Correio Braziliense
O Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF)
estão mais fortalecidos em relação ao Executivo, por vários motivos, entre os
quais as mudanças na legislação partidária e na execução das emendas ao
Orçamento
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda
triste. Não manda tanto quanto gostaria, o que é normal para qualquer
governante que não seja um ditador, mas também porque a diferença nas relações
de força entre os Poderes da República também mudou muito de 2010 para 2023. O
Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão mais fortalecidos em relação
ao Executivo, por vários motivos, entre os quais as mudanças nas regras
eleitorais, na legislação partidária e na execução das emendas parlamentares ao
Orçamento da União. Há uma diferença entre o agir do governo como estrutura de
Estado, que é insubstituível, e a liderança do presidente da República.
Não custa nada lembrar a frase famosa de Karl Marx no O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de 1852, uma grande reportagem sobre a restauração na França, após o golpe de Estado do sobrinho de Napoleão, escrita sob encomenda para uma revista. “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e, sim, sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”, escreveu.
Um pouco de marxismo não faz mal a ninguém.
Anos mais tarde, seu parceiro Frederico Engels, numa carta ao filósofo Joseph
Bloch, afirmaria que a história deriva dos conflitos entre muitas vontades
individuais, “cada uma das mais, por sua vez, é o que é por uma multidão de
condições especiais”. Inúmeras forças se entrecruzam na história para que um
determinado acontecimento se apresente como uma potência única, que atua “sem
consciência e sem vontade”. Com muitos quadros marxistas, o PT deveria
compreender melhor essa situação e criar menos problemas para a relação do
governo com os aliados e o Congresso.
Ontem, na reunião do núcleo político do
Palácio do Planalto, com os líderes e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
presentes, Lula deu sinais de que a ficha começa a cair em relação ao
Congresso. Queixou-se de que o PT cria tumulto e complica as negociações do
novo arcabouço fiscal, sem o qual as políticas sociais do governo irão à breca.
O relator do projeto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), deixou muito claro que a
proposta não passará na Câmara sem o apoio da bancada governista. O que pode
acontecer é a manutenção do chamado “teto de gastos”, que limitaria muito a
capacidade de financiamento das políticas públicas.‘
A votação do arcabouço fiscal, que deve
ocorrer nesta semana, é uma espécie de rubicão para o governo. Mais importante
do que isso, mas sem o mesmo efeito de curto prazo, somente a reforma
tributária. Mudança no novo marco do saneamento, transferência do Conselho de
Controle das Atividades Financeiras (Coaf) da Fazenda para a Casa Civil e
extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), consideradas derrotas
anunciadas do governo, nem de longe se equiparam ao estrago que pode ser
causado por uma derrota na aprovação do novo arcabouço fiscal.
Novas relações
De certa forma, as negociações na Câmara
são uma espécie de laboratório das novas relações de poder entre o Executivo e
o Legislativo, com o Supremo ocupando cada vez mais espaço quando surge um
buraco negro na legislação em decorrência do impasse entre os outros Poderes. É
o que pode ocorrer amanhã, no julgamento pelo Supremo de quatro ações que
tratam do marco regulatório da internet.
Há certo consenso de que o
“presidencialismo de coalizão”, conceito criado por Sérgio Abranches, já deu o
que tinha que dar. Professor da Universidade Federal de Pernambuco, o cientista
político Marcus André Melo, ontem, na Folha de S. Paulo, chamava atenção para o
fato: “Os Poderes constitucionais são o núcleo duro de onde deriva a potência
do Executivo, mas obviamente outras variáveis importam: o poder partidário, o
estilo de gerenciamento da coalizão; e outras de natureza contextual: sua
popularidade, o estado da economia, o timing do mandato (lua de mel versus pato
manco)”. Segundo ele, com a reforma política de 2017 e o fim do financiamento
empresarial dos partidos, a criação do fundo eleitoral em valores sem paralelo
em qualquer democracia “alterou de forma radical a dependência dos partidos — e
consequentemente do Legislativo — em relação ao Poder Executivo”.
“Há duas variáveis de escolha na decisão
presidencial quanto à sua coalizão: seu tamanho e heterogeneidade — a amplitude
ideológica de sua base —, a qual tem importância decisiva para a congruência
entre a coalizão e o Congresso como um todo. Entre um presidente que delega
para a mediana da distribuição de preferências políticas do Congresso e um que
tenta impor unilateralmente sua agenda, há um continuum de posições
intermediárias. Se o Congresso se deslocou à direita, e o portfólio ministerial
e as iniciativas de políticas de governo não refletem isso, haverá custos
consideráveis.”
Quem captou essa mensagem foi o presidente
da Câmara, Arthur Lira, que resumiu a questão: “O governo precisa
descentralizar, confiar e delegar. Descentralizando, acreditando e confiando,
ele melhorará a sua articulação política. Por enquanto, o governo está muito
internalizado no PT, não tem aberto mão para posições de articulação da sua
base aliada”, observou. O presidencialismo no Brasil está enfraquecido desde o
impeachment de Dilma Rousseff. É um tema que merece mais reflexão no governo e
fora dele.
Falou e disse!
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