O Globo
Governo precisa dar o exemplo cortando
custos de uma máquina pública inchada, para contribuir com o equilíbrio fiscal
O presidente Lula, no afã de cumprir
promessas de campanha mirabolantes (dar condições de os pobres comerem picanha
todo dia é bom exemplo), busca soluções heterodoxas para financiar seu programa
de governo, já que cortar custos não faz parte do seu dicionário.
Ao juntar na mesma Medida Provisória a
atualização da tabela de isenção do Imposto de Renda e a taxação de grandes
fortunas no exterior e ao anunciar a correção do salário mínimo acima da
inflação, ele procura materializar suas promessas populistas que encontram
dificuldades de ser implementadas pela debilidade de nossa economia.
Jogou para o Congresso a responsabilidade de aprovar as medidas, que já estão valendo, deixando aos parlamentares a tarefa ingrata de, recusando-as, serem os culpados diante da opinião pública ao impedirem que o governo coloque “o pobre no Orçamento e os super-ricos no Imposto”, como lembrou o secretário executivo do ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo.
Certamente a ideia de taxar os
investimentos no exterior já estava elaborada, talvez fosse anunciada mais
adiante, mas o desejo de Lula de aproveitar o 1º de Maio para dar boas notícias
aos trabalhadores fez com que o anúncio fosse antecipado. Como uma coisa
compensa a outra, o governo ainda tem justificativa boa para a taxação de
fortunas no exterior, embora tenha quebrado a promessa de não criar novos
impostos.
A declaração de bens no exterior, implantada
na gestão de Arminio Fraga no Banco Central, permitiu que o governo obtivesse
informações detalhadas de cada contribuinte, exceção feita àqueles que sempre
estiveram dispostos a esconder seus bens, frutos provavelmente de ações
ilegais. Com o país em situação econômica precária, está chegando o ponto de
aceitação de ampliação da taxação dos mais ricos, assim como, no Plano Real, o
país já não aguentava mais conviver com a hiperinflação, e abriu-se o caminho
para uma solução.
A desigualdade da sociedade brasileira
chegou a um limite inaceitável, e é preciso que se equilibre a situação social
para evitar uma catástrofe. Mas também não é possível continuarmos com uma
classe política que trata seus interesses pessoais com a desenvoltura dos que
não têm responsabilidade. Querer voltar com o orçamento secreto a esta altura é
um acinte à sociedade brasileira. Ser sensível aos problemas sociais mais por
populismo que por conscientização só traz mais gastos insustentáveis.
Um governo que quer exigir de seus cidadãos
sacrifícios não pode se dar ao desfrute de beneficiar os seus com leniência; de
indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) um amigo cujo principal mérito
seja a lealdade ao presidente, e não à Constituição; de alterar a legislação
para permitir que cargos sejam ocupados por desqualificados para a função ou
sem o cumprimento de quarentenas preventivas.
Levar os mesmos lobos já investigados por
corrupção para tratar das mesmas questões financeiras nas estatais
anteriormente envolvidas em esquemas ilegais não é um bom sinal. Dar o mesmo
valor àqueles que produzem na agricultura e aos que invadem suas terras,
colocando-os no mesmo nível em conselhos do Estado, é dar tratamento igual a
desiguais.
Sobretudo, é preciso dar o exemplo cortando custos de uma máquina pública inchada, para contribuir com o equilíbrio fiscal. Voltar a ter 37 ministérios para contentar a miríade de partidos de uma base parlamentar frágil e fluida também não é, certamente, um bom sinal. Começar a prometer financiamentos com dinheiro público a países amigos ideológicos, como a Argentina, é repetir os mesmos erros e prejudicar os cidadãos menos atendidos pela ação do governo.
Merval não deixa barato.
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