terça-feira, 2 de maio de 2023

Merval Pereira - Interesses de cada um

O Globo

Governo precisa dar o exemplo cortando custos de uma máquina pública inchada, para contribuir com o equilíbrio fiscal

O presidente Lula, no afã de cumprir promessas de campanha mirabolantes (dar condições de os pobres comerem picanha todo dia é bom exemplo), busca soluções heterodoxas para financiar seu programa de governo, já que cortar custos não faz parte do seu dicionário.

Ao juntar na mesma Medida Provisória a atualização da tabela de isenção do Imposto de Renda e a taxação de grandes fortunas no exterior e ao anunciar a correção do salário mínimo acima da inflação, ele procura materializar suas promessas populistas que encontram dificuldades de ser implementadas pela debilidade de nossa economia.

Jogou para o Congresso a responsabilidade de aprovar as medidas, que já estão valendo, deixando aos parlamentares a tarefa ingrata de, recusando-as, serem os culpados diante da opinião pública ao impedirem que o governo coloque “o pobre no Orçamento e os super-ricos no Imposto”, como lembrou o secretário executivo do ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo.

Certamente a ideia de taxar os investimentos no exterior já estava elaborada, talvez fosse anunciada mais adiante, mas o desejo de Lula de aproveitar o 1º de Maio para dar boas notícias aos trabalhadores fez com que o anúncio fosse antecipado. Como uma coisa compensa a outra, o governo ainda tem justificativa boa para a taxação de fortunas no exterior, embora tenha quebrado a promessa de não criar novos impostos.

A declaração de bens no exterior, implantada na gestão de Arminio Fraga no Banco Central, permitiu que o governo obtivesse informações detalhadas de cada contribuinte, exceção feita àqueles que sempre estiveram dispostos a esconder seus bens, frutos provavelmente de ações ilegais. Com o país em situação econômica precária, está chegando o ponto de aceitação de ampliação da taxação dos mais ricos, assim como, no Plano Real, o país já não aguentava mais conviver com a hiperinflação, e abriu-se o caminho para uma solução.

A desigualdade da sociedade brasileira chegou a um limite inaceitável, e é preciso que se equilibre a situação social para evitar uma catástrofe. Mas também não é possível continuarmos com uma classe política que trata seus interesses pessoais com a desenvoltura dos que não têm responsabilidade. Querer voltar com o orçamento secreto a esta altura é um acinte à sociedade brasileira. Ser sensível aos problemas sociais mais por populismo que por conscientização só traz mais gastos insustentáveis.

Um governo que quer exigir de seus cidadãos sacrifícios não pode se dar ao desfrute de beneficiar os seus com leniência; de indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) um amigo cujo principal mérito seja a lealdade ao presidente, e não à Constituição; de alterar a legislação para permitir que cargos sejam ocupados por desqualificados para a função ou sem o cumprimento de quarentenas preventivas.

Levar os mesmos lobos já investigados por corrupção para tratar das mesmas questões financeiras nas estatais anteriormente envolvidas em esquemas ilegais não é um bom sinal. Dar o mesmo valor àqueles que produzem na agricultura e aos que invadem suas terras, colocando-os no mesmo nível em conselhos do Estado, é dar tratamento igual a desiguais.

Sobretudo, é preciso dar o exemplo cortando custos de uma máquina pública inchada, para contribuir com o equilíbrio fiscal. Voltar a ter 37 ministérios para contentar a miríade de partidos de uma base parlamentar frágil e fluida também não é, certamente, um bom sinal. Começar a prometer financiamentos com dinheiro público a países amigos ideológicos, como a Argentina, é repetir os mesmos erros e prejudicar os cidadãos menos atendidos pela ação do governo.

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