas. É a ideologia estatista desonrando o discurso de governar
para os pobres. O modelo atual, bancado pelo Estado —evidenciam os números
acima —, é ineficiente, condena os mais desprotegidos ao calvário da miséria,
afasta boa parte dos jovens da porta de saída da pobreza — justamente, a
educação. O Marco do Saneamento prevê — ou previa, companheiros? — a figura da
concorrência para as empresas estatais. O cliente teria a possibilidade para
escolher o melhor serviço. Em lugar de pensar na gestão em favor de todos, Lula
e o PT optam pela ideologia. Mantêm seus eleitores ao lado da fossa. Politizar
a questão de saneamento não pode cheirar bem.
Pesquisas diversas feitas junto ao universo
infantil mostram que infecções intestinais (quando não chegam a óbitos) — as
tais provocadas pela falta de saneamento básico —, assim como a desnutrição
crônica, resultam em mau funcionamento cerebral; terminam assim por comprometer
a capacidade de aprendizado.
A educação parece ser outra área açodada
pela prática ideológica do Lula modelo 1989 (pré-Queda do Muro de Berlim). De
novo, setores mais radicais do PT não concordam com a lei de reformulação do
ensino médio. Pelo escrito, entraria em vigor em breve. Deve ir para as
calendas.
Não é necessário ser expert para saber que
o ensino brasileiro está próximo ao mesmo estágio do saneamento básico. Basta
correr os olhos pelo desempenho dos alunos nas competições escolares de
matemática ou, não indo muito longe, acompanhar o índice do que é chamado
carinhosamente de “analfabetismo funcional” (passe os olhos nos posts da
bancada evangélica).
O ensino brasileiro vai mal. No nível
médio, 30% dos estudantes desistem logo nos primeiros anos. A nova lei prevê um
estímulo maior às habilidades individuais, oferece algo mais do que a inútil
decoreba. Ensina a pensar.
Desnecessário pensar: a atual polarização
garante fácil mais alguns anos de poder.
A esquerda copiando a direita.
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