O Globo
O projeto ficou sob intenso ataque no final
de semana, inclusive das plataformas digitais, e pode nem entrar em votação
nesta terça-feira
O PL 2630 passou o fim de semana e o
feriado sob ataque. Mas o pior deles foi o feito pelas plataformas,
especialmente o Google. Fizeram anúncios contra, e até aí tudo bem, é do jogo
democrático, mas bloquearam e reduziram o alcance dos perfis e dos posts que
são a favor do projeto que regula a comunicação digital no Brasil, o chamado PL
das Fake News.
– Isso é censura. É a plataforma decidindo
o que vale e o que não vale no debate público na definição de uma política
pública, no país que nem é o país-sede das plataformas. É abuso de poder –
afirmou Nina Santos, especialista em comunicação digital, e representante da
Sala de Articulação contra a Desinformação.
Doutora pela Universidade de Paris, Nina Santos faz pós-doutorado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e tem acompanhado em detalhes a tramitação do projeto da regulação das plataformas digitais. O alerta que ela faz contra a atitude de interferir no debate é gravíssimo. Publicar anúncio defendendo a posição das plataformas é normal, mas usar o fato de que controlam as ferramentas para calar as vozes das quais discordam é inaceitável.
– Eles estão bloqueando anúncios a favor do PL 2630. Bloquearam, no domingo, o anúncio do Sleeping Giants no Youtube. Tem um perfil chamado “Regular para proteger", uma campanha da Avaaz, que foi bloqueado no Twitter. É enfim, uma série de bloqueios, além da diminuição do alcance das postagens a favor da regulação. O alcance está caindo brutalmente — alertou Nina Santos.
Do ponto de vista político, o Republicanos
se posicionou contra, apesar de ter votado majoritariamente a favor da urgência
do projeto. A bancada evangélica não ficou satisfeita com a mudança para
afastar temores levantados de que o texto impediria a liberdade religiosa. A
proteção foi tal que tem gente que argumenta que equivaleria a uma imunidade. A
pior questão do projeto é o que dá imunidade aos parlamentares em geral, apesar
de muitos deles serem grandes disseminadores de fake news, mas esse ponto é
considerado inegociável. O debate ficou intenso no fim de semana prolongado, a
tal ponto que não se sabe se o PL será mesmo colocado em votação nesta
terça-feira.
Nina Santos avalia que o PL, como foi
protocolado pelo relator Orlando Silva, tem avanços significativos.
– Há exigência de transparência das
plataformas e de prestação de contas. Criam-se parâmetros mínimos em termos de
quais são os elementos que precisam deixar públicos ou acessíveis em relação ao
funcionamento interno. Um outro avanço é em relação à publicidade e a questão
da responsabilização. No texto está claro que as plataformas se tornam
co-responsáveis por todo o conteúdo publicitário, tudo que envolva transação
monetária nas plataformas. Isso é um avanço importante porque até agora elas
estavam cobertas pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet, que tira a
responsabilidade das plataformas.
O outro avanço, apontado por Nina Santos, é
o do que ela chama de “dever do cuidado”. O texto traz balizas claras sobre
temas sensíveis e prioritários como conteúdos que atinjam crianças e
adolescentes, que estimulem a violência, conteúdos contra o Estado Democrático
de Direito.
— Se essas previsões legais já estivessem
em vigor talvez não tivéssemos o 8 de janeiro, nem ataques às escolas — diz a
especialista.
Um dos problemas do texto é não prever
órgão regulador independente, mas felizmente ontem estava sendo afastada nas
negociações a ideia que surgiu na sexta-feira de ser a Anatel. A agência de
telecomunicações poderia ter conflitos de interesse. Por enquanto, as dúvidas
serão decididas ou pela Justiça ou pelo Comitê Gestor da Internet, mas em algum
momento o governo precisará enfrentar isso.
Um debate intenso no fim de semana foi
sobre a remuneração do jornalismo. Alguns veículos menores passaram a dizer que
o texto poderia privilegiar as grandes empresas. A ANJ soltou
nota negando isso e dizendo que será para todo o espectro do jornalismo.
A Fenaj não ficou contra o texto, mas disse que é preciso assegurar o alcance
geral do jornalismo. Esse ponto pode até ser mudado para ficar mais claro.
Pela intensidade do debate desses últimos
dias, pela reação antidemocrática das plataformas, pelos riscos a que estamos
todos expostos, é importante que o Brasil vote a regulação das plataformas
digitais, o chamado PL das Fake News.
Falou!
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