O Globo
Visões divergentes entre Congresso e
governo dificultam entendimento
Lula quer cobrar apoio dos partidos que têm
ministérios. A aparente incongruência de ter ministério num governo e não
apoiá-lo nas matérias que lhe interessam no Congresso explica-se, no caso
brasileiro, pela discrepância entre o que o governo quer e o que os partidos
que supostamente o apoiam querem.
O presidencialismo de coalizão em que se
baseia a governabilidade desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso
foi sendo deformado para virar um simulacro de acordo político. A união do PSDB
com o então PFL foi um escândalo na época, até porque havia a percepção de que,
com o Plano Real, os tucanos não precisavam fazer uma união heterodoxa como essa
para vencer a eleição.
Engano, esclareceu adiante o próprio
Fernando Henrique. Ele sabia que, para governar, precisava do apoio da
centro-direita, unida naquele momento em torno de um PFL fortíssimo no
Congresso e nos estados. Não foi à toa que os tucanos ganharam duas vezes
seguidas no primeiro turno, feito não alcançado por nenhum outro partido até o
momento.
O presidencialismo de coalizão, assim batizado pelo cientista político Sérgio Abranches, seguia então programas de governo e tinha reformas estruturais, como a da Previdência e outras, modernizantes da economia, que necessitavam de apoio do Congresso.
Com a sucessão dos tucanos pelos petistas,
esse mecanismo de apoio parlamentar foi se deformando, especialmente porque,
como agora, o Congresso eleito em 2002 e o governo Lula não se correspondiam.
Tanto que o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, bom entendedor da
política, fechou um acordo com o PMDB para dar governabilidade a Lula, mas este
recusou prontamente. Não queria acordo com “a direita”.
Só se dobrou à realidade depois de algumas
derrotas no Congresso. A saída foi montar o mensalão, que comprou apoio
parlamentar em troca de um fisiologismo rasteiro e evoluiu para o petrolão.
Nesses 20 anos, porém, o mundo mudou, o país mudou, o Congresso ganhou mais
poder, e o esquema de comprar votos já não é tão eficiente. Distribuir
ministérios tampouco.
No meio desse percurso, a direita ganhou
força, já não sente receio de se posicionar, e a ideologia ganhou destaque no
eleitorado de centro-direita, que tinha apenas o PSDB para representá-lo, mesmo
assim com muitas ressalvas. Consideravam os tucanos “esquerdistas” e
contentavam-se com a oposição ao PT, que cometeu um erro estratégico: jogou o
PSDB para a direita, em vez de tratá-lo como aliado de centro-esquerda.
O presidencialismo de coalizão passou a ser
“de cooptação” e só ganhou sentido unívoco no governo Temer, quando governo e
maioria do Congresso tinham a mesma tendência. O resultado foram reformas
aprovadas, como a trabalhista, a do ensino médio, a fiscal, que criou o teto de
gastos, e outras bem encaminhadas, como a previdenciária, aprovada no governo
Bolsonaro.
Além do parlamentarismo branco, que deu ao
Congresso o poder que jamais tivera, ampliado no governo Bolsonaro, que abdicou
do controle do Orçamento em favor de Congresso. Hoje, o desentendimento entre
Congresso e governo Lula baseia-se justamente nessa falta de acordo sobre uma
visão esquerdista do governo e a tendência conservadora majoritária do
Congresso, que se recusa a recuar de decisões já tomadas, como o Marco do
Saneamento Básico, a privatização da Eletrobras, a reforma do ensino médio.
Guia
Recentemente, quando concedia uma
entrevista à GloboNews, Celso Amorim, assessor especial de Lula, tentou
desqualificar o jornalista Guga Chacra, que perguntara por que não aproveitara
a ida a Moscou para visitar Kiev também.
— Você conhece bem a região, acha que é
fácil assim? — ironizou Amorim.
Ao que Guga respondeu prontamente:
— Conheço sim. Basta fazer o que todas as
autoridades fazem.
Ou seja, viajar de Paris para a fronteira da Polônia com a Ucrânia e de lá ir de trem por 700 quilômetros até Kiev. É o roteiro que Celso Amorim fará, já feito pelos presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron.
Amorim irá ou não?Faltou clareza.
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