terça-feira, 30 de maio de 2023

Merval Pereira - Revendo convicções

O Globo

Lula hoje diz que não quer saber de escolhas identitárias, muito em voga no PT, mas de pessoas confiáveis, como seu advogado particular Cristiano Zanin

Uma das qualidades até agora indiscutíveis dos governos anteriores do presidente Lula foi o espírito republicano com que encarou a escolha dos ministros que lhe coube nomear para o Supremo Tribunal Federal (STF). Em seus dois governos, nomeou nada menos que oito, e a maioria atuou com independência formidável, especialmente nos processos de corrupção governamental que envolviam o mensalão, que teve Ayres Britto como presidente e Joaquim Barbosa relator.

Com exceção de Ricardo Lewandowski, os demais tiveram posturas que contrariaram Lula em muitos casos: Eros Grau, Cármen Lúcia e Cezar Peluso. Até Dias Toffoli, indicado após ter sido advogado-geral da União, tomou decisões independentes em alguns momentos.

O oitavo da lista, ministro Carlos Alberto Direito, ficou pouco tempo no Supremo, de 5 de setembro de 2007 a 1º de setembro de 2009, quando morreu. Sua nomeação, no entanto, é simbólica, por ter sido um magistrado conservador. A ideologia não foi obstáculo para sua escolha, mostrando uma visão de Lula que parecia objetivar na maior parte das vezes mais a qualidade técnica que as relações pessoais. Parecia.

O próprio Lula tem demolido essa tese nos comentários que vem fazendo nos últimos anos, queixando-se do comportamento de seus indicados, com exceção de Lewandowski, agora aposentado. Em 2012, quando se instalou o julgamento do mensalão no Supremo, Lula ainda tinha força política, a ponto de não ter sido citado na cadeia de comando do esquema de corrupção que, na acusação, parou em José Dirceu, então todo-poderoso chefe da Casa Civil.

O PT perdeu sua aura de honestidade e pureza política, mas Lula ainda tinha condições de tentar manobras, depois de ter sido reeleito em 2006, mesmo com as denúncias do mensalão, e de ter elegido Dilma Rousseff em 2010. A primeira decepção foi a decisão de não deixar o caso prescrever, tomada pelo então presidente do STF, Ayres Britto, que pôs o julgamento na pauta. Lula então mexeu-se para adiá-lo, alegando que influenciaria na eleição municipal marcada para aquele ano, mas, de fato, mirando a prescrição.

Tentou então uma manobra desastrada: marcou uma conversa com o ministro Gilmar Mendes, então seu amigo, para pedir ajuda nessa empreitada. Já naquela época visto como mais influente ministro do STF, Gilmar considerou a proposta inaceitável e rompeu relações com Lula. A pretensão de Lula vazou, e a partir daí sua força política foi minguando, até surgir o petrolão, que o levou para a prisão.

Lula considera que suas nomeações para o STF o levaram a essa situação, embora tenham sido o mesmo Supremo e o mesmo ministro Gilmar Mendes os responsáveis por sua soltura e pela anulação de todos as suas condenações. Hoje ele lamenta, como relatou Malu Gaspar no GLOBO, ter ouvido conselheiros como o falecido ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e o também falecido deputado Sigmaringa Seixas.

Foi Thomaz Bastos quem o convenceu a nomear o primeiro ministro negro, escolhendo Joaquim Barbosa por meio de um golpe de sorte. O então assessor presidencial Frei Betto conheceu Barbosa por acaso, numa agência de viagens. Quando o ministro da Justiça lhe disse que Lula decidira nomear um ministro negro para o STF, Frei Betto lembrou-se do simpático professor que conhecera. Como o currículo de Joaquim Barbosa era dos melhores, foi fácil escolher.

Lula hoje diz que não quer saber de escolhas identitárias, muito em voga no PT, mas de pessoas confiáveis, como seu advogado particular Cristiano Zanin. Assim como Bolsonaro escolheu um ministro “terrivelmente evangélico”, como André Mendonça. Em todos os países em que cabe ao presidente da República escolher os componentes da Suprema Corte, é natural que a decisão recaia sobre alguém de “notório saber jurídico” da tendência política do governante. A amizade ou a religião, porém, não podem ser critérios.

 

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