quinta-feira, 4 de maio de 2023

Luiz Carlos Azedo - Devagar com o “vacinogate”, que o santo é de barro

Correio Braziliense

Mesmo no Palácio do Planalto, há preocupação quanto às consequências da “vitimização” de Bolsonaro, que ativa as emoções dos bolsonaristas e cria desconforto entre os políticos

Nem regulamentação das fake news, nem arcabouço fiscal, nem reforma tributária. A agenda política do país, ontem, foi um caso de polícia: a Polícia Federal fez buscas na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro em Brasília e prendeu o ex-ajudante de ordens dele, tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, e outros cinco suspeitos, por fraudes em atestados de vacina. Convocado, Bolsonaro decidiu não comparecer à sede da Polícia Federal para prestar depoimento e passou o dia em reuniões na sede do PL, no Setor Hoteleiro Sul de Brasília.

Autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no guarda-chuva do inquérito sobre “milícias digitais”, a operação foi solicitada pela Polícia Federal, a partir de uma investigação iniciada pela Controladoria-Geral da União (CGU), no dia 30 de dezembro, sobre fraudes na emissão de atestados de vacinas pelo SUS. Os cartões de vacinação do Bolsonaro e da filha de 12 anos foram emitidos em 21 de dezembro passado, antes da viagem aos EUA (no penúltimo dia de mandato). Os dados foram retirados do sistema em 27 do mesmo mês, segundo relatório da Polícia Federal. Bolsonaro nunca admitiu que se vacinou.

Policiais chegaram nas primeiras horas da manhã de ontem ao condomínio onde o ex-presidente da República mora desde que voltou ao Brasil, em março. O magistrado autorizou que equipamentos de informática e celulares fossem recolhidos. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, foi preso; o ex-vereador do Rio de Janeiro Marcelo Siciliano, o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira (MDB-RJ) e o médico Farley Vinicius Alcântara também são acusados de envolvimento no esquema.

Além de Mauro Cid, foram detidos o sargento Luís Marcos dos Reis, que era da equipe de Mauro Cid; o ex-major do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros; o policial militar Max Guilherme, que atuou na segurança presidencial; o militar do Exército Sérgio Cordeiro, que também atuava na proteção pessoal de Bolsonaro; e o secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha. A PF também pediu busca e apreensão contra a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, mas o ministro Alexandre de Moraes negou.

O “vacinogate”, como está sendo chamado ironicamente, pode tornar inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro. Infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores são os crimes investigados. Entretanto, o senso comum entre os políticos ontem, no Congresso, era de que o ministro Alexandre de Moraes havia exagerado ao determinar a busca e apreensão na casa do ex-presidente da República. Mesmo entre os petistas, gatos escaldados, havia preocupação em relação ao inquérito. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em entrevista ontem, afirmou que é preciso haver cautela em relação ao caso.

Vitimização

A falsificação de um certificado de vacinação é grave ética e moralmente, mas isso Bolsonaro não admite em nenhuma hipótese, nem atribui a terceiros. Simplesmente diz que desconhece o caso. Segundo o senador Eduardo Gomes (PL-TO), que foi líder de seu governo no Congresso, o fato não muda em nada a imagem de Bolsonaro, porque suas posições contra a vacina e seu negacionismo em relação à covid-19 são notoriamente conhecidas. “Ele pode até ter pedido a eleição por causa disso, mas agora isso não significa mais nada”, minimizou. Segundo o ex-líder governista, o celular de Bolsonaro não tinha senha: “Ele não tem nada a esconder”.

O caso dos atestados de vacina nem de perto se compara ao Watergate, um dos maiores escândalos da história da política dos Estados Unidos. Começou quando cinco homens foram presos tentando invadir a sede do Partido Democrata com o intuito de plantar escutas telefônicas, em junho de 1972. Dois jornalistas do The Washington Post — Carl Bernstein e Bob Woodward — começaram a investigar os detalhes, e um informante do FBI, conhecido como “Garganta Profunda”, auxiliou os jornalistas a descobrirem que o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, sabia do caso. Investigado, por tentar obstruir a investigação, foi aberto um processo de impeachment contra Nixon, que acabou renunciando ao mandato.

Bolsonaro não é mais presidente, mas ainda conta com muito prestígio popular e uma base de apoio robusta no Congresso, a ponto de forçar o presidente da Câmara, Arthur Lira, a pedir moderação na condução das investigações: “A gente já viveu momentos de instabilidade, e a Justiça precisa agir com tranquilidade, ater-se aos fatos”. Segundo ele, é preciso ver como “isso vai chegar ao final sem maiores problemas políticos”. O caso do atestado de vacina mobiliza a bancada bolsonarista e seus eleitores, que pressionam Lira.

Como em toda investigação policial, o caso deixa um rastro e tem uma motivação, porém ainda não sabe onde vai dar. A apreensão de dinheiro vivo na casa do ex-ajudante de ordens do presidente da República e um preso que diz ter informações sobre o caso do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol) podem mudar o rumo das coisas. A apreensão de celulares e outros documentos também pode revelar outras conexões, inclusive com os episódios do 8 de janeiro. Apesar disso, mesmo no Palácio do Planalto, há preocupação quanto às consequências políticas e eleitorais da “vitimização” de Bolsonaro, que ativa as emoções dos militantes bolsonaristas e cria um ambiente de desconforto entre os políticos, que já começam a questionar supostos “excessos” na atuação do ministro Alexandre de Moraes.

 

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