Folha de S. Paulo
Se ele não responder por
seu passado, nós é que teremos de responder pelo futuro
Não tem sido fácil a vida desta República. Sempre que desprevenida, tentam dar-lhe um tombo. É verdade que já começou, em 1889, com um golpe militar. Mas, ali, não havia outro jeito ---seria demais esperar que a Monarquia promovesse um plebiscito contra si mesma. Desde então, periodicamente, a República foi sacudida por sucessivos golpes vindos de militares insuflados por civis e vice-versa. Vide 1891, 92, 93, 94, 1904, 22, 24, 30, 32, 35, 37, 38, 45, 55, 61, 64, 68 e, agora, 2023, além de tentativas menores. De tédio não se morreu.
Alguns desses golpes
inovaram na forma. Em 1937, Getulio Vargas deu um autogolpe, promovendo-se de
presidente quase outorgado a ditador sem disfarce. Em 1961, Jânio Quadros
inventou o golpe pelo suicídio: renunciou à Presidência, esperando voltar
"nos braços do povo" e governar sem o Congresso. Mas o Congresso
aceitou sua renúncia, o povo cruzou os braços e ele foi lamber sabão. E, em
1968, com o AI-5, os militares deram o golpe dentro do golpe, para asfixiar o
mínimo de legalidade que restava.
Mas nenhum chegou perto
do perigo
que Bolsonaro representou para a democracia. Seu projeto era o de se
eternizar no poder. O primeiro mandato seria para a firme costura dos órgãos
internos (daí a dificuldade do novo governo para desfazer esses nós). No
segundo, viria a camisa de força. Só que as urnas frustraram o seu plano e, no
desespero, ele partiu para o supergolpe no 8/1 —que, pela audácia, terá de
custar-lhe caro. Custará?
Getulio nunca pagou pelas
torturas e mortes que praticou. Assim como, negando todas as evidências, não há
militar pós-1964 que sequer reconheça a tortura em seus quartéis. É esse
passado de leniência que gera os Bolsonaros.
Bolsonaro não tem apenas
um passado pelo qual responder. Se não for neutralizado, nós é que teremos de
responder pelo futuro.
Este colunista vai ali e volta no dia 24.
Bom descanso.
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