quarta-feira, 31 de maio de 2023

Lu Aiko Otta - Agenda Haddad na corrida de obstáculos

Valor Econômico

Há momentos em que decisões de Lula parecem contraproducentes para o próprio governo

Não é de hoje, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem atropelado a agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Chefe tem esse direito. Mas há momentos em que essa prática parece contraproducente para o próprio governo.

O caso do incentivo fiscal ao consumo de automóveis é um exemplo. Para socorrer as montadoras, que amargam uma taxa de ociosidade de 50%, o governo aceitou dar descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e nas contribuições PIS/Cofins, que somarão entre 1,5% e 10,96%.

Abrir mão de receitas não parece boa ideia nesse momento. A principal dúvida do mercado em relação ao novo arcabouço fiscal é se ele será capaz de entregar o prometido, pois para isso será necessário elevar fortemente a arrecadação. A ajuda às montadoras vai na direção contrária.

Atropela o discurso do ministro que, exatamente para elevar receitas, vem defendendo cortar em 25% a conta dos gastos tributários. Esse é um conjunto de medidas destinadas a reduzir ou eliminar a cobrança de impostos sobre setores ou produtos que chega a R$ 600 bilhões. Há os que são benéficos à economia, diz ele. E há os ditos jabutis - aqueles que só estão no alto das árvores por força de enchente ou mão de gente.

Não foi o primeiro atropelamento. Haddad já estreou como ministro da Fazenda pilotando uma crise: o adiamento, de 1º de janeiro para 1º março, da volta dos tributos federais sobre combustíveis.

No caso dos automóveis, a equipe de Haddad trabalha para limitar os danos. Quer manter os descontos de impostos pelo menor tempo possível. As montadoras pediram pelo menos um ano. Haddad disse em entrevista à GloboNews que deve ser coisa de três ou quatro meses.

Investir contra a concretização do arcabouço fiscal é má ideia principalmente porque os juros de longo prazo começaram a cair após a aprovação da proposta na Câmara dos Deputados. O mercado trabalha com taxas na casa dos 10% daqui a 18 meses, apontou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, indicado para diretor de Política Monetária do Banco Central, em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Isso, mesmo considerando que ninguém do mercado morreu de amores pela nova regra, considerada frouxa. E que ela, a rigor, ainda não existe. Precisa passar pelo Senado, onde tende a ser retida por algum tempo e a sofrer modificações, antes de virar lei.

Com todas essas ressalvas, a aprovação do arcabouço reforçou um quadro propício ao corte da taxa de juros básica da economia, a Selic, hoje em 13,75%. Os números mostram que o mercado enxerga juros menores à frente.

Também nesse ponto, os ataques de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à autonomia do Banco Central não ajudaram. Durante o tiroteio, qualquer movimento em direção ao corte da taxa, se houvesse condições, seria confundido com interferência política na autoridade monetária - o que não seria bom.

A queda dos juros de forma consistente e sustentada, isso sim, ajudaria a destravar as vendas. Não só das montadoras, mas para toda a economia.

Potencial candidato à sucessão de Lula, Haddad não posa de derrotado. Pelo contrário, procura colocar panos quentes nas situações. Pondera que os pedidos do presidente refletem o programa econômico que venceu nas urnas em outubro de 2022. E que o ambiente politicamente polarizado exige cautela nas ações do governo. Aos poucos, porém, vai impulsionando sua agenda.

Na negociação com a indústria automobilística foram discutidas outras medidas mais modernas, estruturais e de caráter horizontal, que ajudariam toda a economia, e não apenas um setor. Por exemplo, o novo marco legal para garantias.

É um projeto de lei elaborado no governo de Jair Bolsonaro que já foi aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado. A atual equipe de governo examinou a proposta e está de acordo com os pontos que facilitam aos agentes financeiros executar garantias para não tomar calote. É uma forma de reduzir juros.

Haddad sinalizou com um programa de depreciação acelerada, que permitirá às empresas recuperar mais rapidamente os investimentos que fizerem na compra de novas máquinas e equipamentos. Essa recuperação se dá via redução de impostos, o que demonstra que o ministro admite o uso de estímulos tributários, a depender de sua finalidade.

No caso, a renovação do parque industrial vai na direção da agenda ambiental que o governo diz ter abraçado. O incentivo fiscal a automóveis individuais movidos a combustíveis fósseis e as hesitações quanto à exploração de petróleo no litoral da região Norte vão na direção contrária.

O papel do Brasil como potência ambiental tem sido reforçado em todos os foros internacionais de que o país participa. No entanto, os benefícios desse futuro que tanto promete ainda não são palpáveis. Só serão vislumbrados a partir do segundo semestre.

Num governo ainda sem uma marca, a estratégia econômica avança. Seria bom o conjunto do governo apoiá-la.

 

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